Bolsonaro disse a Moro que só queria PF do Rio

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Foto: Reprodução/Blog do Esmael

O ex-ministro Sérgio Moro afirmou à Polícia Federal que o presidente Jair Bolsonaro insistia, desde janeiro, trocar o comando da corporação no Rio de Janeiro. Em mensagem, afirmou ao ex-ministro que: ‘Moro, você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro’. Leia a íntegra do depoimento abaixo:

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Em outro trecho, Moro afirmou que Bolsonaro teria dito que iria interferir em todos os Ministérios e, quanto ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, se não pudesse trocar o superintendente da PF no Rio de Janeiro, trocaria o diretor-geral e o próprio ministro da Justiça.

Moro alega que conseguiu demover o presidente de substituir a chefia do Rio ‘por algum tempo’, mas o assunto ‘retornou com força’ em janeiro deste ano quando Bolsonaro afirmou que gostaria de colocar Alexandre Ramagem na chefia da Polícia Federal. O então diretor, Maurício Valeixo, indicado por Moro, iria para cargo de adido no exterior. A reunião ocorreu no Palácio do Planalto, com a presença do ministro Augusto Heleno (GSI).

Segundo Moro, a troca de comando da PF era assunto ‘de conhecimento de várias pessoas’. Inicialmente, o ex-juiz afirmou que pensou em concordar com a troca ‘para evitar conflito, mas que chegou à conclusão que não poderia trocar o diretor-geral sem que houvesse uma causa’, ressaltando também as ligações de Ramagem com a família Bolsonaro.

Moro afirmou que, ainda em janeiro, sugeriu os nomes de Fabiano Bordignon (chefe do Depen) e Disney Rosseti (número dois da PF) para substituir Valeixo, alegando que a troca nestes termos geraria desgastes a ele, mas não abalaria a credibilidade da Polícia Federal. Os outros dois nomes cotados para o cargo eram Anderson Torres (secretário de Segurança Pública) do Distrito Federal e Carrijo – ambos sem história profissional na PF e próximos da família Bolsonaro.

Em março, durante viagem aos Estados Unidos junto de Valeixo, Moro afirmou ter recebido mensagem de Bolsonaro solicitando, novamente, a substituição da superintendência do Rio de Janeiro, então comandada pelo delegado Carlos Henrique. Segundo o ministro, a mensagem tinha o teor: “Moro, você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”.

Moro disse ter esclarecido Bolsonaro que não nomeia e nem é consultado sobre as escolhas de superintendentes, que tal prerrogativa é de competência do diretor-geral da PF. Ainda na viagem, a troca de Valeixo do comando voltou a ser mencionada e Moro alega que até aventou a ‘possibilidade de atender o presidente para evitar uma crise’.

Porém, Moro relatou que ‘não poderia aceitar a troca da Superintendência Regional do Rio de Janeiro’. “A partir de então, cresceram as insistências do presidente para a substituição tanto do diretor-geral quanto do superintendente”, disse o ex-ministro.

Valeixo então declarou a Moro que ‘estava cansado’ da pressão que sofria para a sua substituição e para a troca de comando da PF no Rio e que por esse motivo que concordaria em sair. O ex-juiz afirma que não havia nenhuma solicitação sobre interferência ou informação de inquéritos que tramitavam no Rio de Janeiro. Por essa razão, apesar das resistência, Moro concordou em trocar o comando da PF desde que o novo diretor-geral fosse de sua escolha técnica e pessoa não próxima do presidente.

Ao ser questionado se as trocas solicitadas por Bolsonaro estavam relacionadas à deflagração de operações policiais contra pessoas próximas ao presidente ou seu grupo político, Moro disse que desconhece, mas observa que não tinha acesso às investigações enquanto elas evoluíam.

O ex-ministro disse que, à medida que cresciam as pressões para trocar os comandos da Polícia Federal, Bolsonaro lhe relatou verbalmente no Palácio do Planalto que ‘precisava de pessoas de sua confiança para que pudesse interagir, telefonar e obter relatórios de inteligência’. Questionado se haviam desconfianças do Planalto em relação a Valeixo, Moro disse que isso deve ser indagado diretamente ao presidente.

Moro relatou à PF que o presidente retomou a cobrança pela troca de comando da PF em reunião ministerial no dia 22 de abril – dois dias antes do ex-juiz anunciar sua demissão.

“O presidente afirmou que iria interferir em todos os Ministérios e quanto ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, se não pudesse trocar o Superintendente da Polícia Federal do Rio de Janeiro, trocaria o Diretor Geral e o próprio Ministro da Justiça”, relatou Moro.

As reuniões foram gravadas e o próprio Bolsonaro ameaçou divulgar as gravações, mas recuou. O encontro contou com a presença de todo o primeiro escalão do governo e servidores da assessoria do Planalto.

Segundo Moro, as alegações de Bolsonaro de não receber informações da PF não é verdadeira. O ex-ministro alega que informava as ações realizadas pela PF, resguardando o sigilo das informações e comunicando operações sensíveis após deflagração das operações de buscas e prisões.

Isso ocorreu, por exemplo, durante operações que miraram o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, indiciado no esquema do Laranjal do PSL, e o senador Fernando Bezerra, ‘mas que essa informações não abrangiam dados sigilosos’.

Quanto a relatórios de inteligência de assuntos estratégicos e de segurança nacional são inseridas pela diretoria de inteligência no SISBIN e que a ABIN consolida essas informações juntamente com dados de outros órgãos e as apresenta ao presidente da República.

Segundo Moro, a acusação de Bolsonaro que não tinha acesso a relatórios da PF ‘não procede, pois os relatórios de inteligência estratégica da Polícia Federal eram disponibilizados ao Presidente da República via SISBIN e ABIN’.

Segundo Moro, Bolsonaro nunca solicitou a produção de um relatório de inteligência estratégico da PF sobre um conteúdo específico, causando estranheza que isso tenha sido invocado como motivo de demissão de Maurício Valeixo na chefia da PF. Moro diz que o presidente nunca pediu relatórios de inteligência que subsidiavam investigações policiais porque ele e Valeixo ‘jamais violariam o sigilo de investigação policial’.

No dia seguinte à reunião ministerial, Bolsonaro enviou a Moro mensagem pelo WhatsApp com um link de notícia do portal O Antagonista sobre inquérito que mirava aliados políticos do Planalto.

Acompanhado do link, a mensagem: ‘Mais um motivo para a troca’. Moro disse que ficou ‘apreensivo’ com a mensagem e que se reuniu com Bolsonaro no mesmo dia, às 9h, e que neste encontro o presidente afirmou que demitira Valeixo a pedido ou por ofício, e que Ramagem seria indicado por ‘uma pessoa de confiança do presidente, com o qual ele poderia interagir’.

Moro disse que informou ao presidente que isso representaria uma interferência política na PF, com o abalo da credibilidade do governo, isso tudo, durante uma pandemia. O ex-ministro disse que poderia trocar Valeixo, ‘desde que houvesse uma causa’, mas não havia nada disso.

Bolsonaro teria lamentado, mas disse que ‘a decisão estava tomada’.

Moro afirmou que se reuniu com os ministros Augusto Heleno (GSI) e Walter Braga Netto (Casa Civil) e informou que os motivos pelos quais não aceitaria a substituição de Valeixo, também declarou que deixaria o governo e seria obrigado a falar a verdade

Na ocasião, Moro também falou dos pedidos de relatórios de inteligência da PF e que inclusive teria sido objeto de cobrança de Bolsonaro nas reuniões do conselho ministerial, ocasião na qual o ministro Augusto Heleno informou que o relatório que o presidente queria não tinha como ser fornecido.

Os ministros se comprometeram a demover o presidente da ideia e que retornou ao Ministério da Justiça ‘na esperança da questão ser solucionada’. À tarde, após a imprensa noticiar o atrito entre Moro e Bolsonaro e seu ultimato ao governo, o ministro Luiz Eduardo Ramos ligou para saber ‘se seria possível uma solução intermediária’, citando os nomes de Fabiano Bordignon ou Disney Rosseti.

Antes de dar uma resposta definitiva, Moro disse que procuraria Valeixo, que concordou com o nome de seu número dois, Disney Rosseti, para assumir o cargo. Moro então retornou a Ramos, afirmando que essa seria a única mudança e que não concordava com trocas no comando da PF do Rio. O ministro palaciano ‘ficou de levar a questão para o presidente’ e dar um retorno, que não veio.

Quando a notícia da exoneração de Valeixo foi publicada na noite do dia 23 de abril, Moro questionou Ramos sobre o caso, que alegou não ter informações oficiais. A saída de Valeixo foi confirmada durante a madrugada, quando da publicação da exoneração no Diário Oficial da União – ‘o que tornou irreversível’ a demissão de Moro.

Moro frisou, à PF, que não assinou o decreto que exonera Valeixo e que não passou por ele nenhum pedido escrito ou formal do ex-diretor-geral pedindo demissão. Segundo Moro, Valeixo o contou que teria recebido ligação do Planalto informando que ele seria demitido no dia seguinte, e foi perguntado se poderia ser ‘a pedido’.

Durante o depoimento, Moro explicou que após o decreto com a exoneração de Valeixo tornar ‘irreversível’ sua permanência no governo, decidiu prestar as declarações no seu pronunciamento público para esclarecer as circunstâncias de seu pedido de demissão.

O ex-ministro disse à PF que ‘narrou fatos verdadeiros, mas, em nenhum momento, afirmou que o Presidente da República teria praticado um crime e que essa avaliação cabe às instituições competentes’.

No entendimento do ex-juiz da Lava Jato, havia ‘desvio de finalidade’ na demissão de Valeixo, seguida posteriormente pela nomeação de Alexandre Ramagem, pessoa próxima à família Bolsonaro, e as trocas de superintendentes regionais da PF.

“Tudo isso sem causa e que viabilizaria ao Presidente da República interagir diretamente com esses nomeados para colher, como admitido pelo próprio presidente, o que ele chamava de relatórios de inteligência, como também admitido pelo próprio presidente”, disse Moro.

O ex-ministro afirmou que Bolsonaro, em pronunciamento na tarde do dia 24 de abril, após seu anuncio de demissão, ‘não esclareceu o motivo pelo qual realizaria essas substituições’.

Sérgio Moro rebateu as acusações de que teria ‘obstruído’ as apurações do caso Adélio Bispo, que ainda investigam se houve suposto mandante do atentado contra o presidente, em setembro de 2018. O primeiro inquérito apontou que o esfaqueador agiu sozinho. Um segundo está travado na Justiça devido à liminar que impede a análise do advogado Zanone Oliveira, que defendeu Adélio no caso.

Segundo Moro, a Polícia Federal de Minas fez ‘um amplo trabalho de investigação e isso foi mostrado ao presidente ainda no primeiro semestre do ano de 2019’. As informações foram repassadas em reunião no Palácio do Planalto com a presença do ex-ministro, Maurício Valeixo, o superintendente da PF em Minas e delegados responsáveis pelo caso.

As informações deste caso, excepcionalmente, foram repassadas à Bolsonaro devido à sua condição de vítima e por ser um caso de Segurança Nacional. Moro relatou que o presidente tinha ‘pleno conhecimento’ que as investigações sobre supostos mandantes do crime estavam travadas por ‘óbice judicial’ e que, sem a conclusão das apurações, ‘não é possível concluir se Adélio agiu ou não sozinho’.

Ao contrário do que acusou Bolsonaro, Moro disse que ‘jamais obstruiu essa investigação’. Ao contrário, o ex-ministro alega que pediu ‘máximo empenho’ da Polícia Federal na investigação e informou a Advocacia-Geral da União, então chefiada por André Mendonça, que ingressasse na ação judicial que bloqueia a quebra do sigilo do ex-advogado de Adélio. O caso está no STF.

Segundo Moro, as requisições foram feitas ‘não pelo interesse pessoal do presidente, mas também pelas questões relacionadas à Segurança Nacional’.

Estadão