Exames de Bolsonaro seguem despertando suspeitas

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Foto: Reprodução

Depois de dois meses, o brasileiro obteve enfim acesso aos laudos dos exames atribuídos ao presidente Jair Bolsonaro para detectar o novo coronavírus. Dois deles foram realizados pelo Laboratório Sabin; o terceiro, pela Fundacão Oswaldo Cruz (Fiocruz). Os laudos foram emitidos entre os dias 12 e 19 de março, logo depois que Bolsonaro voltou dos Estados Unidos e vários integrantes de sua comitiva foram diagnosticados com Covid-19.

Os documentos com os exames, enviados pela Advocacia Geral da União (AGU), foram suficientes para que o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), desse ontem por encerrada a ação movida pelo jornal O Estado de S.Paulo para obter acesso às informações. A divulgação dos três resultados negativos, contudo, não encerra a questão.

Juristas criticam duas características da documentação. Primeiro, o uso de pseudônimos para identificar Bolsonaro. Embora o Airton e o Rafael nos laudos do Sabin estejam associados ao CPF do presidente, a validade jurídica do documento é discutível. “A associação do CPF e RG a outro nome pode configurar falsidade ideológica”, diz um advogado. O laudo da Fiocruz é ainda mais estranho. Bolsonaro é identificado apenas como “Paciente 05”, identidade que poderia ser de qualquer um.

O expediente é justificado na documentação apresentada pela AGU como necessário para preservar a segurança e a imagem do presidente. É aí que entra o segundo objeto da crítica dos juristas, na verdade uma lacuna. Faltam, na documentação, a descrição detalhada de como foi aplicado o teste e a identificação dos responsáveis pela coleta e transporte das amostras. A única garantia de que sejam mesmo de Bolsonaro é a fé pública do coordenador de saúde da Presidência.

É difícil, depois da decisão de Lewandowski, que o caso gere ainda mais embate na Justiça. Permanece, ainda assim, a questão que intriga os brasileiros desde que a Fox News informou que Bolsonaro testara positivo e se retratou no mesmo dia, atribuindo a informação errada ao deputado Eduardo Bolsonaro. Por que não divulgar logo os laudos, se é essa a praxe? Por que demorar até receber ordem da mais alta Corte do país para dirimir uma dúvida tão trivial?

A questão é ainda mais intrigante porque, do ponto de vista científico, tanto os testes realizados pelo Laboratório Sabin quanto os aplicados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) estão entre os mais confiáveis no mercado. Ambos detectam a presença do vírus por uma tecnologia conhecida como “transcrição reversa seguida da reação em cadeia da enzima polimerase” (RT-PCR), que multiplica o material genético da amostra para identificá-lo.

Os exames RT-PCR são usados para detectar o vírus enquanto ele ainda está ativo, pois confirmam a presença do próprio RNA viral no organismo. São distintos dos testes de anticorpos, que detectam imunidade para a doença. Supondo que as amostras sejam mesmo de Bolsonaro, qual a chance de ele ter contraído o vírus e testado negativo?

O indicador que mede a capacidade de um exame detectar os casos negativos de uma doença é chamado “especificidade”. Ele se distingue de outro indicador, que mede a capacidade de detectar os casos positivos, a “sensibilidade”. Para um diagnóstico correto, ambos são essenciais. Para um teste negativo, a especificidade é o que importa.

O Laboratório Sabin informa em seu site que usa o teste da “plataforma automatizada Roche”. Chamado “Cobas Sars-CoV-2”, esse teste obteve 100% de especificidade e sensibilidade na avaliação realizada por pesquisadores da Fiocruz publicado no Brazilian Journal of Infectious Diseases. Apenas um outro, entre 16 testes, apresentou o mesmo desempenho. Noutra pesquisa, publicada no Journal of Clinical Microbiology, a sensibilidade do teste da Roche foi de 95%, e a especificidade, de 99%.

O teste da Fiocruz, desenvolvido pelo Instituto de Tecnologia em Imunológicos Bio-Manguinhos, não fica atrás. Na avaliação do Conselho Regional de Biomedicina da 3ª Região, responsável pelo Centro-Oeste, apresenta sensibilidade superior a 95% – e especificidade de 100%.

A chance de o teste ter dado um resultado errado é, portanto, ínfima. Os profissionais que assinam os laudos garantem, com base na melhor tecnologia disponível, que a pessoa que forneceu as amostras não tinha Covid-19. Se essa pessoa é mesmo Bolsonaro, é uma dúvida que provavelmente jamais poderemos esclarecer com certeza. Sobretudo pela atitude inexplicável de se recusar a apresentar os laudos durante dois meses – e só aceitar sob ordem do STF.

G1