Eleitores de Bolsonaro se arrependem, mas odeiam o PT

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“Bom dia, comunistas”, brinca o empresário Ruy Giné, 34, que apertou 17 na última eleição e agora se diz arrependido de ter ajudado a eleger Jair Bolsonaro. A saudação irônica era destinada a outras pessoas que participavam com ele de uma conversa na última quarta-feira (6), por chamada de vídeo.

Todos ali romperam com o presidente. Sentem-se frustrados com a estagnação econômica, os incontáveis arroubos autoritários e, mais recentemente, o comportamento de Bolsonaro na crise do coronavírus e na demissão do ex-ministro Sergio Moro (Justiça).

A advogada carioca Mirella Souza, 35, viu o marido adoecer com o novo vírus, chegando a ficar internado com pneumonia. “Ele teve 50% dos pulmões atingido e o presidente fazendo pouco caso. É só uma gripezinha porque não teve ninguém da família dele doente. Quantos mortos vamos somar? A vida deveria vir em primeiro lugar.”

A autônoma Simone Leal, 23, de Duque de Caxias (RJ), também diz que seu juízo sobre Bolsonaro é afetado por uma experiência familiar, embora anterior à Covid-19. “Perdi minha avó por doença respiratória há um ano. Ele está agindo como se uma vida valesse menos que a outra, dizendo que uma pessoa de idade pode morrer, que não tem problema”, diz.

Os motivos dados pelo grupo para o voto em Bolsonaro há dois anos se repetem: antipatia pelo PT e os escândalos de corrupção.

“Votei pra ter uma outra solução, porque estávamos cansados da corrupção do PT. Era pra ver se essa alternativa daria certo”, diz Mirella. “Votei nele pela esperança de ter uma coisa diferente”, ecoa a musicista Talita Freitas, 32, de São Paulo.

Até o ano passado, diz ela, ainda havia a justificativa de que os erros se deviam pelo fato de ser início de governo. Agora, sua paciência acabou.

“Esse ano perdeu-se muito tempo por fofoquinhas. Ele está agindo como uma criança birrenta. Você não pode discordar de nada do que ele fala”, afirma Talita.

Já Simone afirma que foi atraída pelo discurso duro de Bolsonaro na área da segurança. “Ele dizia que bandido bom é bandido morto. Mas hoje em dia eu não penso mais assim”, ressalva.

Desempregado, Jonathan José, 25, morador do extremo sul de São Paulo, diz que sua maior crítica ao governo é na gestão da economia, que já vinha patinando mesmo antes da crise do coronavírus.

“Sou engenheiro mecânico e preciso que a indústria esteja a todo vapor. A gente esperava um crescimento da economia muito diferente do que teve em 2019 [quando o PIB subiu 1,1%]. A gente esperava um dólar muito menor”, afirma.

Para outros integrantes do grupo, a postura beligerante do presidente incomoda mais.

Mirella diz que Bolsonaro está “indo contra a democracia”. O presidente também teria cometido crime de responsabilidade quando “tentou tirar proveito próprio da Polícia Federal”.

Ruy incomoda-se com o que vê como “assassinato de reputações em massa”. “Se o governo trabalhasse no ritmo que assassina reputações, o Brasil já tinha sido 100% consertado”, diz.

Flávia diz que se sente incomodada com a interferência da família no governo. “É muito show na mídia social em vez de governar.”

Sintomaticamente, no entanto, dos 6 ex-bolsonaristas que conversaram com a Folha, 5 disseram que se veriam obrigados a votar novamente em Bolsonaro caso haja novo embate com o PT em 2022. E agregam o advérbio “infelizmente” ao dizer que fariam essa opção.

“Eu era 100% contrário ao Haddad e 99% contrário ao Bolsonaro. Hoje numa situação igual continuaria votando no Bolsonaro, infelizmente”, afirma Ruy.

Jonathan pensa de forma parecida. “Por mais que eu me arrependa de ter votado no Bolsonaro, eu nunca votaria em nenhum candidato da esquerda”.

Apenas Simone votaria nulo.

SUPER MORO

Na briga entre Moro e Bolsonaro, o grupo fica ao lado do ex-superministro.

O ex-juiz “sempre foi muito sério e nunca teve postura de infantilidade”, diz Talita. Mas isso, complementa, acabou se voltando contra o presidente. “Bolsonaro não imaginou que o Moro fosse uma pessoa tão séria a ponto de investigar os erros dele e dos filhos dele”, afirma.

Durante a Operação Lava Jato, que pôs atrás das grades empresários e políticos, Moro não foi partidário, defende Ruy. “Ele pediu demissão por ser correto.”

Jonathan é o único que faz ressalvas. “Quero todas as cartas em cima da mesa. Ainda não está tudo esclarecido.”

Mas o apoio não se traduz automaticamente em promessa de voto caso ele se candidate a presidente. “Não sei se votaria em Moro. Depois do Bolsonaro, eu preciso analisar muito melhor as minhas escolhas políticas”, afirma Simone.

Mirella afirma que votaria no ex-juiz a depender de quem sejam os demais candidatos. Talita é mais firme ao indicar apoio a Moro, mas está cética de que ele concorrerá. “Acho que ele não se candidata”, diz.

Bolsonaro não sabe lidar com críticas, diz o grupo. Eles discordam que Legislativo, Judiciário ou a imprensa estejam em uma cruzada para esvaziar o governo federal.

“É mania de perseguição. Ele perde tempo de governar com fofoquinha. Parece uma criança birrenta. Até meu filho de 3 anos é mais maduro”, diz Talita.

Flávia diz que os aliados do presidente querem que ele acumule todos os Poderes. “Eles querem tirar todo mundo e só ficar o Bolsonaro governando. Isso aí não é democracia, está indo contra a Constituição”.

Jonathan nota uma certa má vontade do Judiciário contra Bolsonaro e dá como exemplo a proibição de retirada de radares de estradas federais anunciada pelo presidente.

Ele também acha injusto culpar o presidente por manifestações que defendem pautas antidemocráticas. “Quando tem uma manifestação, vão milhares de pessoas. Aí algumas dessas pessoas levam placas para pedir intervenção militar. Querendo ou não, é a manifestação do povo”, afirma.

IMPEACHMENT

O grupo concorda que não é o melhor momento para começar um processo de impeachment, ainda mais durante uma pandemia.

Isso porque, diz Ruy, o processo levaria meses e travaria o Congresso. “É desumano. Os parlamentares precisam votar pautas relacionadas ao coronavírus.”

Jonathan tem dúvidas se o presidente cometeu crime de responsabilidade e fica ressabiado com a origem dos pedidos para tirar Bolsonaro da cadeira. “Olha quem está falando isso, Joice [Hasselmann] e Kim [Kataguiri].” Os dois eram bolsonaristas de primeira hora, mas migraram para a oposição.

Mirella se diz preocupada com o impacto internacional de um segundo impeachment. “Meu medo é nossa imagem, imagina, mais um presidente sofrendo impeachment. Acho que vai ser bem pesado isso pro Brasil”, diz.

Eles não descartam, porém, que um afastamento possa ocorrer após a pandemia, especialmente se a crise política se agravar.

A CORRIDA DE 2022

Antiesquerdistas, os eleitores descartam votar no PT ou aliados na eleição de 2022. Eles também não se entusiasmam com nomes colocados como possíveis candidaturas de centro, como o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o apresentador Luciano Huck.

Mirella é taxativa: “Não vejo nenhum dos dois como presidente”.

Jonathan votou no tucano para o governo do estado, mas agora “não votaria para nada”.

A decepção com Doria é pela falta de equilíbrio entre a quarentena e a volta da economia. “Uma loja de móveis, por exemplo, não gera aglomeração como um mercado, então poderia estar funcionando”, diz.

Para Talita, o tucano tem fingido ser bom moço. “Ele é um hipócrita. O próprio meme da Joelma, sabe? Não tem como confiar”, diz ela, em referência uma imagem nas redes sociais mostrando a cantora ao mesmo tempo triste e feliz.

Já Huck não é levado a sério pelo grupo. “O Huck eu não vou nem comentar”, diz ela. “Votar nele é loucura, loucura, loucura”, brinca Ruy com o bordão do programa.

Para Flávia, a candidatura do apresentador não é para valer. “Não gosto dele nem como apresentador. Para mim ele não tem a pegada de político. Acho até uma piada”, diz.

LISTA VERMELHA

Para os eleitores já virou rotina serem chamados de petista, inclusive por amigos, pelo fato de terem passado a criticar Bolsonaro.

“Tenho muitos amigos evangélicos que ainda apoiam o Bolsonaro. Temos algumas discussões até agressivas no Facebook, porque as pessoas não aceitam opiniões contrárias. Para eles, o Bolsonaro está certo e acabou”, diz Simone.

Flávia diz que “não adianta explicar em letras de forma, em colorido” que criticar Bolsonaro não transforma alguém em fã de Lula. “O eleitorado do Bolsonaro acha que quem não é favor dele é petista”, diz.

Ruy, que militou pelo impeachment de Dilma Rousseff e chegou a acampar em Brasília, diz que o jeito é encarar com bom humor. “Se eu critico o Bolsonaro eu sou comunista, se eu elogiar eles falam que eu sou comunista infiltrado”, diz.

OS EX-BOLSONARISTAS

Flávia Romani, 41, fisioterapeuta, Pinheiros, zona oeste da capital paulista

Jonathan José, 25, engenheiro, Balneário São Francisco, extremo zona sul de São Paulo

Mirella Souza, 35, advogada, Rio de Janeiro

Ruy Giné, 34, empresário, São Paulo

Simone Leal, 23, autônoma, Duque de Caxias, na região metropolitana do Rio

Talita Freitas, 32, investidora e musicista, Vila Mariana, zona sul de São Paulo