Pandemia tornará brasileiros mais pobres que a média

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Foto: Havolene Valinhos/Folhapress

A crise econômica causada pelo novo coronavírus deverá acelerar o empobrecimento do brasileiro em relação à média da população mundial, iniciado em 2015.

Segundo dados da consultoria britânica EIU (Economist Intelligence Unit), a renda per capita do Brasil recuará de US$ 16.670, no ano passado, para US$ 15.910, em 2020.

Esses valores são aferidos em paridade do poder de compra (PPC), medida que considera e nivela as diferenças nos custos de vida dos países para permitir comparações internacionais.

Se a projeção da consultoria se confirmar, a renda média do brasileiro encerrará este ano 18,6% abaixo da média mundial, que deverá cair para US$ 19.550, um pouco abaixo dos US$ 19.730 registrados
no ano passado.

A diferença reflete uma forte reversão ocorrida nos últimos anos. Em 2000, a renda per capita do Brasil (em PPC) era 9% superior à do cidadão global médio. Essa vantagem relativa se manteve
—ora maior, ora menor— até 2014, quando teve início uma das mais severas recessões da história do país.

A crise colocou o Brasil em uma espiral de empobrecimento tanto absoluto —a renda per capita em reais caiu— quanto relativo, levando o poder aquisitivo de países diversos, como China, Costa Rica, Botsuana e Iraque, a ultrapassar o do brasileiro.

A lenta retomada da economia a partir de 2017 não foi suficiente para alterar esse processo de distanciamento entre a renda brasileira e a de outros países, e, com a crise econômica provocada pela pandemia de Covid-19, a situação tende a piorar.

A EIU, braço do grupo que publica a revista The Economist, foi uma das primeiras a reduzir, drasticamente, sua projeção para o PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil, após a eclosão do coronavírus. A consultoria espera uma contração de 5,5% da atividade econômica do país neste ano.

Logo em seguida, o Banco Mundial e o FMI (Fundo Monetário Internacional) também ajustaram significativamente suas estimativas. As duas instituições multilaterais projetam recuos de 5% e 5,3%, respectivamente, do PIB brasileiro em 2020.

Entre os analistas brasileiros, as projeções, compiladas pelo Banco Central, vêm se deteriorando semana após semana e, atualmente, indicam uma recessão de 3,3%.

“Esse foi um golpe terrível justamente quando o Brasil parecia se levantar de novo e caminhar para um crescimento superior a 2% de forma mais sustentável”, diz Robert Wood, economista-chefe da EIU para a América Latina.

Ele destaca que, embora o cenário do país ainda fosse frágil, o desemprego vinha caindo lentamente e havia alguma perspectiva de reformas estruturais, como a tributária, apesar do ruído político.

Agora, afirma o analista, o Brasil terá algum poder de fogo para mitigar o efeito da pandemia, mas não tanto quanto outros países.

“Por isso, o sofrimento, particularmente dos mais pobres, será mais severo no Brasil”, diz Wood.

“E há o desafio extra de implementar os programas de assistência anunciados,
como os vouchers [de R$ 600] para os mais vulneráveis, em um contexto de alta informalidade e fraquezas institucionais”, completa ele.

No primeiro trimestre do ano, 1,218 milhão de pessoas ficaram desempregadas
—dois terços deles atuavam na informalidade—, levando a taxa de desocupação a subir para 12,2%, segundo o IBGE.

De acordo com Wood, o cenário brasileiro é complicado também pela falta de consenso e coordenação em relação às medidas de afastamento social contra a Covid-19.

“Isso é algo problemático, que não tem sido tão visto em outros países onde há maior unidade de propósito, incluindo até os Estados Unidos”, afirma o especialista.

A fraqueza anterior da economia brasileira, somada à turbulência institucional recente e à falta de coordenação nas respostas à pandemia, pode agravar a crise econômica.

A queda de 5,5% esperada pela EIU para o Brasil é mais do que o dobro da contração de 2,5% projetada para a economia global.

Isso contribuirá para aumentar o crescente hiato de renda que separa o Brasil da média mundial e de outros emergentes, como a China.

Segundo a consultoria britânica, apesar de sofrer uma forte desaceleração, a atividade econômica no país asiático encerrará 2020 com uma pequena expansão de 1%.

Com isso, o poder aquisitivo do brasileiro (em PPC) ficará quase 30% abaixo do chinês neste ano. Essa distância representa uma mudança brutal em relação ao verificado no início da década de 1980, quando a renda per capita brasileira era 15 vezes maior do que a chinesa.

Segundo o economista Samuel Pessôa, mesmo se considerados apenas os últimos anos, o distanciamento entre os dois países foi significativo. Isso porque o PIB per capita chinês (em PPC) atingiu o mesmo nível que o brasileiro apenas em 2016.

“Essa abertura de quase 30% de diferença em apenas quatro anos é muito grande”, diz ele, que é colunista da Folha e pesquisador do Ibre-FGV.

“Isso é fruto da nossa tragédia e do desempenho espetacular da China”, afirma.

O economista ressalta que há limites para a replicação das políticas adotadas no país asiático, que vive sob um regime autoritário, em nações democráticas, como o Brasil.

“Eles têm atrasado o processo de urbanização e, portanto, o crescimento desordenado das cidades, porque restringem a mobilidade das pessoas”, cita o economista.

No entanto, há aspectos reproduzíveis do desenvolvimento de países asiáticos, como a valorização da educação e a preocupação com a poupança.

“Nesses países, não há servidores públicos com renda como a do Brasil, não tem criança não estudando, o consumo é mais moderado e as famílias têm reservas”, diz.

Na América Latina, alguns desses fatores que conduzem ao crescimento não são tão presentes como na Ásia. No Brasil, tanto a taxa de poupança quanto a de investimento estão, há anos, estagnados em patamares muito baixo e a qualidade da educação permanece baixa.

Mas, de acordo com Pessôa, há países na região que têm conseguido melhor desempenho relativo, como Chile, Colômbia e Peru.

Para analistas, o fato de o Brasil ter sido atingido pela pandemia com a economia ainda desequilibrada poderá complicar o cenário de recuperação do país mais do que o de outras nações.

Wood, da EIU, diz que uma de suas preocupações é o impacto negativo que o inevitável aumento da já elevada dívida pública brasileira terá sobre as finanças do governo.

Outra é o risco de que muitas pequenas e médias empresas sejam afetadas de forma permanente e acabem falindo. Esses dois fatores, diz o analista, limitarão o potencial de crescimento do Brasil nos próximos anos.

De acordo com especialistas, seria positivo se os efeitos devastadores da crise criassem ímpeto para a realização de reformas necessárias que vinham sendo discutidas antes da pandemia, como a tributária.

“Há frentes nas quais podemos avançar, como aumentar os impostos pagos por profissionais de renda alta que atuam como PJs [pessoas jurídicas]”, afirma Pessôa.

Wood acrescenta que, após a pandemia, os investidores observarão o avanço do Brasil em sua agenda de reformas. Mas, para ele, a proximidade do ciclo eleitoral de 2022 e o cenário político conturbado tornam as perspectivas de progresso nessa frente mais sombrias.

Folha