Empresários criticam pedido de Bolsonaro para pressionar governadores

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Acionistas das maiores empresas do Brasil são taxativos ao dizer que não é papel dos empresários pressionar governadores pela flexibilização do distanciamento social adotado para conter o coronavírus, como sugerido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na semana passada em reunião com membros da Fiesp.

O presidente disse que “é guerra” e que o setor empresarial precisa “jogar pesado” com os governadores. “Os senhores, com todo o respeito, têm que chamar o governador e jogar pesado. Jogar pesado, porque a questão é séria, é guerra”, disse Bolsonaro na ocasião.

O pedido do presidente, no entanto, não encontrou eco no setor. “Neste momento, não é guerra. É união”, diz a empresária Luiza Helena Trajano, do Magazine Luiza. “Não estou contra o governo federal, eu também estou divulgando medidas que são boas.”

O empresário Pedro Passos, cofundador da Natura e hoje copresidente do conselho de administração da empresa, diz que empresário não tem que pressionar governador.

“Essa é uma medida que tem ser tomada baseada na opinião de especialistas. Não faz muito sentido uma convocação para empresários pressionarem governadores. Ao contrário, os empresários deveriam estar apoiando.”

Para Horácio Lafer Piva, acionista e membro do conselho de administração da Klabin, o pedido de Bolsonaro é um absurdo. “É inacreditável ele pedir para os empresários pressionarem os governadores. Está lidando com gente séria, não um bando de criança.”

Lafer Piva diz ainda que não entende o pedido do presidente. “Ele parte do princípio de que governadores não sabem o que fazem e que, portanto, precisam de um puxão de orelha. Todos foram eleitos como ele foi. São gestores da máquina pública”, diz.

Segundo ele, os governadores estão se comportando bem. “Não só os que liberaram [o comércio] como os que seguraram também. Tudo o que existe de malfeito está vindo do governo federal.”

João Guilherme Sabino Ometto, um dos principais acionistas da usina São Martinho, diz que participou da reunião com Bolsonaro e que não sentiu necessidade de falar com o governador paulista. Ometto, no entanto, diz que João Doria (PSDB) deveria olhar cada cidade separadamente. “Sou do interior [de São Paulo], a gente vê cidade que não tem nenhum caso e está com tudo parado, tudo fechado. Acho que isso também não está certo. Essa regras gerais são muito perigosas. O estado de São Paulo é um país de 40 milhões de habitantes.”

Pedro Wongtschowski, acionista e presidente do conselho de administração da Ultrapar, discorda de Ometto. Ele diz que as medidas tomadas por Doria são adequadas, apropriadas e tecnicamente fundamentadas.

“Doria montou uma equipe de crise competente, com qualidade e quantidade de informações. As pessoas estão detalhando para preparação para uma retomada adequada.”

Para Passos, a manutenção ou não da quarentena tem que ser determinada pela capacidade hospitalar e infraestrutura de saúde.

“Essa é a prioridade. Ainda estamos na fase de crescimento da doença. A única saída é o isolamento para diminuir a curva. É o que funcionou na maior parte dos países do mundo”, defende.

Luiza Helena também usa como exemplo a experiência de outros países acometidos pelo surto de coronavírus. “Países que entraram no isolamento horizontal foram mais bem-sucedidos no pico da doença.”

Para ela, a falta de um esclarecimento adequado para a população acabou dividindo o país. “O inimigo não é o isolamento, é o vírus. O que se sabe até agora é que a proporção de contágio é muito alta. Se não fosse, não teria adiado Olimpíada ou fechado Nova York.”

A divisão de opiniões chama a atenção de Lafer Piva, da Klabin. “Está muito próximo entre os que acham que devem liberar e os que acham que devem segurar. Sou pró-vida e acho que vamos pagar um preço mais alto com vidas se a gente liberar de qualquer maneira.”

Segundo ele, no entanto, uma volta agora seria irresponsável. “Pequenos empresários do setor de serviços estão muito ansiosos pela volta. Está difícil captar dinheiro para as pequenas empresas.”

Ele diz que compreende o desespero dos pequenos empresários. “Obviamente venceram todo período de férias coletivas e estão começando a demitir. Mas é uma questão de convicção. Quando você mantém um isolamento, está cuidando de você e do outro. E o ente público tem que olhar floresta inteira, não os interesses individuais”, diz.

Luiza Helena afirma estar em contato com o governo na tentativa de minimizar essas perdas econômicas. “Em primeiro lugar é saúde. Eu estou lutando muito e o governo fez medidas muito boas. Elas podem não estar chegando até os pequenos empresários, mas sei que o governo tem se esforçado para acabar com esse problema”.

João Ometto, da São Martinho, segue a mesma linha de raciocínio. “A gente tem que prezar pela vida das pessoas. A vida acaba, mas a economia dá para a gente ir acertando depois.”​

KLABIN
Considerada a maior produtora e exportadora de papéis para embalagens do Brasil, teve um faturamento de R$ 10,24 bilhões em 2019. A Klabin tem 121 anos de história, 19 unidades fabris, uma delas na Argentina, e 19 mil funcionários.

MAGAZINE LUIZA
Rede varejista de eletrônicos e móveis, fundada em 1957 na cidade de Franca, interior de São Paulo. É um dos líderes do setor varejista nacional. O faturamento em 2019 foi de R$ 27 bilhões. A empresa tem 35 mil funcionários e mais de mil lojas.

NATURA
Fundada em 1969, a Natura é uma multinacional brasileira do setor de cosméticos e cuidados pessoais, líder em venda direta. O grupo da empresa também é dono das marcas Avon, The Body Shop e Aesop, e é o quarto maior do mundo dedicado exclusivamente ao segmento de beleza. A receita bruta anual combinada é de mais de US$ 10 bilhões (R$ 57 bilhões) Conta com mais de 40 mil colaboradores e associados e presença global em mais de 100 países.

SÃO MARTINHO
O Grupo São Martinho foi fundado em 1949 e é composto de quatro usinas com 12 mil funcionários e faturamento de R$ 314 milhões em 2019. É considerado um dos maiores processadores de cana-de-açúcar do mundo, com a moagem de 24 milhões de toneladas por ano. Atua com produtos como açúcar, etanol e energia elétrica.

ULTRA
Com mais de 80 anos de história, o Ultra é um dos principais grupos empresariais do país. A empresa é dona das marcas Ipiranga, no setor de combustíveis, Ultragaz, no segmento de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), Extrafarma, no varejo farmacêutico, Oxiteno, indústria de especialidades químicas, e Ultracargo, de armazenagem de granéis líquidos. O grupo conta com 17 mil funcionários e teve um faturamento de R$ 24 bilhões em 2019.

Folha de SP