Com mania de processar, Weintraub pede “liberdade de expressão”

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Foto: Cristiano Mariz/VEJA

Enquanto clama por liberdade de expressão, ao enfrentar as consequências de ataques ao Supremo Tribunal Federal e à China, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, processa jornalistas e comunicadores, como o youtuber Felipe Neto, que publicaram reportagens ou comentários que o desagradaram.

Weintraub move ao menos sete processos por dano moral, calúnia ou difamação.

Ele ainda lança mão para sua defesa nas ações de escritórios de advocacia de dois de seus assessores mais próximos no MEC (Ministério da Educação), o que é visto com ressalva por especialistas.

O ministro da Educação tem um histórico de ataques pelas redes sociais, sendo a imprensa, o PT e a esquerda seus alvos prediletos. Mas Weintraub se colocou no centro da crise política depois de o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril mostrá-lo defendendo prisão para “esses vagabundos”, a começar pelo STF.

As imagens vieram à tona após denúncia do ex-ministro da Justiça Sergio Moro de interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal.

No mesmo encontro, Weintraub disse odiar os termos “povos indígenas” e “povo cigano”, o que lhe rendeu questionamentos do Ministério Público Federal.

Antes disso, o ministro da Educação já havia feito comentários considerados racistas sobre a China e os chineses.

Uma postagem, do início de abril (e apagada posteriormente), provocou abertura de inquérito no STF após solicitação da PGR (Procuradoria-Geral da República). Trata-se do primeiro ministro de Bolsonaro a ter uma investigação pedida pelo órgão comandado pelo procurador-geral, Augusto Aras.

Ao reagir às investigações e oitivas agendadas pela PF, Weintraub reforçou pelas redes sociais o argumento da liberdade de expressão.

No último dia 2 ele até trocou a imagem de seu perfil no Twitter por uma ilustração de seu rosto com uma mordaça vermelha.

 

“Prestei depoimento à PF, em respeito à polícia. Fui muito bem recebido pelo diretor-geral Rolando [Alexandre de Souza] e por toda sua equipe. Agradeço especialmente a você, que me apoia na luta pela liberdade!”, escreveu em seu perfil no dia 4. Weintraub foi ouvido naquele dia pela PF no âmbito do inquérito que investiga o racismo.

Os primeiros processos movidos por Weintraub identificados pela Folha são de novembro de 2019. Em três ações diferentes, ele processa a Revista Fórum e o site Brasil 247 por causa de textos que ele considera agressivos.

O ministro também entrou com ação cível contra o jornal Valor Econômico após publicação de reportagem que repercutiu declarações dele durante evento do MEC. Outro processo criminal é movido contra a repórter que assina a reportagem.

No mesmo mês, Weintraub entrou com ação contra o professor Paulo Ghiraldelli Junior, após publicação de crítica ao ministro. Essas ações tramitam na Justiça de São Paulo.

O youtuber Felipe Neto foi processado pelo ministro neste ano, depois de publicações que classificaram o ministro como “vagabundo” e “imbecil”. O processo contra Neto corre na Justiça do Rio de Janeiro.

“Confesso que, assim que li a inicial do processo, minha primeira reação foi dar risada. Ali estava o ministro da Educação, que posta publicamente a opositores no Twitter frases como: ‘Prefiro cuidar dos estábulos, ficaria mais perto da égua sarnenta e desdentada da sua mãe’, me processando por chamá-lo de imbecil e dizer que ele não sabe escrever”, disse Felipe Neto.

Até abril passado, quando Weintraub completou um ano na pasta, 42% das suas postagens no Twitter continham algum tipo de ataque.

Em todas as ações o ministro é defendido ou pelo escritório de advocacia de Victor Metta ou pelo de Auro Hadano Tanaka, ambos nomeados assessores especiais do MEC desde o primeiro semestre de 2019, conforme publicou o jornal O Globo em maio.

Para o diretor da Faculdade de Direito da USP, Floriano de Azevedo Marques, a contratação privada do escritório de um assessor direto não necessariamente contém ilegalidades, contanto que não haja dinheiro público envolvido e os advogados não atuem no processo durante o expediente.

“Se o ministro estiver usando o assessor para sua defesa pessoal, disponibilizando o horário em que é remunerado pela União para seu patrocínio pessoal, estaria caracterizado improbidade administrativa”, disse Marques.

O professor ressalta que a situação de Tanaka é mais delicada, uma vez que o assessor aparece nos processos como defensor de Weintraub. No caso de Metta, é o escritório que tem ele como sócio que consta das ações.

Ambos, com salários de R$ 13,6 mil, fazem parte do grupo mais próximo do ministro e o representam em muitas agendas. Tanaka, por exemplo, acompanha o ministro em alguns encontros com a imprensa.

Ele também defende o ministro na ação do STF sobre o suposto racismo contra chineses. De acordo com a AGU (Advocacia-Geral da União), Weintraub optou por constituir advogado privado.

A AGU, responsável pela defesa do governo, defende o ministro em quatro interpelações judiciais no STF e, desde o início do ano passado, atua ou atuou em 26 processos representando Weintraub.

Procurado, o MEC não respondeu aos questionamentos da Folha sobre as ações e o uso de assessores como advogados. Ao jornal O Globo, em maio, a pasta afirmou que o regime de trabalho dos dois não exige exclusividade, o que permitiria outras atividades.

O ministro do STF Alexandre de Moraes disse ver “indícios de prática” de seis delitos na intervenção de Weintraub na reunião ministerial de 22 de abril. Segundo o Código Penal, o ministro da Educação pode ser enquadrado por difamação e injúria.

“O ministro da Educação não tolera a democracia nem a liberdade de imprensa. Nos processa por causa de um artigo de opinião de um professor universitário e usa um advogado do Ministério da Educação para essa tarefa”, disse o diretor de redação da revista Fórum, Renato Rovai.

A Editora 247, responsável pelo site Brasil 247, informou em nota que causou surpresa o processo movido por Weintraub, “que usa frequentemente sua liberdade de expressão nas redes sociais para atacar e insultar adversários políticos”.

Procurado, Paulo Ghiraldelli Junior​ não respondeu à Folha. O jornal Valor Econômico afirmou que não iria comentar.

POSSÍVEIS CRIMES DE WEINTRAUB
Difamação (art. 139 do Código Penal)
Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação.
Pena prevista: detenção, de 3 meses a 1 ano, e multa

Injúria (art. 140 do Código Penal)
Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro.
Pena prevista: detenção, de 1 a 6 meses, ou multa

Art. 18 da Lei de Segurança Nacional
Tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados.
Pena prevista: reclusão, de 2 a 6 anos

Art. 22 da Lei de Segurança Nacional
Fazer, em público, propaganda: de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social; de discriminação racial, de luta pela violência entre as classes sociais, de perseguição religiosa; de guerra; de qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
Pena prevista: detenção, de 1 a 4 anos

Art. 23 da Lei de Segurança Nacional
Incitar: à subversão da ordem política ou social; à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis; à luta com violência entre as classes sociais; à prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
Pena prevista: reclusão, de 1 a 4 anos

Art. 26 da Lei de Segurança Nacional
Caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação.
Pena prevista: reclusão, de 1 a 4 anos

Folha De S. Paulo