Globo aponta ao STF culpados por atos golpista

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Foto: EVARISTO SA / AFP

Reportagem publicada pelo jornal O Globo neste domingo revela ao STF os autores por trás dos atos antidemocráticos que o Tribunal está investigando a pedido da Procuradoria Geral da República. Confira

Ao menos dez militantes bolsonaristas, vários deles integrantes de movimentos criados após a eleição do presidente Jair Bolsonaro, têm participado da articulação de atos com pautas antidemocráticas em Brasília desde abril. Os manifestantes protagonizaram ataques ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal (STF), em carreatas e acampamentos na Esplanada dos Ministérios, e também foram associados a agressões a jornalistas e profissionais de saúde no início de maio. As manifestações tiveram a adesão de parlamentares que formam a base do governo na Câmara. Além da participação nos atos, pelo menos sete aliados do presidente também divulgaram o movimento em redes sociais.

Os apoiadores de Bolsonaro têm manifestado intenção de manter vigília na Esplanada exigindo a renúncia do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A ação foi divulgada pela Organização Nacional dos Movimentos (ONM), criada em meados do ano passado. Um dos responsáveis pela convocação do chamado “Acampamento Patriota” foi Renan da Silva Sena.

Sena atuava como funcionário terceirizado do Ministério da Mulher e dos Direitos Humanos até a última segunda-feira, quando foi exonerado. No fim de abril, ele gravou vídeos de divulgação do acampamento ao lado da empresária Marluce Carvalho, de Palmas (TO). Sena e Marluce foram citados em boletins de ocorrência como agressores de um grupo de enfermeiros que se manifestavam, no Dia do Trabalho, perto do local de concentração dos militantes bolsonarista.

Outro grupo que chegou a montar barracas na Esplanada foi o “300 pelo Brasil”, criado em abril pela ativista Sara Winter. Ela chegou a ser coordenadora de Atenção Integral à Gestante na pasta da Mulher, Família e Direitos Humanos, de Damares Alves.

Um dos integrantes do acampamento liderado por Winter, o microempresário baiano Sidney Espinheira foi fotografado por Dida Sampaio, do jornal “O Estado de S. Paulo”, gritando na direção do profissional momentos antes dele ser derrubado e agredido, no ato do último domingo. Espinheira negou a agressão. Winter alegou, em vídeo, que o colega estava sendo alvo de difamação por sua militância a favor de Bolsonaro.

Entre os apoiadores e organizadores das carreata, acampamentos e manifestações que atacam o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional estão parlamentares, um ministro de Estado e militares reformados. Todos se declaram apoiadores do presidente Jair Bolsonaro

No último dia 20, o STF autorizou abertura de inquérito pela Procuradoria-Geral da República (PGR) para investigar a organização das manifestações em Brasília, por conta de bandeiras antidemocráticas. A abertura do inquérito, embora não tenha citado o presidente, foi autorizada pela Corte após a participação de Bolsonaro em manifestação pelo fechamento do Congresso, em frente ao QG do Exército na capital federal, no dia 19. Mesmo na mira da PGR, atos com as mesmas bandeiras antidemocráticas organizados nas semanas seguintes receberam o apoio de aliados de Bolsonaro, incluindo o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni. No último domingo, Onyx circulou entre manifestantes. Na véspera, gravou vídeos com organizadores do “300 do Brasil”. Procurado pelo GLOBO, Onyx não retornou o contato.

A investigação mira, além de lideranças dos movimentos de rua, deputados bolsonaristas que participaram dos atos, como Cabo Junio Amaral (PSL-MG) e Daniel Silveira (PSL-RJ). Sem máscara, descumprindo também recomendações de isolamento social, Silveira circulou entre manifestantes e posou com uma faixa com a inscrição “Fora, Maia!”.

Amaral, outro a circular sem máscara em manifestações, disse que os atos têm “pautas diversas” e que nenhum deputado se associou a bandeiras antidemocráticas.

— Não vi nenhum deputado bolsonarista falar sobre AI-5, intervenção militar, nem utilizar armas. Isso caracterizaria crime. As manifestações demonstram, pelo que percebo, insatisfação com o ativismo judicial e com velhas práticas na Câmara, como a nomeação de cargos para votar o que o Executivo propõe — avaliou.

Endossar manifestações antidemocráticas, no entanto, podem resultar numa acusação de crime contra a segurança nacional, segundo Eloísa Machado, professora de Direito Constitucional da FGV de São Paulo. Segundo ela, deputados e manifestantes nessa situação podem ser enquadrados, principalmente, nos artigos 16, sobre integrar grupos que tenham por objetivo a mudança do regime vigente por meios violentos ou de ameaça, e 18, que se refere à tentativa de impedir o livre exercício de qualquer um dos Poderes da União.

Machado, no entanto, faz ressalvas à constitucionalidade da lei, que foi criada no período da ditadura militar.

— A Lei de Segurança Nacional traz tipos abertos que podem criminalizar qualquer crítica aos Poderes, o que não é aceito pela Constituição. É típico entulho autoritário da ditadura, e não deixa de ser irônico que seja usada contra pessoas que pregam justamente a volta da ditadura — diz ela.

Para o professor da USP Daniel Falcão, especialista em Direito Constitucional, as manifestações também podem ser enquadradas em crime contra a segurança nacional. Segundo Falcão, dizer que “o Congresso e o STF” atrapalham o governo Bolsonaro é ser antidemocrático.

— Não existe atrapalhar, existe um Poder controlando o outro. Então o Judiciário, caso provocado, pode decidir dizendo que atos do Executivo são contra a Lei, e o Legislativo também pode derrubar atos do Executivo caso entenda que são inconstitucionais. E o Executivo também faz esse controle. O presidente pode vetar projetos vindos do Congresso. Isso é democracia — afirma o professor.

Entre os articuladores dos atos em Brasília também estão militantes que se identificam como egressos das Forças Armadas, como Paulo Felipe, líder do movimento “Soldados do Brasil”, que defende abertamente uma intervenção militar no país. O capitão da reserva da Marinha Winston Lima, conhecido por ter um canal no YouTube em que registra as interações diárias de Bolsonaro na porta do Palácio da Alvorada, também têm articulado carreatas semanais desde abril e discursou em um dos carros de som no ato do último domingo.

A organização dos atos antidemocráticos também contou com entusiastas da criação do partido Aliança pelo Brasil, como o psicólogo mineiro Wagner Cunha. Líder do Movimento Direita Conservadora, lançado no fim de 2019, Cunha defende o uso das Forças Armadas para destituir ministros do STF. No último domingo, seu discurso foi acompanhado em um dos carros de som por Cibelle Rodovalho, prima do bispo Robson Rodovalho, líder da denominação evangélica Sara Nossa Terra. Outro apoiador do Aliança nos atos antidemocráticos foi Marcelo Stachin, que chegou a recolher fichas do partido em um acampamento na Esplanada dos Ministérios.

Filiado ao PSL em Sinop, em Mato Grosso, Stachin foi um dos participantes no fim do ano passado da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC) em Brasília, evento organizado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) nas instalações do Congresso. Eduardo participou dos atos do último domingo na rampa do Palácio do Planalto, ao lado do pai, o presidente Jair Bolsonaro, e de outros deputados, como Hélio Lopes (PSL-RJ), Bia Kicis (PSL-DF) e Caroline de Toni (PSL-SC).

O Globo