Conheça o “risco Mourão”

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Foto: Romério Cunha/VPR

O vice-presidente Hamilton Mourão deixou a postura de discrição e foi a público posicionar-se na crise do novo coronavírus nas últimas semanas. O tom moderado do vice contrasta com a postura do presidente Jair Bolsonaro, que vem se indispondo diariamente com governadores, adversários e jornalistas. Mourão mandou recados em videoconferências com empresários e entrevistas coletivas, onde também fez acenos aos políticos.

Agora o vice fará uma pausa nessas aparições, até sair a contraprova dos exames para aferir se ele contraiu o coronavírus. O resultado divulgado ontem do primeiro teste foi negativo.

Nas últimas três semanas, Mourão participou de seis videoconferências com empresários: em 27 de abril, três dias após a saída de Sergio Moro do governo, participou de live a convite da Arko Advice; em 7 de maio, foi o convidado de live do Instituto Brasil 200, que reúne grandes varejistas, como Havan, Centauro e Riachuelo; em 12 de maio, foi o convidado de live da XP Investimentos; no dia 13 de maio, falou à Câmara de Comércio Árabe Brasileira (CCAB); no dia 14, esteve em live da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústria de Base (ABDIB); e no dia 15, interagiu com a Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (FIERGS).

Apesar do acirramento da crise política – agora com o novo capítulo relativo às denúncias do empresário Paulo Marinho – parlamentares influentes insistem que é prematuro falar em impeachment de Bolsonaro, por ao menos três razões: o presidente mantém o apoio de cerca de 30% da população; a economia ainda não colapsou e o governo tem atuado para evitar o agravamento do quadro; e Mourão é uma incógnita.

Um deputado influente, do círculo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pondera que nos dois impeachments da história recente do país, foi possível combinar o jogo com o sucessor porque este era do meio político.

No afastamento de Fernando Collor em 1992, o então vice Itamar Franco era ex-senador, que foi atuante na Assembleia Constituinte e nas Diretas Já. No impedimento de Dilma Rousseff em 2016, Michel Temer era um expoente do parlamento, que havia sido três vezes presidente da Câmara e era presidente do PMDB.

Mourão, no entanto, é um general de Exército, respeitadíssimo na caserna. Há um consenso entre lideranças das duas Casas de que se o impeachment se revelar incontornável, seria preciso exigir de Mourão o mesmo compromisso que Temer selou com o PSDB para arregimentar o apoio dos tucanos: Mourão teria de se comprometer a não disputar a reeleição. Uma espécie de acerto, entretanto, considerado utópico na política.

Esse pacto foi firmado por Temer com o senador Aécio Neves (PSDB-MG) – na ocasião um de seus interlocutores mais frequentes. O “Joesley Day” tornou a reeleição uma meta inviável para Temer. Mas se não fosse esse episódio, e a economia tivesse se recuperado, não haveria por que Temer não buscar novo mandato.

Lideranças do Congresso veem o vice com desconfiança. Um exemplo de conduta do vice considerada ambígua é o artigo publicado na quinta-feira no jornal “O Estado de S. Paulo”. O texto foi classificado por parlamentares como “pendular” porque Mourão teria se alinhado a Bolsonaro na crítica aos demais Poderes e à imprensa.

Segundo uma liderança da Câmara, Mourão discorreu de “forma enviesada” sobre o federalismo americano. Citou o modelo para defender a concentração do poder da União, enquanto nos Estados Unidos, o ente nacional é coordenador das ações, mas os governos estaduais são autônomos.

“Ninguém sabe quem é Mourão”, alerta este deputado. “Ele faz gestos de estadista democrata, mas tem tradição de vias autoritário e vez por outra deixa escapar esse viés”. Mourão ainda é lembrado entre políticos como o general que em duas oportunidades – em 2015 e 2017 – defendeu a intervenção militar como solução para liquidar a corrupção na política.

Antes do artigo, Mourão havia criticado a inobservância dos limites pelos outros Poderes em entrevista à Rádio Gaúcha, no dia 4 de maio. “Hoje existe uma questão de disputa de poderes entre os diferentes poderes, existe uma pressão muito grande em cima do poder Executivo”, afirmou.

À rádio, Mourão criticou a suspensão da nomeação do diretor-geral da Polícia Federal e da expulsão dos diplomatas venezuelanos pelos ministros do STF. “Os poderes têm de buscar se harmonizar mais e buscar entender o limite da responsabilidade de cada um”.

Em contrapartida, a defesa da aliança com o Centrão nas lives com a Arko Advice e a XP foi interpretada como aceno de diálogo aos partidos, caso o impeachment seja deflagrado.

No evento da XP, Mourão disse que o Executivo errou ao não ter construído antes uma base aliada no Legislativo. “Temos de buscar uma coalizão programática. É óbvio que cargos, emendas e essas coisas fazem parte da negociação entre Executivo e Legislativo. Não adianta querer tapar o sol com a peneira”, sustentou.

Um senador influente, que participa das conversas de bastidores sobre o acirramento da crise política, disse que Mourão funciona como blindagem a Bolsonaro. “Mourão para o Centrão é risco, é mais fácil combinar o jogo com o rei morto, mas não posto”, resumiu. A máxima se aplica também aos presidenciáveis de 2022, como Sergio Moro e o governador João Doria (PSDB): melhor disputar com rei morto.

Valor Econômico