Prefeitura de SP consegue reduzir subnotificação

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Foto: Fotogramma / EFE-EPA

O número de mortes por Covid-19 contado pela prefeitura de São Paulo torna possível um acompanhamento mais preciso da epidemia do que os dados estaduais e nacionais sobre a evolução da doença.

No entanto, há defasagens de registros de óbitos e até exagero no boletim diário municipal. Além do mais, tais dados não estão à disposição contínua do público.

As séries inéditas de dados foram passadas à Folha, a pedido, pela Secretaria de Saúde e pelo Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade (Pro-Aim) da prefeitura paulistana. Em suma, os dados parecem indicar o seguinte:

1. O número total de óbitos e de óbitos por Covid-19 indicam que a subnotificação de mortes na cidade é muito menor do que se especula e diminuiu. A depender da comparação, pode ser nenhuma;

2. Os números da prefeitura contam as vítimas de Covid-19 pela data de óbito. Os dados estaduais e federais (os mesmos) contam pela data da confirmação da morte pela doença. Mas os números recentes das duas séries de óbitos confirmados convergiram: a diferença passava de mais de 100% até meados de abril; nos últimos dias, está na casa de 1%. A divergência caiu com o aumento do número de testes no estado;

3. Os dados do total de mortes por qualquer doença são úteis apenas com uma defasagem de pelo menos 25 dias, em parte por atrasos burocráticos. Os dados de mortes por Covid, porém, são atualizados diariamente;

4. O boletim diário da prefeitura sobre a doença, porém, informa uma variação exagerada do número de mortes.

Trocando em miúdos: a subnotificação de mortes é menor do que se especula e, a depender da comparação, nenhuma, atualmente. Mas não há preto no branco nessas contas.

Um exemplo: do início oficial da epidemia, 26 de fevereiro, até 15 de abril, o total do número de mortes na cidade aumentou em 1.929 em relação à média do mesmo período dos anos de 2011 a 2019. Entre aqueles dias, o aumento de mortes em geral foi elevado de modo estatisticamente significante.
Ou seja, esse excesso de mortes indica que deve haver um motivo também extraordinário de sua causa, no caso a Covid-19. Essa medida é um modo de estimar a subnotificação.

No mesmo período, o número de mortes por Covid-19, segundo dados da prefeitura, foi de 1.165. Ou seja, tomando esses dados ao pé da letra ou ao pé do número, a subnotificação de mortes seria de uns 40%, no período. Isto é, se exatamente todo o excesso de mortes de 2020 pudesse ser atribuído à Covid-19. Não há como cravar.

Na conta do número de mortes “oficial”, divulgada diariamente pelo governo federal com base em dados estaduais, dava 558 até 15 de abril, muito inferior aos números de óbitos por data de morte e de excesso de mortes

Somados, o número de mortes por Covid-19 e os “suspeitos” (geralmente, casos em que o paciente apresenta o quadro clínico da doença, mas não tem o resultado do teste) chegam a 2.173 naquele período, maior que o do excesso de mortes de 2020, pois. A prefeitura publica esses dados de óbitos confirmados e “suspeitos” em seu boletim diário e os soma.

Ou seja: caso considerado esse total, a subnotificação seria nenhuma. Por outro lado, caso todas as mortes ora “suspeitas” fossem atribuídas à Covid-19, o número estadual/federal de mortes para a cidade mais do que dobraria, atualmente.

A conta para em 15 de abril porque, depois desse dia, os dados do total de mortes da prefeitura estavam incompletos. Há demoras no registro de óbitos e os dados ainda precisam ser digitados por um serviço terceirizado, por exemplo. Logo, são inviáveis contas de excesso de mortes de 25 dias anteriores à data de divulgação dos dados.

Paulo Lotufo, epidemiologista e professor da Faculdade de Medicina da USP, afirma que a conta do excesso de mortes ainda é o modo mais preciso de acompanhar a evolução dos casos da doença, junto do número de óbitos confirmados por data de morte. Lotufo foi um dos primeiros a chamar a atenção para a importância desse indicador indireto do avanço da epidemia.

Em termos de vigilância, diz, é melhor acompanhar os dados “materialmente mais fortes”: excesso do total de mortes e mortes pela Covid-19, pois os casos tidos como “suspeitos” podem padecer de subjetividade.

Lotufo, que analisou alguns dados a pedido deste jornalista, diz também que os números do Pro-Aim indicam ao menos em março um aumento do número de mortes por doenças infecto-parasitárias, por causas mal definidas e por doenças respiratórias (em relação a março de 2019), por problemas de classificação, diagnóstico e autópsias. Seriam outros indícios fortes de óbitos causados por Covid-19, doença que provoca danos em muitos órgãos, variados em cada paciente, diz.

O epidemiologista diz ainda que havia excesso de mortes mesmo pouco antes do registro do primeiro caso, em 26 de fevereiro. Em meados de abril parecia haver diminuição do excesso de mortes, que, no entanto, poderia crescer com o espalhamento da doença pela periferia paulistana, como ocorreu, aliás.

O Pro-Aim é Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade, serviço da prefeitura que faz a estatística oficial do total de mortes e de suas causas. Analisa as declarações de óbito, em casos de dúvida conversa com médicos que atestaram a morte, com as famílias, com os Serviços de Verificação de Óbito e compara bancos de dados, explicam Roberto Tolosa Jr., chefe da Coordenação de Epidemiologia e Informação, que comanda o Pro-Aim, e Cássia Malteze, gerente do Pro-Aim.

O serviço registra o óbito, de Covid ou outras, pela data da morte. Na conta oficial do país, a divulgada pelo governo federal, entram os casos confirmados de óbito em qualquer data —são critérios diferentes.

As duas contas parecem convergir. A diferença agora está na casa de 40 mortes; faz um mês, na casa de 600. Diminuiu rapidamente quando aumentou o número de testes no estado e quando foi zerada a fila de testes atrasados, em fins de abril.

O Boletim Diário Covid-19 da prefeitura faz diariamente um cálculo da variação acumulada do número de mortes na cidade, tendo 9 de abril como dia de referência. Usa dados antigos para o total de mortes confirmadas nessa data —os dados do Pro-Aim são sempre revistos. Até o dado mais recente, houvera 815 mortes confirmadas acumuladas até 9 de abril, por exemplo. No Boletim, elas aparecem ainda e sempre como 422.

O cálculo da variação é exagerado, portanto. Este jornalista perguntou à Secretaria Municipal da Saúde o motivo da discrepância. Depois de reunião com técnicos, a secretaria disse que prefere manter os dados antigos da data de referência, sem outras explicações.

Folha De S. Paulo