Bolsonaro tenta imitar “lulinha paz e amor”

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Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS

A aproximação com o Centrão e o foco em programas sociais e na agenda de obras remetem Jair Bolsonaro a uma estratégia adotada pelo ex-presidente Lula em 2005, quando o escândalo do mensalão explodiu em Brasília. A avaliação é do publicitário Alexandre Borges, um velho conhecido da atual família presidencial por ter coordenado as campanhas de Flávio Bolsonaro para a prefeitura do Rio em 2016 e do ex-aliado Wilson Wiltzel para o governo do estado, em 2018. Em entrevista, Borges explica por que acha que Bolsonaro terá fôlego para manter apoio popular como o petista há 15 anos.

Por que a saída de Sérgio Moro do governo e os acordos com o Centrão, antes demonizados, não fizeram Bolsonaro perder o apoio de cerca de um terço do eleitorado?

Três fatores: o pagamento de R$ 600 de auxílio compensou a perda de apoio em alguns segmentos; a falta de alternativa na oposição; e a dificuldade do eleitor em condenar coisas abstratas. Acordo com Centrão e interferência na Polícia Federal são argumentos que apenas parte da classe média consegue entender. Não é como o cara filmado, recebendo propina. O brasileiro se revoltou no passado porque existiu a Copa do Mundo e a Lava-Jato. Aí, ele olhava um estádio de futebol construído ou reformado na sua cidade por uma empreiteira e entendia facilmente que aquilo era uma desperdício. Era corrupção tangível.

O caso Queiroz não é tangível para os apoiadores do presidente?

O episódio acaba sendo mais ligado aos filhos do Bolsonaro da mesma forma que antes dos escândalos envolvendo o Lula, vieram a público os casos sobre os filhos dele. E, lá atrás, também discutíamos porque o mensalão e os negócios envolvendo o Lulinha e a Oi não afetavam a popularidade do petista. Hoje, o marketing governista atua da mesma forma que há 15 anos, quando falou-se em caixa dois. É o argumento “rachadinha todo mundo faz, corrupção foram os bilhões roubados pelo PT”. Há outros elementos do Brasil de 2020 que lembram o de 2005.

Quais?

O aceno ao Centrão é semelhante ao movimento que Lula fez para trazer o PMDB para dentro do seu governo e terminar o primeiro mandato. Quando o Duda Mendonça foi ao Congresso e disse que recebeu dinheiro no exterior, muitos disseram que o PT tinha acabado naquele momento. É a mesma avaliação apressada que se faz a cada notícia que surge sobre Bolsonaro. O que fez o Lula naquela época? Virou uma chave. Abraçou o pragmatismo, aumentou o Bolsa-Família e criou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Depois, se reelegeu e ainda emplacou a sucessora.

O auxílio, que o senhor apontou como um elemento que garante um novo tipo de apoio a Bolsonaro, não tem prazo de validade já que será impossível pagá-lo para sempre?

Bolsonaro tem tempo para pensar nisso, é preciso ver se o discurso de austeridade guedista vai prevalecer ou morrer. O governo vai pedir ajuda do Centrão para elevar o teto fiscal e jogar a conta para a frente? Vamos ver, não tenho bola de cristal. Mas a estratégia, repito, é a mesma de 2005. Tocar dinheiro em obras e programas sociais e dizer que as acusações são menores.

O senhor também disse que a resiliência na popularidade se mantém devido a falta de opções na oposição…

Hoje, o Brasil ainda não tem uma força política alternativa ao bolsonarismo. Mesmo essa parte da classe média, incomodada com o Queiroz, pode estar descontente agora, mas não quer dizer que vai largar Bolsonaro para sempre. Mal comparando, é tipo um casamento. Se a pessoa não vislumbra alternativa, vai ficando.

Moro não pode ser o adversário de Centro contra Bolsonaro em 2022?

Não acredito. Lembre-se de 2018. João Amoedo, Alvaro Dias, Geraldo Alckmin e Marina Silva não somaram 10%. O Centro, portanto, foi rejeitado. O candidato contra o sistema que o eleitor continua demandando tem que bater na mesa com sangue nos olhos. O Ciro Gomes, de vez em quando, assume esse papel, mas acaba não tendo limites. O Bolsonaro possui a maluquice de algumas explosões verbais, mas não tem um irmão que pega uma retroescavadeira e vai para cima de policiais em motim. A população vê esse temperamento no Ciro. Sobre o Moro: ele ainda se porta quase como um tucano. Além disso, teve uma saída mal feita tanto no discurso como na narrativa política. Ele não saiu fazendo uma denúncia destruidora ou com uma bala de prata. O (Luiz Henrique) Mandetta desembarcou muito melhor do governo. Deu um banho no Moro e considero ele até um nome melhor para 2022.

E o Haddad?

Tem o problema do antipetismo que persiste e a questão dele ser a esquerda do Leblon sem cheiro de povo. E o Lula saiu da cadeia com uma agenda muito anti-Moro que continua afastando o partido da classe média. O Moro pode ter problemas como político, mas as pessoas acreditam que ele fez um bom trabalho como juiz na Lava-Jato.

Algum político, além do Bolsonaro, usa bem as redes atualmente?

Na minha opinião, Bolsonaro surfa sozinho nesse quesito atualmente.

Qual o segredo da comunicação bolsonarista na internet?

A comunicação é importante, mas assim como na publicidade, o produto tem que estar sendo de alguma forma demandado pelo mercado. Há aspectos internacionais de descontentamento com a política que foram reproduzidos no Brasil após a operação Lava-jato. Havia uma maioria silenciosa incomodada com o que chamamos de consenso pós-política, que é o revezamento no poder de lideranças sociais democratas que não rejeitam o liberalismo. Nesse modelo, as grandes questões da política estavam pactuadas e o estado era, na verdade, um grande comitê gestor. O Brexit e a eleição de Donald Trump em 2016 mostram que as pessoas que rejeitavam esse conceito estavam varridas e colocadas fora do debate público. Mas elas estavam lá, silenciosas, porém extremamente radicalizadas.

Difícil entender como Trump sucedeu Obama, que deixou o cargo com bons índices de apoio popular…

Aí que está a questão, talvez Obama fosse menos popular do que parecesse ainda que tão celebrado pela mídia tradicional. Quando o eleitor americano era pesquisado, acabava mentindo ou omitindo o que pensava para não parecer racista, por exemplo. Há outros nomes dessa pós-política que citei como os ex-presidentes FHC e Bill Clinton, que parecem populares, mas que na prática não influenciam mais a população. Eles existem para apenas uma bolha hoje em dia.

Bolsonaro entendeu esse processo então?

Não só entendeu, como compreendeu a importância das redes sociais nesse movimento. A internet começou a validar essas opiniões antes silenciosas. As pessoas começaram a colocar para fora em posts o que falavam apenas na mesa de bar e, de repente, o texto tinha 50 mil compartilhamentos. Tudo foi compreendido por Bolsonaro desde 2014. E tem uma garotada muito competente junto dele ao longo desses seis anos. Ficaram muito bons nisso, foram pioneiros e largaram na frente de outros políticos.

Como derrotar Bolsonaro nesse campo?

A agressividade é um erro. Desse jeito, Bolsonaro se vitimiza, diz que é um perseguido por colocar medo no sistema e nas elites. Esse é o terreno onde o populista floresce, não só o da política como qualquer gerador de conteúdo, como os youtubers governistas. Ao mesmo tempo, não se pode alijar essas pessoas do debate porque as ideias delas não vão morrer assim. É preciso debater com serenidade ou até mesmo ridicularizar os argumentos numa discussão. Ignorar ou agir com agressividade, jamais.

O Globo