Ministros do STF consideram inconstitucional MP da blindagem

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Reprodução/O Globo

Ao menos dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) consideram inconstitucional a medida provisória que flexibiliza a punição de agentes públicos por atos administrativos assinados durante a pandemia. A medida, editada pelo presidente Jair Bolsonaro nesta quinta-feira, estabelece que os agentes públicos só poderão responder na Justiça por ilegalidade nos atos se ficar comprovada intenção de fraudar e erro muito relevante.

— É manifestamente inconstitucional. É uma medida de “graça”, assim como no indulto de Natal. Uma carta de alforria para praticar ilegalidades. Parece carta branca para delinquir — disse um ministro ao GLOBO, em caráter reservado.

O mesmo ministro ponderou que, durante a pandemia do coronavírus, já vieram a público casos de venda superfaturada de equipamentos de saúde. Com a medida provisória em vigor, esse tipo de situação poderia ficar impune. Outro ministro ouvido também em caráter reservado ponderou que, apesar de não ter lido o teor da MP, considerou “estranho” o governo se antecipar para livrar eventuais casos de corrupção.

Segundo a MP, a proteção a agentes públicos vale para responsabilizações referentes a medidas adotadas, direta ou indiretamente, no enfrentamento da emergência sanitária e no combate aos efeitos econômicos decorrentes da Covid-19. De a acordo com a norma, pode ser punidos apenas “erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia”.

Partidos de oposição já se bobilizam para tentar derrubar a medida. O PSB e o PSOL enviaram ofício ao presidente do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para que a MP seja devolvida ao governo. Além disso, Cidadania, Rede e PSOL anunciaram que irão ao Supremo Tribunal Federal (STF) para anular a vigência da medida, considerada inconstitucional pelas siglas.

O assessor de um outro ministro afirma que, no tribunal, está clara a predisposição da Corte em dar segurança jurídica a agentes públicos durante a pandemia, para que possam ser adquiridos equipamentos de necessidade emergencial para a saúde sem entraves burocráticos. No entanto, os limites legais não poderiam ser deixados de lado de forma generalizada.

Lucieni Pereira, presidente da AUD-TCU, associação que reúne auditores do Tribunal de Contas da União (TCU), vê com preocupação a medida provisória (MP). Segundo ela, há uma inversão de papéis, com o órgão fiscalizado, no caso o Poder Executivo, ditando como deverá ser a fiscalização. Lucieni destacou ainda que a corte de contas elaborou uma cartilha para orientar os gestores públicos na hora de fazer contratações emergenciais e assim evitar irregularidades. A MP é assinada por Bolsonaro, pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e pelo ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário.

– É uma iniciativa de inaceitável inversão dos papéis constitucionais. O órgão de gestão [Ministério da Economia] e o órgão de controle interno do Poder Executivo [CGU] definirem como a instituição de controle externo independente [TCU] deve conduzir seu processo de controle externo no qual promove a responsabilização, colocando uma “camisa de força” no TCU – disse Lucieni.

A CGU é o órgão de controle interno do poder Executivo. O TCU, por sua vez, é um órgão de controle externo, por não fazer parte da estrutura do Executivo. A participação da CGU na edição da MP foi criticada por Lucieni. Ela comparou a situação atual á outra medida provisória, de 2015, editada pela então presidente Dilma Rousseff, que alterava regras para a celebração de acordos de leniência, uma espécie de delação para pessoas jurídicas, interferindo no trabalho do TCU e do Ministério Público. Essa MP não foi aprovada dentro do prazo pelo Congresso e, em 2016, deixou de valer.

A subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen também comparou a MP de Bolsonaro à editada por Dilma em 2015, e demonstrou estranhamento com a participação da CGU na sua elaboração. Ela lembrou ainda que há uma recomendação expedida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) para que os integrantes do Ministério Público acompanhem a aplicação de verbas direcionadas ao combate à Covid-10.

Coordenadora da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF), responsável por processos criminais, a subprocuradora ressaltou que medida provisória diz respeito a assuntos nas esferas civil e administrativa e, portanto, não vai afetar diretamente seu trabalho. Mas lembrou que muitos processos de natureza penal têm origem justamente no trabalho de órgãos de controle. Citou, como exemplo, notícias de compras superfaturadas de produtos para enfrentamento à pandemia.

– O que causa realmente preocupação na área criminal é que a atuação pode ser feita a partir de representação de órgãos de controle – disse ela, acrescentando: – O que é um erro grosseiro? Poderá inviabilizar [a apuração].

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) informou que Comissão de Estudos Constitucionais da entidade vai realizar reunião extraordinária na próxima segunda-feira para analisar a MP.

O Globo