Com Toffoli doente Bolsonaro fica sem interlocução no STF

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Foto: Pablo Jacob/Agência O Globo

A interlocução que o presidente Jair Bolsonaro pretende fazer com o Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar arrefecer a crise institucional ganhou ontem um novo obstáculo: o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, está internado com suspeita de covid-19. O quadro é estável e ele sob observação, respirando sem ajuda de aparelhos. Sua licença médica será de ao menos sete dias, período em que será substituído por Luiz Fux.

No sábado, um dia depois de vir a público o vídeo da reunião de 22 abril, Toffoli foi hospitalizado para drenagem de um abscesso. O procedimento correu bem, mas horas depois surgiram sintomas respiratórios compatíveis com os do novo coronavírus. O resultado do exame deve sair nos próximos dias.

Como o ministro está bem, não tem se furtado de avaliar o momento político. Ele tem dito a interlocutores que, embora não tenha dúvida sobre o tom indecoroso das falas proferidas durante a reunião interministerial, pretende deixar aberto um canal de diálogo com Bolsonaro, para tentar evitar o aprofundamento da crise.

O Valor apurou que Toffoli considera haver margem para discutir com o governo dois fatores preocupantes do ponto de vista institucional. Um é a permanência do ministro da Educação, Abraham Weintraub, no cargo, o que desagrada o tribunal; outro, contestado por Bolsonaro, é a eventual apreensão de seu celular para investigação.

Por ser praticamente o único elo de Bolsonaro na relação com o STF, Toffoli acha que não pode se fechar agora, sob pena de provocar uma ruptura que só vai agravar a situação já delicada do país.

Nos bastidores do tribunal, há consenso sobre o despreparo de Weintraub para ocupar uma posição importante nos quadros do governo, mas não exatamente sobre qual seria a forma mais adequada de fazê-lo responder pelas ofensas ao STF. Primeiro, porque ele não se referiu a um ministro específico, tornando difícil que um deles encampe uma representação por crime contra a honra. Segundo, porque os insultos só se tornaram públicos por decisão judicial – os ministros não puderam deixar de observar que eles próprios não medem o tom de suas críticas quando estão em ambientes privados e com pessoas de confiança.

Dessa forma, a solução mais viável seria costurar a saída de Weintraub do ministério. O próprio Bolsonaro afirmou a auxiliares do Planalto que o chefe da Educação havia exagerado, embora não o tenha repreendido explicitamente durante a reunião.

O momento para troca do ministro da Educação seria oportuno, uma vez que, nas últimas semanas, o presidente manifestou a pessoas próximas sua insatisfação com a resistência de Weintraub em abrir espaço para indicados do Centrão, com quem Bolsonaro negocia cargos para aumentar sua base de apoio no Congresso.

O ministro Marco Aurélio Mello disse sábado ter ficado “perplexo” com o vídeo, o qual classificou como um “circo”, e que já teria demitido Weintraub se fosse o presidente da República. Reservadamente, outros ministros disseram ao Valor que concordaram com esse entendimento.

A crise entre o governo e o STF ainda tem outro componente: o fato de o ministro Celso de Mello, relator do inquérito que investiga a suposta interferência política do presidente na Polícia Federal (PF), ter pedido um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre a possibilidade de apreender o celular de Bolsonaro como meio de obter provas.

O despacho do decano, publicado nos autos de petições protocoladas por partidos da oposição, trata de uma questão meramente processual: é praxe o Supremo pedir manifestações à PGR. Contudo, foi visto com gravidade pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

O ministro Augusto Heleno divulgou afirmando que o pedido é “inconcebível”, pois interfere na privacidade de Bolsonaro e na harmonia entre os poderes – e que, se efetivado, “poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”. Um grupo de 90 militares da reserva divulgou manifesto de apoio ao general, citando que um desses efeitos pode ser uma “guerra civil”.

Mesmo que o encaminhamento à PGR seja um expediente habitual nos processos em tramitação no Supremo, nem todos os ministros apoiaram a decisão do decano, entre eles o próprio presidente do STF. Auxiliares de Toffoli consideram que o relator avançou o sinal ao dar seguimento ao pedido, pois isso não ajuda a preservar a institucionalidade.

Ao Valor, Marco Aurélio classificou a decisão do colega como “ativismo judicial” e disse que a nota de Heleno “de forma alguma” representa ameaça ao STF. Gilmar Mendes saiu em defesa de Celso ao dizer que o ato é apenas uma formalidade: “Não podemos distorcer o significado de um ato jurídico meramente ordinatório.”

Bolsonaro destacou trecho da Lei de Abuso de Autoridade, sugerindo que o decano pode ser condenado a até quatro anos de prisão por “divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir”.

Valor Econômico