Moro ataca Bolsonaro no Fantástico

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Foto: Sérgio Lima/Poder360 – 16.jul.2019

O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, disse que faltou apoio do presidente Jair Bolsonaro no combate à corrupção. A declaração foi feita em entrevista ao programa Fantástico, da TV Globo, na noite deste domingo, 24.

“Me desculpe aqui aos seguidores do presidente se essa é uma verdade inconveniente, mas essa agenda contra a corrupção não teve um impulso por parte do presidente da República”, disse Moro após reafirmar a disposição do presidente em interferir politicamente na Polícia Federal.

Na visão de Moro, faltou empenho do Planalto para impedir a retirada do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do guarda-chuva do Ministério da Justiça e apoio ao projeto anticrime, que acabou aprovado em versão desidratada na Câmara. A gestão sobre o Coaf e a aprovação do projeto original eram pontos-chave no plano de combate à corrupção desenhado pelo ex-ministro.

Moro disse ainda que o presidente tem feito alianças políticas ‘questionáveis’, em referência ao movimento de aproximação e distribuição de cargos aos partidos do bloco político chamado Centrão, conhecido pelo pragmatismo na adesão aos governos de situação, independente da orientação política. A mudança de estratégia do governo é vista como uma tentativa de blindar o presidente no caso de uma eventual abertura de processo de impeachment no Congresso.

Ele também afirmou que se manteve fiel aos seus princípios durante a gestão como ministro da Justiça e que não teve intenção de prejudicar o governo ao anunciar sua saída. “Acho que a minha lealdade ao presidente demanda que eu me posicione com a verdade, com o que eu penso e não apenas concordando com a posição do presidente. Se for assim, não precisa de um ministro, mas de precisa de um papagaio”, disparou.

Questionado sobre a postura defensiva adotada na reunião ministerial de 22 de abril, tornada pública na última sexta por decisão do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), Moro disse que não cabia rebater declarações dos demais ministros ou discutir as falas do presidente sobre o desejo de troca na segurança ‘pelo próprio do tom da reunião’. “É muito claro que o contraditório não é algo fácil de ser realizado na ocasião. Essas situações me geravam absoluto desconforto”, relembrou. Ele disse ainda que os ânimos nos últimos encontros estavam mais exaltados. “Eventualmente nessas reuniões tinham discussões veementes, o tom, no entanto, subiu nos últimos meses”.

No encontro da cúpula governista, o ministro da Educação pede a prisão dos integrantes do STF e se refere aos ministros como ‘vagabundos’. A chefe do ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, na mesma linha, clama que governadores e prefeitos sejam colocados na cadeia por medidas tomadas para combater a disseminação do coronavírus. O ministro Ricardo Salles sugere ser preciso aproveitar a ‘oportunidade’ que o governo federal ganha com a pandemia da doença para ‘ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas’. E o próprio presidente ataca pessoalmente os governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC) pela medidas de enfrentamento à pandemia. Doria foi chamado de “bosta”, Witzel de “estrume”.

Moro admitiu ainda que decidiu assinar a portaria que triplicou o limite para a compra de munições no país após pressão do presidente. “Peço ao Fernando e ao Moro que, por favor, assinem essa portaria hoje que eu quero dar um puta de um recado pra esses bostas”, disse Bolsonaro na reunião em referência a prefeitos e governadores que adotam o isolamento social como medida de combate ao novo coronavírus.“Certamente [que sim]. Eu não queria que isso fosse usado como subterfúgio da interferência na Polícia Federal. Eu entendi naquele momento que não tinha condições de me opor a isso porque já existia essa querela envolvendo a Polícia Federal”, contou Sergio Moro. Apesar de ter assinado a portaria, o ex-ministro afirmou que, “em nenhuma circunstância se pode concordar que o armamento sirva para se opor a medidas sanitárias”.

Na entrevista, o ministro também criticou trocas nas pastas da Saúde e do Meio Ambiente, citando nominalmente o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, em movimento que classificou como ‘questionável, do ponto de vista técnico’. A condução do governo diante da epidemia de Covid-19 no país foi considerada ‘muito pouco construtiva’.

Moro não quis comentar sobre o ‘sistema particular de informações’ citado por Bolsonaro na reunião e disse que causou lhe preocupação “o desejo que os serviços de inteligência prestados por esse serviço particular fossem passados a ser prestados pelos serviços oficiais”.

Perguntado sobre pretenções eleitorais para 2022, o ex-juiz federal e ex-ministro desconversou. “Nós estamos no meio de uma pandemia muito grave, muito séria. Aproveito para externar minha solidariedade a famílias que perderam entes queridos. Acabei de sair do governo, vou ter que reinventar minha vida. Toda essa turbulência decorrente da minha saída, da pandemia… Estou encontrando uma maneira de me posicionar. Mas sempre disse que quero continuar contribuindo, na área privada, no debate público”, encerrou.

Sergio Moro, que ganhou notoriedade por sua atuação no julgamento de processos oriundos da operação Lava Jato, em Curitiba, deixou o governo há exatamente um mês, no dia 24 de abril, alegando como motivação para a demissão suposta tentativa de interferência de Bolsonaro na Polícia Federal. As declarações do ministro motivaram a abertura de um inquérito contra o presidente no STF.

Depois de recuar em uma primeira tentativa de trocar o comando da corporação, em novembro do ano passado, o presidente voltou a insistir na substituição mês passado. À revelia de Moro, o delegado Maurício Valeixo foi exonerado para que Rolando Alexandre de Souza assumisse a direção da PF. Isso depois que a primeira indicação de Bolsonaro, o comandante da Associação Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, foi barrada pelo Supremo Tribunal Federal.

Estadão