Fujam da Suécia durante a pandemia

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Foto: News Agency/Henrik Montgomery/Reuters

Para justificar sua aversão ao isolamento social no combate à Covid-19 e sua ansiedade pelo retorno da atividade econômica no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro tirou do bolso na semana passada um reino nórdico como exemplo a ser seguido. “Pronto! A Suécia não fechou!”, disse a apoiadores e jornalistas no portão do Palácio do Alvorada. O modelo agora favorito do líder brasileiro tomou como base a adoção de quarentenas leves e flexíveis com o objetivo de proporcionar a imunização mais abrangente possível da população em curto prazo. Contrária ao consenso internacional e rejeitada por especialistas em saúde pública até mesmo em terreno sueco, os resultados dessa lógica somente poderão ser avaliados quando a pandemia se arrefecer no mundo todo.

Até o momento, porém, os sinais emitidos de Estocolmo não se mostram vantajosos. Nesta segunda-feira, 22, o país contabiliza 33.459 casos de infecção pelo coronavírus e 3.998 mortes. Os óbitos aumentaram cerca de 30% em comparação com esta mesma época de últimos anos – mesmo patamar atingido pelos Estados Unidos, o epicentro mundial da pandemia, e muito superior ao de seus vizinhos na Escandinávia.

Para a cientista política Marta Arretche, professora da Universidade de São Paulo (USP), “a Suécia está contrariando a sua trajetória ao longo do século XX e apresentando um dos piores desempenhos da Europa” com sua resposta ao coronavírus. “O país está se tornando justamente o exemplo a não ser seguido”, avalia.

Distantes mais de 10.000 quilômetros, com o Atlântico no meio, Brasil e Suécia guardam tantas diferenças entre si que a singela ideia de Bolsonaro de seguir o exemplo de Estocolmo assume o tom de maliciosa galhofa. Economia desenvolvida, o reino nórdico tem uma das densidades demográficas mais baixas do mundo, faz fronteiras apenas com nações que também mantêm níveis baixos de concentração populacional e não possui grandes focos de turismo ou empreendedorismo internacional, como Nova York ou Londres.

Por suas características únicas, é muito difícil traçar paralelos com as demais nações atingidas pelo coronavírus, além dos próprios países nórdicos. A comparação se torna esdrúxula quando feita com o Brasil, em 79º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e com 21% da população abaixo da linha da pobreza. O exemplo do presidente brasileiro está entre os primeiros do ranking de IDH, na oitava posição, e registra apenas 1% de seus habitantes em condições de miséria.

“A Suécia está no pólo oposto. Há enormes diferenças do ponto de vista econômico, social, demográfico, institucional e de trajetória política”, diz Marta Arretche. “É um Estado pequeno, governado por uma democracia parlamentarista em um sistema unicameral”.

Segundo a cientista política, o país nórdico foi governado a maior parte do seu período democrático por partidos social-democratas e de esquerda. “Diferentemente do Brasil, que não só não teve períodos democráticos ao longo do século 20, como apenas no século 21 teve uma experiência com partidos de esquerda no poder, sob condições extremamente diferentes”, diz.

“Por problemas de financiamento, o Sistema Único de Saúde brasileiro também está muito aquém do modelo nórdico”, afirma Arretche, que explica que o modelo brasileiro de saúde pública tem como uma de suas inspirações a Suécia, mas ainda está longe de alcançar o patamar do país nórdico.

Os suecos figuram em terceiro lugar na lista dos melhores sistemas de saúde pública do mundo elaborada pela fundação americana Commonwealth Fund. Enquanto estados como Rio de Janeiro, Pernambuco, Amazonas e São Paulo estão próximos do colapso, com mais de 90% dos leitos de UTI ocupados por vítimas da Covid-19, o governo nórdico conseguiu expandir sua oferta de respiradores artificiais e tem 30% dos leitos de tratamento intensivo ainda vagos.

Comandada pelo primeiro-ministro social-democrata Stefan Löfven, a Suécia segue o que está sendo chamado de semi-lockdown, confiando que as pessoas farão sua parte e respeitarão o isolamento quando for necessário. O Ministério da Saúde recomenda aos suecos com mais de 70 anos e aos que apresentam sintomas da Covid-19 que fiquem em casa.

O trabalho está liberado, assim como as escolas primárias e de ensino fundamental, restaurantes, academias de ginástica, bares e até alguns cinemas permanecem abertos o país. O governo também não aconselha o uso de máscaras.

O Ministério também ditou a distância de dois metros entre as pessoas e a proibição a reuniões com mais de 50 participantes. Diferentemente de outros países, o respeito a essas regras não tem sido monitorado pelo Estado com rigor, que não adotou multas nem outras punições aos infratores.

Apesar da desobrigação em cumprir uma quarentena estrita, um terço da população está em trabalho remoto desde o início da pandemia, e a presença de comensais em restaurantes caiu 70% em abril. Estatísticas mostraram ainda queda no uso do transporte público e de cartões de crédito, embora menor do que em outros locais sob bloqueio, em um sinal evidente de que os suecos estão se precavendo diante da política negligente do primeiro-ministro.

A Suécia, de fato, escapou das calamidades vividas na Itália, Espanha e Reino Unido. Mas ainda paga um preço alto por suas escolhas. Além de acumular mais do que triplo do número de casos de seus vizinhos escandinavos, o país ainda registrou o mais alto número de mortos per capita do mundo, 6,08 para cada 1 milhão de habitantes entre 13 e 20 de maio.

“A Suécia tem tido na trajetória da pandemia um desempenho sofrível quando comparada a outros países europeus”, diz xxx. “Não só a comparação com o Brasil é indevida, como não cabe citar a Suécia como um exemplo a ser seguido”.

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