Livro conta origem de capitão “expulso” que virou presidente

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Foto: Gabriela Biló / Estadão Conteúdo

Não é trivial entender o que se passa pela cabeça do presidente Jair Bolsonaro e quais os métodos do seu governo —se é que eles existem.

O jornalismo profissional se faz ainda mais essencial diante do desafio de compreender um poder marcado por tamanha instabilidade e pelos flertes com autoritarismo.

No momento em que este governo completa 500 dias, os livros também podem ajudar muito nessa busca. Ainda não foi lançada uma boa biografia do presidente, mas o mercado editorial tem obras que iluminam diferentes aspectos da sua trajetória, apresentam os homens e as doutrinas que o influenciaram e mostram como ele juntou forças para chegar ao Planalto.

“ERNESTO GEISEL”

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Lançado em 1997. Organizadores: Maria Celina d´Araujo e Celso Castro. Ed. da Fundação Getulio Vargas. Fora de catálogo (pode ser encontrado em sebos online por cerca de R$ 45). 494 págs.

É um registro histórico valioso, composto por uma série de entrevistas realizadas entre 1993 e 1994 com o general que comandou o país de 1974 a 1979.

Ao abordar as relações entre a caserna e a política, Geisel lembra um deputado federal eleito pelo Rio e em primeiro mandato: “Presentemente, o que há de militares no Congresso? Não contemos o Bolsonaro porque o Bolsonaro é um caso completamente fora do normal, inclusive um mau militar”.

As menções de Geisel a Bolsonaro se resumem a duas páginas, mas o efeito simbólico das declarações do general é espantoso.

“FORÇAS ARMADAS E POLÍTICA NO BRASIL”

Lançado em 2005 e relançado em 2019. Autor: José Murilo de Carvalho. Ed. Todavia. R$ 65 (ebook: R$ 40). 320 págs.

Publicado originalmente em 2005, o livro ganhou uma nova edição no ano passado, com textos inéditos sobre a relação entre militares e civis nos últimos anos. A obra alcança os primeiros meses do governo Bolsonaro.

O historiador mostra, por exemplo, que a preocupação de militares com supostas ameaças comunistas tem se consolidado há mais de 90 anos no Brasil. O ódio do presidente e de seus ministros oriundos das Forças Armadas ao comunismo —ou ao que eles entendem como tal— é um sentimento amplamente cultivado nos quartéis.

“1964 – HISTÓRIA DO REGIME MILITAR BRASILEIRO”

Lançado em 2014. Autor: Marcos Napolitano. Ed. Contexto. R$ 52 (ebook: R$ 25). 368 págs.

Um dos melhores livros em catálogo sobre a ditadura que se estendeu de 1964 a 1985.

Os métodos da repressão são apresentados com nitidez no capítulo “O Martelo de Matar Moscas”. Um dos nomes centrais desse trecho é Emílio Garrastazu Médici, o mais cultuado por Bolsonaro entre os presidentes-generais do período.

Embora não haja referência direta a Bolsonaro, a obra elucida doutrinas da época que foram assimiladas pelo atual presidente.

“O CADETE E O CAPITÃO”

Lançado em 2019. Autor: Luiz Maklouf Carvalho. Ed. Todavia. R$ 54,90 (ebook: R$ 33). 256 págs.

Em 1987, a revista Veja revelou que um jovem oficial do Exército chamado Jair Bolsonaro havia preparado um plano para explodir bombas em locais estratégicos do Rio.

Ao reconstituir os anos de formação militar de Bolsonaro, o livro-reportagem de Maklouf revela o que motivou esse temperamento indisciplinado. A melhor parte, porém, vem em seguida, é o passo a passo do processo a que o capitão foi submetido no Superior Tribunal Militar, que o inocentou. Com base em documentos, o repórter esmiúça a sucessão de falhas do julgamento.

Passados alguns meses da absolvição, Bolsonaro deixou a farda e ingressou na vida política.

“SOBRE O AUTORITARISMO BRASILEIRO”

Lançado em 2019. Autora: Lilian Moritz Schwarcz. Ed. Companhia das Letras. R$ 50 (ebook: R$ 35). 280 págs.

Embora não haja no livro menção direta ao presidente, a historiadora e antropóloga discorre, do primeiro ao último capítulo, sobre marcas da sociedade brasileira que permitiram a chegada de Bolsonaro ao poder. Características exploradas pela autora, como o mandonismo e a intolerância, também nos ajudam a entender o modo bolsonarista de governar.

“A razão binária produz um sentimento beligerante de contraposição, que gera desconfiança diante de tudo que não faça parte da nossa própria comunidade moral”, ela escreve.

“DEMOCRACIA EM RISCO?”

Autores: Angela de Castro Gomes, Celso Rocha de Barros, José Arthur Giannotti, Boris Fausto, Heloisa Starling, Esther Solano, Matias Spektor e outros. Ed. Companhia das Letras. R$ 49 (versão digital: R$ 30). 328 págs.

Reunião de 22 ensaios em que historiadores, cientistas políticos, advogados e economistas expõem diferentes visões sobre o que representa o êxito bolsonarista.

O antropólogo Ronaldo de Almeida mostra como Bolsonaro soube conquistar grande parte do eleitorado evangélico explorando questões morais.

Ao cultivar a política como guerra, em conflito permanente com variados setores da sociedade, escreve a socióloga Angela Alonso, colunista da Folha, o presidente “tocou fundo uma corda da alma nacional”.

“TORMENTA”

Lançado em 2020. Autora: Thaís Oyama. Ed. Companhia das Letras. R$ 41 (ebook R$ 30). 272 págs.

O livro-reportagem sobre os bastidores do primeiro ano do mandato de Bolsonaro tem algumas informações que, à luz de hoje, soam envelhecidas. Conta, por exemplo, que o presidente cogitou demitir o então ministro da Justiça, Sergio Moro, em agosto de 2019.

Como se sabe, Moro pediu demissão no final de abril, três meses após o lançamento de “Tormenta”. São os riscos de um livro lançado enquanto ainda corre o jogo.

Mas a obra merece leitura por outra razão, a clareza com que Oyama descreve as paranoias de Bolsonaro. A jornalista mostra um homem público muito desconfiado, que cultiva suspeitas, inclusive, em relação àqueles que o cercam.

“Jair Bolsonaro tem raciocínio binário, dizem conhecidos de longa data”, ela escreve. “Quem não é seu amigo é seu inimigo. E enquanto os amigos de verdade são poucos, os inimigos estão em toda a parte.”

O trecho, como se vê, dialoga com o que Lilian Schwarcz ressaltou no seu “Sobre o Autoritarismo Brasileiro”.

Folha