Megarrodízio em SP é “chute”

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Foto: Paulos Lopes/BW Press/ Estadão Conteúdo

O rodízio retomado ontem na cidade de São Paulo, impondo mais restrições à circulação de veículos, é alvo de críticas de especialistas em trânsito e mobilidade urbana, os quais questionam sua eficácia no combate ao coronavírus – e até sua legalidade.

Ao mesmo tempo, já tramitam ações judiciais solicitando a suspensão da medida, pelos mesmos motivos. Ontem, o administrador de um tabelionato de notas da capital obteve mandado de segurança, concedido pelo Tribunal de Justiça paulista, para liberar seu carro do rodízio.

As novas regras extraordinárias, anunciadas na quinta-feira passada pelo prefeito Bruno Covas (PSDB) e detalhadas em decreto publicado no mesmo dia, ampliam o rodízio para todo o território do município.

Também proíbem a circulação de veículos na cidade durante 24 horas dia sim, dia não, inclusive nos fins de semana.

Em comum, os especialistas consultados por UOL Carros destacam que a Prefeitura de São Paulo até agora não apresentou nenhum estudo científico para balizar o “super-rodízio”, que não tem data para terminar. A meta é reduzir em 50% a circulação de automóveis na cidade.

“A Prefeitura quer combater os congestionamentos ou a mobilidade? A intenção do rodízio ampliado é manter o máximo número de pessoas em casa. Mas o resultado é catastrófico. Expulsaram as pessoas dos carros e colocaram no transporte coletivo, onde o risco de contágio é muitas vezes maior”, critica Sergio Ejzenberg, engenheiro especialista em trânsito que foi colaborador da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) durante 13 anos.

Somente no primeiro dia do “super-rodízio”, de acordo com o engenheiro, houve um aumento de pelo menos 600 mil pessoas circulando no transporte coletivo em horários de pico. “São pessoas que não estavam expostas ao contágio”.

O novo rodízio, bem como os bloqueios de vias, não têm “nenhum embasamento”, critica.

Para Ejzenberg, que defende a suspensão imediata da medida, o problema é agravado com a redução na frota de ônibus, trens e metrô. Com menos veículos disponíveis, pontua, o espaço disponível aos passageiros é reduzido, sobretudo nos horários de pico, obrigando-os a ficar mais próximos do que recomendam as autoridades de saúde.

“Não poderiam reduzir a frota, a menos que todos ficassem em casa”, diz o especialista.

Segundo ele, antes a pandemia a densidade no transporte coletivo superava o índice de oito passageiros por metro quadrado nos horários de pico, o que já superava em pelo menos 14 vezes o preconizado pelos epidemiologistas.

“Agora, cada passageiro precisa de quase dois metros quadrados de área exclusiva. Assim, para manter espaçamento seguro entre passageiros, precisaríamos aumentar 14 vezes a frota, o que é impossível”, explica.

Sergio Ejzenberg complementa dizendo que, para uma operação segura do transporte coletivo, com a frota disponível atualmente, seria necessário que 93% da população ficasse em casa.

“Durante entrevista à ‘CNN’, o secretário Edson Caram [da Secretaria de Mobilidade e Transportes] disse que, se colocasse toda a frota na rua hoje, isso custaria R$ 90 milhões por dia. Não colocara toda a frota para rodar, portanto, é uma decisão de economia. Qual a ética dessa decisão? A primeira coisa a se considerar é a vida das pessoas”.

Procurada pela reportagem, a Prefeitura, por meio da SPTrans (São Paulo Transporte), informa que ontem a cidade operou com 53% de sua frota e 31% dos passageiros transportados antes da quarentena.

Além disso, afirma a gestão municipal, foram acrescidos mais mil ônibus e 600 foram alocados em bolsões de apoio, chegando à marca de 65,5% da frota em operação.

Hoje, a frota operacional de ônibus em São Paulo é de cerca de 12,8 mil veículos, que realizam 9 milhões de embarques de passageiros por dia útil, em média.

Em relação aos congestionamentos, a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) afirma que, até as 15h de ontem, o novo rodízio reduziu “bastante” os índices de congestionamento e de lentidão.

A Prefeitura, no entanto, não se manifestou em relação à crítica quanto à eficácia do rodízio ampliado nem apresentou qualquer estudo científico para justificar a decisão.

O Ministério Público de São Paulo, inclusive, requereu esses dados e diz que os mesmos não foram apresentados até ontem, quando terminou o prazo concedido à administração do município.

Também ontem, o MPSP apresentou parecer favorável para ação popular que tramita na 4ª Vara da Fazenda Pública, ajuizada pelo vereador Fernando Holiday (Patriota), solicitando que o rodízio estendido deixe de valer no município, por considerá-lo ilegal.

A decisão em caráter liminar da juíza Celina Kiyomi Toyoshima ainda não foi proferida.

Julyver Modesto, mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, além de atuar como consultor e professor de legislação de trânsito, também considera ilegal o decreto de Bruno Covas que instituiu o “super-rodízio”.

“Limitar circulação em via pública não é competência do prefeito e sim da União. As prefeituras podem até regulamentar o trânsito nos respectivos municípios, mas não por lei nem decreto”, pontua o especialista, que também é membro do Cetran-SP (Conselho Estadual de Trânsito do Estado de São Paulo).

O rodízio “antigo”, restrito a um dia útil por semana durante dois períodos de três horas cada, apenas no centro expandido, é respaldado por uma lei municipal de 1997.

Além disso, afirma Modesto, outra ilegalidade está relacionada à sinalização do novo rodízio.

“A proibição à circulação não pode ser feita por decreto simplesmente. Tem de haver sinalização regulamentada, pois os motoristas, especialmente os que vêm de fora da cidade, não têm a obrigação de conhecer o novo decreto”, afirma.

A placa, do tipo R10, já existe na entrada do centro expandido, em vias como a Radial Leste, na altura da Avenida Salim Farah Maluf, informando sobre o rodízio e o horário de sua aplicação – que, anteriormente, era das 7h às 10h e das 17h às 20h.

Modesto destaca que atualmente essas placas estão desatualizadas, pois o horário foi ampliado para 24 horas, nos dias de rodízio. Também não existe a sinalização fora do centro expandido.

Segundo ele, uma solução teria sido manter o rodízio restrito ao centro expandido e atualizar o horário das placas já instaladas.

Vale ressaltar que a prefeitura instalou sinalização luminosa informando que, agora, veículos com placa de final par podem rodar apenas em dias pares e carros com placa de final ímpar, somente em dias ímpares. Porém, essa placa não é a regulamentada.

Quanto ao objetivo das restrições, que é conter a disseminação do coronavírus, Julyver Modesto diz que ainda é cedo para avaliar. Mas adianta que, se efetivamente reduzir a circulação em 50%, ele é favorável.

“Só teremos uma resposta para a eficácia das medidas mais restritivas quando tivermos dados quantitativos e qualitativos comparando o contágio antes e depois dela. Ninguém sabe se vai conter o coronavírus. Se existe um estudo fundamentando a decisão, ninguém sabe. Não foi apresentado”.

Por sua vez, José Aurelio Ramalho, diretor-presidente do Observatório Nacional de Segurança Viária, concorda que é difícil, senão impossível, aferir hoje a eficiência do rodízio estendido para conter a pandemia.

No entanto, cobra mais “coerência” da Prefeitura e do Governo de São Paulo.

“Quando o João Doria era prefeito, aumentou o limite de velocidade nas marginais para cumprir uma promessa de campanha, mesmo indo contra estudos comprovando a redução na mortalidade e nos acidentes com a velocidade menor”, avalia.

“Agora, depois de ignorar dados técnicos, que depois foram comprovados com o aumento na quantidade de mortes, o governador diz que segue orientações científicas para tirar as pessoas das ruas”.

Uol