Centrão paga cargos blindando filho 03

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Foto: Reuters

Completam-se nesta sexta-feira (5) seis meses de total paralisia da análise, no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, das declarações de Eduardo Bolsonaro de que a resposta do governo de seu pai a uma hipotética radicalização da esquerda seria a volta do AI-5, o ato que marcou o início do período mais duro da ditadura militar (1964-1985).

Em 5 de dezembro de 2019 o deputado Igor Timo (Podemos-MG) foi escolhido relator do caso, que, pelas regras, pode resultar desde advertência até a cassação do mandato de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

Igor não quis dizer à Folha se já chegou a uma conclusão ou quando exatamente apresentará seu relatório, limitando-se a afirmar que ainda está trabalhando nele. “Não podemos tratar desse assunto aqui não [por telefone] porque isso pode gerar um efeito colateral muito complicado.”

Além do corporativismo, o Conselho de Ética da Câmara tem histórico de baixa punição. Mais importante do que isso, no momento, é a blindagem promovida pelo centrão, o grupo de siglas médias que passou a apoiar o governo Jair Bolsonaro em troca de cargos e verbas na administração federal.

Em meio à paralisia no conselho, Eduardo subiu o tom na retórica autoritária após a manifestação sobre o AI-5, chegando a dizer que ninguém se preocuparia se uma bomba destruísse o Congresso e, mais recentemente, que é preciso agora saber não “se” haverá uma ruptura, mas “quando” ela ocorrerá.

“Até entendo quem tem uma postura moderada para não chegar num momento de ruptura, de cisão ainda maior, de conflito ainda maior. Eu entendo essas pessoas que querem evitar esse momento de caos, mas falando abertamente, opinião de Eduardo Bolsonaro, não é mais uma opinião de se, mas de quando isso vai ocorrer”, afirmou após aliados da família serem alvo de busca e apreensão no inquérito do STF relacionado às fake news.

De acordo com Igor Timo, todas essas novas falas serão levadas em conta. “Nós vamos analisar tudo o que está acontecendo.”

Assim como o pai Jair Bolsonaro, Eduardo tem um histórico de falas de teor antidemocrático. É dele, por exemplo, a afirmação de que bastaria um cabo e um soldado para fechar o STF (Supremo Tribunal Federal), a mais alta corte do Poder Judiciário.

Desde o início da pandemia do coronavírus, o Congresso está realizando sessões virtuais. De acordo com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é possível que as sessões presenciais voltem em julho.

O deputado Igor Timo afirmou que está à espera de que o presidente do Conselho de Ética, Juscelino Filho (DEM-MA), marque sessão para que ele apresente o relatório. Juscelino disse, porém, o contrário. Que é preciso a apresentação do relatório antes para que ele possa marcar a sessão de análise.

“Vou falar com ele [Igor Timo], ele tem que apresentar, só posso pautar depois que ele apresenta”, afirmou o presidente do colegiado.

Até parlamentares de esquerda e independentes dizem, porém, considerar dificílima a aprovação de um parecer que recomende a cassação do mandato do filho de Bolsonaro.

A família Bolsonaro é campeã de incursões no Conselho de Ética da Câmara, mas nunca houve punição.

Desde a criação do órgão, em 2001, nenhum sobrenome político foi mais acionado. Assim como Jair, alvo de quatro representações, Eduardo também se destaca e já recebeu cinco, desbancando do pai o título de recordista.

Duas delas foram em 2016, no episódio das cusparadas durante a sessão que autorizou o processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT). Ele as direcionou a Jean Wyllys (PSOL-RJ), que havia cuspido no pai de Eduardo momentos antes.

As três outras representações são do ano passado. Por atacar a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) nas redes sociais —em um post, divulgou a imagem da deputada em uma nota de R$ 3, em sinal de sua suposta falsidade— e duas pela citação ao novo AI-5. Da primeira já há relatório favorável ao arquivamento sob o argumento, principal, de que o deputado tem imunidade por suas falas e opiniões.

A posição é amparada no artigo 53 da Constituição, segundo o qual “os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

Críticos da leniência do conselho, porém, apontam que essa imunidade não é absoluta e que algumas atitudes e manifestações podem representar “abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional”, uma das razões constitucionais para a perda do mandato.

Os dois últimos casos foram unidos na relatoria de Igor Timo.

O Conselho de Ética é o primeiro passo para uma possível cassação. Com 21 deputados titulares, o órgão tem a média de 1 recomendação de cassação para cada 4 representações. Nos últimos anos esse ritmo tem diminuído mais ainda.

Mesmo que o conselho aprove a recomendação de cassação do mandato, o congressista só perde o cargo caso pelo menos 257 dos 513 deputados votem, no plenário, nesse sentido.

O último a ser cassado pelo plenário foi Eduardo Cunha (MDB-RJ), em decorrência da Operação Lava Jato.

Um dos integrantes da oposição no órgão, o deputado Julio Delgado (PSB-MG) afirmou que na volta dos trabalhos presenciais do colegiado irá defender a análise do caso de outros deputados bolsonaristas que têm defendido posições contrárias aos preceitos democráticos.

“Até então a gente vinha conversando sobre a necessidade de uma advertência ou suspensão no caso do Eduardo. Mas a gente, pela situação da isolamento, estamos todos nós de máscara e de boca fechada. Eles resolveram falar mais e falar pior. Então a situação dele piora muito”, diz o deputado.

“Não tenho dúvida que o caso dele tem ser admitido e, ao ser admitido, tem que ser punido. E não dá pra ser só com uma simple advertência.”

A Folha não conseguiu falar com Eduardo Bolsonaro.

Em relação a Jair Bolsonaro, o hoje presidente da República foi levado ao órgão de 2011 a 2016 sob acusação de declaração racista, de ter agredido o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), de ter afirmado que não estupraria a deputada Maria do Rosário (PT-RS) porque ela não merecia e por ter homenageado o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos principais símbolos da repressão à luta armada durante a ditadura militar.

O que foi o AI-5

O Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, deu ao presidente o poder de fechar o Congresso, Assembleias e Câmaras. O Congresso foi fechado por tempo indeterminado no mesmo dia
Renovou poderes conferidos antes ao presidente para aplicar punições, cassar mandatos e suspender direitos políticos, em caráter permanente
Suspendeu a garantia do habeas corpus em casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e a economia popular
Deu ao presidente o poder de confiscar bens de funcionários acusados de enriquecimento ilícito
O que diz a lei sobre apologia à ditadura

Não há legislação que tipifique como crime a apologia à ditadura militar. Mas, segundo especialistas, falas a favor do regime podem ser enquadradas como crime com base na Lei de Segurança Nacional, na Lei dos Crimes de Responsabilidade e no artigo 287 do Código Penal.

A Lei de Segurança Nacional, em seu artigo 22, qualifica como crime “fazer, em público, propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social”. Já o artigo 23 da mesma lei diz que é crime “incitar à subversão da ordem política ou social, à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis”.

Folha De S. Paulo