Bolsonarismo está infiltrado na PM de SP

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Foto: Governo de São Paulo

Potencial candidato à Presidência em 2022, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), volta a enfrentar constrangimentos provocados por integrantes da Polícia Militar paulista, a maior força policial do país, que contabiliza quase 113 mil homens.

Em um vídeo divulgado no domingo em redes sociais, um policial militar pressiona o joelho contra o peito de um jovem deitado próximo à guia de uma calçada em Carapicuíba, na Grande São Paulo. A imagem remete ao assassinato do americano George Floyd, morto por um policial que ajoelhou-se sobre seu pescoço até asfixiá-lo durante uma abordagem em Minneapolis. O caso gerou revolta e ondas de violentos protestos nos Estados Unidos.

Doria anunciou em sua entrevista coletiva sobre a pandemia que os policiais envolvidos na ação violenta serão afastados e que o corpo policial passará por um novo treinamento sobre abordagens a suspeitos. “Não há e não haverá nenhuma condescendência com violência policial sob qualquer justificativa. É incompatível com uma polícia bem treinada e bem preparada que uma minoria que representa menos de 1% possa comprometer 99% de uma polícia séria”, disse.

Segundo Doria, o programa “Retreinar” terá início no quartel do comando geral da PM a partir de julho e depois será implantado na Academia da Polícia Militar do Barro Branco. De acordo com o governador, inicialmente o programa terá foco nos policiais de altas patentes.

Episódios de violência praticados por agentes da Polícia Militar não são exclusividade da gestão Doria, mas têm ocorrido com frequência em seu governo, como mostram os números oficiais: 220 policiais militares foram expulsos da corporação por condutas indevidas ou criminosas desde o início de 2019.

A instituição é um dos lastros do bolsonarismo no Estado e diversos integrantes da Força se aventuraram nas urnas combatendo a eleição de Doria. Como o governador se tornou um antagonista de Bolsonaro, as medidas disciplinares tomadas pela cúpula da segurança de maneira involuntária contribuem para politizar a PM.

Com experiência na gestão de batalhões, um oficial da PM observa haver, desde o ano passado, uma diminuição no número de policiais de posição hierárquica superior em funções de supervisão no policiamento de rua. Na avaliação dele, essa seria a principal razão para que os policiais militares tenham passado a atuar “sem freios”, resultando em emprego desmedido de força nas abordagens.

Esse oficial também relata que as declarações públicas frequentes de Bolsonaro referendando ações duras na segurança pública surtiriam efeito catalisador na tropa, que enxerga no presidente uma liderança que não é reconhecida em Doria.

O secretário-executivo da Polícia Militar, Álvaro Camilo, reconhece o aumento dos episódios de violência policial, mas nega que as declarações de exortação ao Estado policial do presidente da República surtam efeito sobre o modo de agir da tropa.

“Caracterizar os excessos, que são exceção e não regra, como resultado de uma adesão ao Bolsonaro é uma conclusão simplista. Episódios de má conduta já aconteciam em governos anteriores. O policial sabe que é ele quem vai responder por eventual má conduta, não o presidente”, ironiza.

Camilo também discorda que a falta de superiores hierárquicos em abordagens da PM estimule o uso excessivo da força, mas admite a existência de um déficit de policiais de patente mais elevada para acompanhar essas ocorrências.

“Você pode não ter um oficial, mas tem ali o 1º ou o 2º ou 3º sargentos que são o elo da tropa, o primeiro nível de comando, embora haja uma defasagem em todos os postos porque se tomou uma decisão de deixar de contratar lá atrás, em outros governos”.

Camilo diz ainda que a rejeição dos policiais ao governador não se trata de um fato inédito. “O funcionalismo público, de uma forma geral, é sempre contra o governante. Veja a rejeição que o [antecessor de Doria, Geraldo] Alckmin tinha”, exemplifica.

Na opinião do deputado federal Coronel Tadeu (PSL-SP), o policial militar vê Bolsonaro como um símbolo de conduta e isso deve garantir quantidade expressiva de cabos eleitorais nas forças policiais ao projeto de reeleição do presidente. “São cerca de 600 mil policiais militares no Brasil que passaram a ser cabos eleitorais do Bolsonaro e que ele ganhou de graça”.

Para Tadeu, o bolsonarismo nas polícias é um fenômeno nacional e, no caso da PM paulista, há um “forte sentimento” contrário ao governador do Estado.

“Na PM de São Paulo quem é bolsonarista é anti-Doria, isso eu posso te garantir”, afirma.

Adversária de Doria na campanha eleitoral de 2018, a coronel da reserva Eliane Nikoluk chega a uma conclusão similar. “O que ocorre é que o Doria é visto hoje como alguém que foi desleal com a polícia, porque não prometeu o que cumpriu na campanha, apesar de ter abraçado o bolsonarismo na eleição, de ter pregado o voto ‘bolsodoria”, diz Eliane, que concorreu a vice na chapa de Márcio França (PSB), derrotado por Doria no segundo turno da eleição de 2018.

Na avaliação do coronel da reserva da PM Elias Miler da Silva, diretor legislativo da Federação Nacional de Entidades Militares (Feneme), que conta com 200 mil filiados, a força do bolsonarismo na PM paulista decorre mais da insatisfação com Doria do que dos méritos do presidente da República.

Segundo Miler da Silva, que também preside a Defenda PM, associação que reúne cerca de 2 mil oficiais da Polícia Militar de São Paulo, “Bolsonaro deu sorte, porque ele se beneficiou de uma situação histórica de insatisfação com os governos do PSDB em São Paulo, em que temos o 25º salário do país sem uma justificativa para isso, já que se trata do Estado mais rico da federação”, afirma.

A simpatia de policiais militares por Jair Bolsonaro, explícita nas redes sociais e mais recentemente também no mundo real, representa mais uma ameaça de ordem política para Doria do que risco de insubordinação, avalia o ex-secretário nacional de Segurança Pública e coronel da reserva da PM paulista, José Vicente da Silva. “Uma coisa é a simpatia inequívoca dos policiais pelo Bolsonaro, que desde a década de 1980 defende bandeiras como o excludente de ilicitude. Outra é saber se isso pode gerar condutas não admitidas, e nisso não creio”, afirma.

Valor Econômico