STF atende oposição e acelera investigação contra Bolsonaro

Todos os posts, Últimas notícias

O ministro Celso de Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou à Polícia Federal que colha depoimento de Sergio Moro no prazo de cinco dias para que ele esclareça as acusações feitas contra o presidente Jair Bolsonaro no seu pedido de demissão do Ministério da Justiça.

O despacho do ministro foi uma resposta a pedido de parlamentares, que solicitaram mais celeridade no caso, uma vez que o prazo inicialmente dado tinha sido de 60 dias.

Depois da oitiva de Moro, o ministro estabelece que a PGR (Procuradoria-Geral da República) terá que se manifestar a respeito.

“Impõe-se, após efetivada a inquirição do senhor Sergio Fernando Moro, seja ouvido o Ministério Público, em sua condição de ‘dominus litis’, tendo em vista o fato, constitucionalmente relevante, de que prevalece, em nosso sistema jurídico, o modelo acusatório”, afirma Celso de Mello.

Em relação à solicitação para que os delegados responsáveis pelos inquéritos que tramitam no Supremo sejam designados para esta investigação, Celso de Mello requereu manifestação da PGR para decidir.

Na peça, os deputados Felipe Rigoni (PSB-ES), Tabata Amaral (PDT-SP) e o senador Alessandro Vieira (Cidadania-ES) justificam que há o risco de o novo diretor-geral da PF “vir a cooperar, ainda que indiretamente, para satisfazer os anseios do presidente da República”.

Os parlamentares citam a decisão do ministro Alexandre de Moraes de suspender a nomeação de Alexandre Ramagem, amigo da família Bolsonaro, para chefiar a PF, mas dizem que isso não é suficiente para garantir a lisura das investigações.

“Sucede, Excelência, que a medida em tela, muito embora tempestiva e apta a evitar o risco de interferência do Presidente da República por intermédio do sr. Ramagem, não tem o condão de assegurar, para efeito do presente inquérito, a sua condução de forma impessoal”, argumentam.

Os parlamentares ressaltam, ainda, que o prazo de 60 dias é muito extenso e poderia levar a perda de provas.

“A gravidade das acusações dirigidas ao presidente da República, em nosso entendimento, somada à grave crise política pela qual atravessa o país, leva a crer que o prazo de 60 (sessenta) dias para a realização da diligência em tela pode se demonstrar excessivo, mormente porque o prolongamento da crise política resulta em prejuízos para o combate às concomitantes crises na saúde e na economia.”

Moro acusou o chefe do Executivo, na última sexta-feira (24), de querer interferir na autonomia da Polícia Federal. De acordo com ele, a intenção de Bolsonaro ao trocar o comando da PF seria aumentar a influência na corporação para ter acesso a informações sobre investigações em curso.

“O presidente queria alguém que ele pudesse ligar, colher informações, relatório de inteligência. Seja o diretor, seja o superintendente”, afirmou Moro.

Ao autorizar a abertura do inquérito, a pedido da PGR, Celso de Mello disse que “ninguém, absolutamente ninguém, tem legitimidade para transgredir e vilipendiar as leis e a Constituição de nosso país”. “Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade do ordenamento jurídico do Estado”, afirmou.

O ministro do Supremo ressaltou que “a sujeição do presidente da República às consequências jurídicas e políticas de seu próprio comportamento é inerente e consubstancial ao regime republicano, que constitui, no plano de nosso ordenamento positivo, uma das mais relevantes decisões políticas fundamentais adotadas pelo legislador constituinte brasileiro”.

Moro relata que teria afirmado ao presidente que não seria adequada a troca de comando na polícia, mas, diante da insistência de Bolsonaro, resolveu pedir para deixar o governo.

“Falei que seria uma indicação política, ele disse que seria mesmo”, revelou Moro, em referência à exoneração de Maurício Valeixo da chefia da PF para que fosse colocado alguém próximo ao chefe do Executivo.

Com o inquérito aberto, a Polícia Federal também passa a participar das investigações. Geralmente, o responsável por casos como esse é escolhido aleatoriamente entre os delegados responsáveis por atuar especificamente nas apurações determinadas pelo STF.

No pronunciamento em que se despediu do Executivo, Moro também revelou não ter assinado a demissão de Valeixo da PF, como foi publicado inicialmente no Diário Oficial e alardeado pelo chefe do Executivo e outros integrantes do governo. Uma nova versão do ato foi publicada posteriormente, sem a assinatura de Moro.

ENTENDA O CASO E OS POSSÍVEIS CAMINHOS JURÍDICOS

Nomeação para a PF

O ministro Alexandre de Moraes suspendeu, nesta quarta (30), a nomeação de Alexandre Ramagem para o comando da PF após o PDT entrar com mandado de segurança alegando “abuso de poder por desvio de finalidade” no ato de Jair Bolsonaro

O magistrado baseou sua decisão no comportamento do chefe do Executivo. Segundo o ministro, há elementos que apontam o interesse de Bolsonaro em escolher para o comando da corporação alguém que pudesse fornecer acesso a informações privilegiadas. O próprio presidente admitiu interesse pessoal em ações da PF, em pronunciamento após a demissão de Sergio Moro

Para o ministro do STF, houve “inobservância aos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e do interesse público” na nomeação. “Em um sistema republicano, não existe poder absoluto ou ilimitado (…)”, acrescentou

O ministro destacou que sua decisão era cabível pois a PF não é um “órgão de inteligência da Presidência da República”, mas sim “polícia judiciária da União, inclusive em diversas investigações sigilosas”
Moraes citou ainda acusações do ex-juiz contra o presidente. “[Moro] afirmou expressa e textualmente que o presidente da República informou-lhe da futura nomeação do delegado federal Alexandre Ramagem para a Diretoria da Polícia Federal, para que pudesse ter ‘interferência política’ na instituição, no sentido de ‘ter uma pessoa do contato pessoal dele’, ‘que pudesse ligar, colher informações, colher relatórios de inteligência'”

Ramagem é amigo dos filhos de Bolsonaro. Sobre essa relação, o ministro afirmou que o princípio da impessoalidade “exige do administrador público a prática do ato somente visando seu fim legal, de forma impessoal”
Reação de Bolsonaro

Na manhã desta quinta-feira (30), o presidente criticou a determinação de Alexandre de Moraes, chamando-a de “política” e de “canetada”.”Se [Ramagem] não pode estar na Polícia Federal, não pode estar na Abin [Agência Brasileira de Inteligência, comandada por Ramagem]. No meu entender, uma decisão política”, afirmou.

“Agora tirar numa canetada e desautorizar o presidente da República, com uma canetada, dizendo em [princípio da] impessoalidade? Ontem quase tivemos uma crise institucional, quase. Faltou pouco”, acrescentou

Governo pode recorrer?

Esse ponto suscita controvérsias e não há jurisprudência consolidada que indique a posição do Supremo Tribunal Federal a respeito. Há quem defenda que o mandado de segurança de autoria do

PDT perdeu o objeto, porque o governo revogou a nomeação de Ramagem para a PF. Há especialistas que vão no sentido contrário e sustentam que o caso pode seguir em tramitação no tribunal mesmo assim

O que pode ser feito na esfera jurídica?

Bolsonaro anunciou que entrará com recurso, mas a equipe técnica ainda estuda o melhor meio processual para fazê-lo. A estratégia que ganhou força nesta quinta é a de protocolar embargos de declaração para que o ministro Alexandre Moraes detalhe o despacho e esclareça qual sua extensão.

O principal ponto que o governo quer elucidar é sobre avalidade da decisão. Ou seja, o objetivo de Bolsonaro é entender se Ramagem poderá ser nomeado novamente após finalizado o inquérito para apurar se o presidente tenta interferir em investigações em cursoda Polícia Federal

Quem vai comandar a Polícia Federal?

A ideia manifestada pelo presidente a aliados é, enquanto não conseguir nomear Ramagem, colocar no comando da Polícia Federal uma espécie de “diretor tampão”. Em análise, estão os nomes do diretor do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), Fabiano Bordignon,”‹ do superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva, e do secretário de Segurança Pública do STF, Paulo Gustavo Maiurino, entre outros

Ataques ao STF

As críticas do presidente se inserem num contexto de embate com o tribunal, que impôs uma série de derrotas ao Executivo. Desde que a OMS declarou pandemia do novo coronavírus, em 11 março, o STF contrariou os interesses do governo em ao menos 12 ações. Além dos ataques verbais, Bolsonaro já participou de atos pró-intervenção militar, que pediam o fechamento do Congresso e do próprio STF. O último deles aconteceu no domingo (19). O envolvimento do presidente nas manifestações poderia ser enquadrado como crime de responsabilidade. A lei 1.079/1950 diz em seu artigo 4º, inciso II:

São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra (…) o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados

Folha de SP