Brasil está oficialmente em recessão

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Bastaram 15 dias de choque no fim de março para empurrar a economia do primeiro trimestre inteiro para o terreno negativo. O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil encolheu 1,5% nos três primeiros meses do ano e voltou aos níveis de 2012, impactado pelo início das medidas de distanciamento social contra o novo coronavírus, que paralisaram o comércio e os serviços e frearam a produção da indústria.

Mas o pior ainda está por vir: a queda esperada para abril a junho não deve ser menor que 10%, com alguma recuperação só no último trimestre. Com esse recuo certeiro no segundo trimestre, conforme apontam indicadores já divulgados, o Brasil entrará em recessão, caracterizada por dois períodos consecutivos de retração.

Passada a pandemia, o país terá de lidar com o aumento do desemprego e com um consumidor com menos renda e avesso a gastar, além de empresas quebradas e sem capacidade de investir e um governo mais endividado e com dificuldade de promover as reformas essenciais para um crescimento mais robusto. Diante desse cenário, no ano, a contração dificilmente ficará próxima dos otimistas 4,7% previstos pelo governo (o mercado já estima tombos acima de 7%) e a atividade só deve voltar aos níveis do fim de 2019 em meados de 2022.

Antes da Covid-19, as expectativas já eram de uma desaceleração no frágil ritmo de avanço da economia. As previsões dos economistas ouvidos pelo CNN Business variavam entre alta de 0,2% e 0,4%, contra um avanço de 0,4% registrado no quarto trimestre do ano passado. Mas o fechamento das cidades em março eliminou os resultados positivos de janeiro e fevereiro.

“Foi apenas meio mês, mas foi devastador”, Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

Com exceção da agropecuária, que teve um salto de 0,6%, ancorado na produção essencial de alimentos e na exportação de commodities, e dos investimentos, que subiram 3,1% puxados pela importação de máquinas e equipamentos na indústria de óleo e gás (especialmente pela Petrobras), todos os demais grandes setores e frentes de demanda da economia contraíram no trimestre. O consumo das famílias, normalmente resiliente às crises e motor do PIB em 2019, recuou 2%, enquanto o setor de serviços teve queda de 1,6%.

“É um momento muito preocupante”, diz Silvia, ao lembrar que, do lado da oferta, os serviços contribuem para cerca de 70% do valor adicionado no PIB, enquanto do lado da demanda as famílias movimentam 65% do resultado.

“Estamos numa situação de crise profunda, sem dúvida nenhuma. É um desastre econômico”, reforça o diretor do ASA Bank e ex-secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall.

A retomada pós-pandemia é lenta, primeiro, por conta da natureza da crise. Ainda é incerto por quanto tempo o vírus continuará se espalhando e se haverá novas ondas de contaminação depois que a economia for reaberta. Além disso, no caso da indústria, que caiu 1,4%, a experiência de outros países mostra que até é possível retomar a atividade com alguma segurança sanitária, mas o mesmo não vale para os serviços.

O padrão de consumo também vai mudar depois do coronavírus, porque as famílias terão medo de se contaminar e menos dinheiro para gastar, já que muitos trabalhadores perderam o emprego e tantos outros tiveram jornada e salários reduzidos.

“O efeito mais importante será o do desemprego e da queda da renda”, aponta Kawall. Ele lembra que o aumento da taxa de desocupação em abril, para 12,6%, só não foi maior porque muitos brasileiros deixaram de buscar uma vaga durante a crise. “Mas quando a situação voltar ao normal e eles procurarem, a taxa deve saltar para 15% já no segundo trimestre. E é bem possível que a gente vá além desse índice”, afirmou. Hoje, 12,8 milhões estão desempregados.

O governo também sairá mais endividado da pandemia, o que dificulta ainda mais o ajuste das contas públicas, fundamental para melhorar o ambiente de negócios, reduzir o risco e atrair os investimentos necessários para que a economia deslanche.

Para auxiliar os cidadãos mais vulneráveis e apoiar as empresas, bilhões não previstos tiveram que ser gastos – efeito que aparecerá com maior força a partir de abril, quando os pagamentos começaram ser feitos. No primeiro trimestre, as despesas públicas ficaram praticamente estáveis, em 0,2%. Com isso, a dívida bruta, que já alcançava 76% do PIB antes da crise, subirá para algo próximo de 90%.

O desafio é fazer com que esse gasto fique restrito a 2020, algo que alguns economistas acham improvável. Para Alessandra Ribeiro, economista e sócia da consultoria Tendências, a relação desgastada entre Executivo e Congresso abre precedentes para que medidas de caráter populista sejam tomadas.

“A tentativa de sustentar o mandato pode se traduzir em uma agenda econômica mais desconfigurada do que foi anunciado”, diz. “Há uma preocupação não só com gastos, mas com o ambiente de negócios. De que possam definir preço, mexer em contratos. Isso nunca deu certo”, endossa Silvia, do Ibre.

Qualquer despesa extra que se alongue até 2021 coloca em xeque o cumprimento do teto de gastos, segundo Alessandra. “O cobertor é muito curto, não vai ser fácil. O contingenciamento vai ter que ser pesado”, diz. “O custo fiscal é altíssimo no mundo todo, mas é necessária a credibilidade de que o governo vai retomar as reformas e de que os juros vão continuar baixos”, afirma Silvia.

Nos últimos dias, os ânimos entre governo e legislativo se acalmaram com a aproximação entre o presidente Jair Bolsonaro e parlamentares do chamado “Centrão”, algo que Kawall destaca como positivo. “E mesmo no ano passado o governo não tinha base e a agenda avançou. Acredito que o sentimento reformista prevalecerá no Congresso, mas veremos”. Por outro lado, surgem agora tensões com o Judiciário.

O diretor do ASA Bank diz que toda essa turbulência aumenta o prêmio de risco e a reduz a disponbilidade dos estrangeiros de colocar dinheiro no país. E se a economia depende do investimento para avançar, os aportes também estão atrelados a um bom desempenho da atividade.

“Acho que o maior problema é a falta de crescimento. Ninguém investe em um país que não cresce. E, para isso, precisamos perseverar nas reformas, gerar boas condições regulatórias e financeiras. E torcer para que esse ruído diminua.”

Ele aponta a inflação controlada e os juros baixos como conquistas e destaca mais recentemente a melhora das contas externas que, junto com a trégua política, ajudou a frear a escalada do dólar.

Retomar as discussões sobre a reforma tributária e administrativa, acelerar privatizações e aprovar medidas regulatórias como o marco do saneamento será fundamental para que o país consiga crescer ao ritmo entre 1,5% e 2,5% previsto pelos economistas no próximo ano.

Mas o caminho para recuperar o que será perdido em 2020 será longo.”A volta vai ser bem gradual. Só devemos recuperar o nível da produção do final de 2019 em meados de 2022″, diz Alessandra. O prazo é o mesmo estimado por Kawall.

CNN Brasil