Bolsonaros viam Moraes como aliado

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF/Agência Brasil

Hoje em trincheiras opostas, Jair Bolsonaro e Alexandre de Moraes já tiveram dias de relação mais amena no passado —algo pouco provável na fase atual, em que o presidente pinta o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) como inimigo e reclama de ações do magistrado que desestabilizam o governo.

O inquérito do STF para investigar fake news, que é conduzido por Moraes e culminou na operação da Polícia Federal que atingiu o coração do bolsonarismo na quarta-feira (27), esquentou a rusga entre os Bolsonaros e o ministro.

Antes, o membro do Judiciário tinha atiçado a ira da família ao suspender, em abril, a nomeação de Alexandre Ramagem, amigo do clã, para a direção-geral da Polícia Federal. Com os últimos episódios, momentos de aproximação entre as partes ficaram só na memória.

“Parabéns aí ao Alexandre de Moraes”, disse o presidente durante uma de suas lives, em abril de 2019, depois de o integrante do STF revogar uma decisão dele próprio que censurou os sites da revista Crusoé e O Antagonista após publicarem reportagens sobre o presidente da corte, Dias Toffoli.

O recuo, curiosamente, ocorreu no âmbito do inquérito aberto para apurar fake news, ofensas e ameaças contra o Supremo, o mesmo que, pouco mais de um ano depois, se voltaria contra aliados de Bolsonaro, investigados por participação no esquema e alvos de mandados de busca e apreensão.

Dentro desse mesmo procedimento, Moraes mandou o ministro da Educação, Abraham Weintraub, prestar depoimento por ter dito que, se dependesse só dele, botaria “esses vagabundos todos na cadeia, começando pelo STF”. A ordem judicial deixou o Planalto insatisfeito.

Na tietagem virtual ao magistrado de 2019, Bolsonaro ressaltou o valor da liberdade de expressão, mesmo discurso que usou na semana passada para defender seus apoiadores e fustigar a investigação.

Outro cumprimento do clã presidencial ao agora rival saiu da boca do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), em 2016. Na época, Moraes era ministro da Justiça no governo Michel Temer (MDB) e compareceu a uma audiência da Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados.

“Parabéns, ministro, por essa atitude democrática”, disse o parlamentar, referindo-se ao convidado como alguém “muito solícito”.

O filho de Bolsonaro o elogiou por “mais uma vez prontamente” ir ao Parlamento e disse que ficava feliz pelo empenho do ministro em discussões sobre a destinação de armas apreendidas.

Bem diferente do tom que empregou nos últimos dias. Na quarta, Eduardo falou que a ação autorizada por Moraes contra os aliados foi um crime e pregou reação enérgica ao STF. No dia seguinte, ele entrou com representação contra o magistrado na Procuradoria-Geral da República por abuso de autoridade.

O ministro também já afagou o outro lado com declarações em anos recentes —embora tenham havido repreensões, tanto em falas públicas quanto em decisões como membro do STF.

Em uma palestra sobre a Constituição feita entre o primeiro e o segundo turno da eleição de 2018, Moraes falou que a eventual vitória do candidato do PSL não representaria ameaça ao sistema democrático, ao contrário do que críticos de Bolsonaro alardeavam.

“Tenho certeza que qualquer um dos dois [Bolsonaro ou Fernando Haddad, do PT] deverá ter essa grande finalidade de unir o país para um futuro melhor. Não há nenhum risco à democracia”, disse, em Campinas (SP).

Em 2019, com o político de direita na Presidência, o magistrado minimizou a polêmica sobre a promessa de priorizar a indicação de um evangélico para uma vaga no Supremo.

“Ele sendo o presidente da República, pode escolher aquele que entender que seria o perfil ideológico mais próximo ao seu governo. Cabe ao Senado aprovar. São declarações normais. Cada presidente tem o direito constitucional de escolher ministros do STF”, disse.

Na corte, Moraes já deu ao menos um motivo para a família presidencial sorrir. Em 2018, às vésperas das eleições, o ministro foi o autor do voto que desempatou, em favor de Bolsonaro, o julgamento sobre uma denúncia da PGR contra ele, acusado do crime de racismo por falas sobre quilombolas e refugiados.

“Apesar do erro das declarações, não me parece que a conduta teria extrapolado os limites para um discurso de ódio, de incitação ao racismo, de xenofobismo”, escreveu o magistrado, ao votar pela rejeição.

Mais tarde, Moraes adotaria posicionamentos incômodos para o mandatário. Em maio de 2019, defendeu a criminalização da homofobia pelo STF, rebatendo em público a tese do presidente de que o tribunal estaria, indevidamente, legislando.

Em outubro, o ministro mandou notificar o chefe do Executivo para ele explicar as manifestações em que relacionou ONGs que atuam na Amazônia a queimadas na floresta.

Uma imagem ilustrativa da relação marcada por idas e vindas foi captada em agosto de 2019 pelo repórter-fotográfico Pedro Ladeira, da Folha, durante uma entrega de medalhas no TST (Tribunal Superior do Trabalho), em Brasília.

Depois da solenidade, Moraes foi fotografado sorrindo enquanto olhava para Bolsonaro, em uma roda de conversa que incluía ainda o general Augusto Heleno, titular do Gabinete de Segurança Institucional, e os ministros do STF Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli.

O clima de confraternização passou longe do registrado nas últimas semanas. O presidente evitou atacar diretamente Moraes após a operação das fake news, mas fez um post irônico nas redes sociais com o título “A liberdade de expressão segundo o ministro Alexandre de Moraes”.

A publicação recuperou um vídeo em que o magistrado diz que quem não quer ser criticado ou satirizado não deve ser candidato ou se oferecer para exercer cargos políticos.

No caso da suspensão da posse de Ramagem, determinada sob alegação de falta de impessoalidade na escolha, Bolsonaro optou por uma reação mais dura.

Em tom de irritação, ele disse no dia 30 de abril que não engoliu a medida. “[Fiquei] chateado”, afirmou, classificando a decisão como política. E provocou: “Como é que o senhor Alexandre de Moraes foi para o Supremo? Amizade com o senhor Michel Temer! Ou não foi?”.

Folha