Claque de Bolsonaro aprova volta da “velha política”

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Foto: Agência Brasil

Em julho de 2018, Carlos Jordy, em franca campanha para ser eleito deputado federal e querendo pegar carona no discurso antiestablishment do então candidato Jair Bolsonaro, escolheu um adversário para atacar no Congresso.

“Olha o centrão buscando manter tudo como sempre foi. Interferência estatal para manter as pragas dos sindicatos que apenas servem para sugar impostos e levantar bandeira político-partidária. Esse é o [Geraldo] Alckmin e a aliança de centro.”

A manifestação dizia respeito a negociações de Alckmin, na época presidenciável pelo PSDB, com líderes de partidos do chamado centrão para formalizar uma ampla aliança eleitoral.

Menos de dois anos depois, na aproximação do presidente Jair Bolsonaro com o mesmo centrão, Jordy, hoje deputado federal do PSL eleito pelo Rio de Janeiro, teve uma mudança de paradigma.

“Não vejo problemas na aproximação com o centrão”, afirmou. “Precisamos trabalhar com as peças do tabuleiro.”

O centrão reúne cerca de 200 dos 513 deputados da Câmara. São parlamentares de legendas como PP, PL, Republicanos, MDB, DEM, Solidariedade e PSD —que nega compor o grupo, historicamente associado à velha política do “toma lá, dá cá.”

Passados 17 meses de governo Bolsonaro, aliados são obrigados a recorrer a um verdadeiro malabarismo argumentativo para justificar a decisão do presidente de incorporar esses partidos à sua base política no Congresso.

Jordy, por exemplo, defende que Bolsonaro rompeu com o presidencialismo de coalizão de outros governos.

“Isso era feito no início do mandato pelo chefe do Executivo, que pegava partidos com maioria na Câmara e loteava estatais para que os partidos votassem com ele.” Para o parlamentar, o governo Bolsonaro adota critérios técnicos nas nomeações.

No dia 6, o Diário Oficial da União trouxe a nomeação de Fernando Marcondes de Araújo Leão como diretor-geral do Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), com salário de R$ 16.944,90.

Reportagem da Folha mostrou que parlamentares e um técnico do governo disseram que a indicação de Leão para o cargo foi levada ao governo pelo líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL), um dos interessados em disputar a sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Casa em fevereiro de 2021.

Jordy não é o único bolsonarista a sair em defesa da aproximação. O também deputado federal Filipe Barros (PSL-PR) diz que é preciso fazer algumas ressalvas ao tema.

“Tem muito exagero e muita fake news envolvendo essa história”, afirma, em referência à notícia de que o Porto de Santos estaria envolvido nas negociações.

À Folha o presidente do Solidariedade, deputado Paulo Pereira da Silva (SP), confirmou que houve oferta de cargos por apoio. “Me ofereceram o porto de Santos e eu não vou aceitar, não vou para o governo uma hora dessas”, afirmou.

Barros também recorre à analogia de peças do tabuleiro para justificar a aproximação com o centrão. “As peças do tabuleiro quem coloca é a população. E o presidente tem que conversar com todas as peças desse tabuleiro”, diz.

“‘Ah, o presidente está conversando com Arthur Lira’. Tá, mas ele foi eleito. Então da próxima vez as pessoas não o elejam.”

Segundo o deputado, não há loteamento de ministérios para formação de base parlamentar no governo Bolsonaro.

“Se existe um carguinho aqui ou outro acolá na base do parlamentar, esse carguinho primeiro que não tem ingerência nenhuma sobre a vida política do ministério”, afirma, para, em seguida, relativizar: “Qual é o impedimento que um parlamentar tem em fazer uma indicação técnica? Nenhum.”

A criatividade também é demandada para justificar o apoio de um personagem controverso: o deputado federal cassado Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB e delator do esquema do mensalão —ele foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

“Na verdade, o presidente não está se aproximando exclusivamente do Roberto Jefferson, está abrindo diálogo com várias figuras de centro para tentar governar”, avalia o deputado Cabo Junior Amaral (PSL-MG), ilustrando a crise existencial do bolsonarismo-raiz.

“Infelizmente, algumas dessas pessoas que eu desprezo, e aí não estou me referindo exclusivamente ao Roberto Jefferson, mas a algum deles que prefiro não nominar, o presidente precisa trazer para perto.”

No dia 9, Jefferson postou uma foto segurando o que parecia ser um fuzil e defendendo que Bolsonaro demita e substitua os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal, apesar de o presidente da República não ter nenhum poder constitucional para isso.

Já o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) conjectura que a aproximação com Jefferson é “totalmente investigativa” e busca descobrir o que o centrão está articulando contra Bolsonaro.

“Você se aproximar para poder sugar todas as informações, sugar tudo o que as pessoas estão precisando saber, acho que é normal. A aproximação não é institucional nem profissional”, afirma.

Silveira diz acreditar que a população rejeitaria uma ação de Bolsonaro para oferecer cargo a Jefferson e comenta as afirmações do ex-deputado sobre o cenário político.

“O fato de estar levantando as questões, não sei se são ilações ou se são verdade, mas ele tem um know-how [conhecimento] muito extenso para poder falar. Acho que está se aproximando para poder entender o que está acontecendo”, diz.

O parlamentar se referia às declarações de Jefferson de que o presidente da Câmara estaria preparando um golpe contra Bolsonaro.

Ainda assim, há dentro do grupo de bolsonaristas aqueles que não queiram minimamente se associar ao delator do mensalão. “Para mim não faz sentido algum [a aproximação de Bolsonaro com Jefferson]. Não aceito apoio nenhum do Roberto Jefferson. Para mim, apoio dele não me serve”, afirma o deputado federal Bibo Nunes (PSL-RS).​

NOMEAÇÕES LIGADAS AO CENTRÃO FEITAS POR BOLSONARO

Fernando Leão (Avante)
Nomeado para a direção-geral do Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), por indicação de Arthur Lira (AL), líder do PP

Carlos da Silva Filho
Nomeado para a Superintendência de Trens Urbanos do Recife, por indicação do PSC

Tiago Pontes Queiroz
Nomeado para a Secretaria Nacional de Mobilidade e Desenvolvimento Regional, por indicação do Republicanos

Garigham Amarante Pinto
Nomeado para a Diretoria de Ações Educacionais do FNDE, por indicação do PL

Carlos Marun (MDB)
Aliado fiel do ex-presidente Temer, o ex-ministro foi nomeado para o cargo de conselheiro da Itaipu Binacional

José Carlos Aleluia (DEM)
Antigo cacique do partido e aliado de ACM Neto, o ex-deputado foi nomeado para o conselho da usina

Folha De S. Paulo