Cotas raciais são compatíveis com meritocracia

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Foto: Reprodução

Zumbi dos Palmares não é herói, nem demônio, mas uma figura histórica sobre a qual pouco se sabe, e que portanto não deveria ter tanta importância para os negros.

Racismo existe, ao contrário do que prega a direita, mas ninguém pode ser impedido de tratar do tema por não ter “lugar de fala”, como defendem diversos esquerdistas.

Cotas raciais são importantes, mas meritocracia também é, e não necessariamente devem ser coisas excludentes.

Esses são alguns dos pontos defendidos por um recém-surgido grupo negro liberal, que quer ser uma alternativa entre as duas posições que costumam polarizar o tema.

De um lado, o movimento negro, com forte influência de partidos e ideologias de esquerda. Do outro, os negacionistas do racismo, representados, inclusive, por alguns “negros de direita”.

“A gente entende que o racismo existe e precisa ser enfrentado, mas não pelos meios que a esquerda coloca. E sem ignorar, como a direita faz”, diz Irapuã Santana, que coordena o recém-lançado setorial Luís Gama, ligado ao grupo liberal Livres.

O nome homenageia o advogado e jornalista negro, ex-escravo, que se tornou um dos principais intelectuais na defesa da abolição. Nascido em 1830 em Salvador, morreu em 1882 em São Paulo, sem ver concretizada a causa pela qual tanto batalhou. O fim da escravidão só viria em 1888.

Mas, no panteão dos heróis do movimento negro, Gama geralmente fica em segundo plano, muito atrás de Zumbi e mesmo de alguns abolicionistas brancos.

“É uma das minhas maiores broncas com o movimento negro, o fato de que Luís Gama não é colocado como um dos maiores brasileiros da história”, afirma Santana, que é doutorando e mestre em Direito Processual pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), além de professor do Centro Universitário de Brasília (Uniceub). Também foi assessor do ministro Luiz Fux no Supremo Tribunal Federal.

O grupo que Santana coordena reúne num primeiro momento duas dezenas de negros que acreditam no liberalismo como ferramenta para superar o racismo e a exclusão social.

“A esquerda sempre viu a questão racial como parte da luta de classes, influenciada pelo marxismo. Para nós, medidas liberais que eliminem privilégios, como a fixação de uma idade mínima na reforma da Previdência, têm efeito muito maior sobre a redução da pobreza entre os negros”, diz ele.

A questão de fundo, afirma Santana, é que a pauta racial, que começou como uma causa liberal no século 19, foi apropriada pela esquerda posteriormente.

Nem por isso ele rejeita de pronto uma das principais bandeiras do movimento negro, e da esquerda em geral, as cotas raciais.

“Pessoalmente, sou favorável às cotas raciais. Do ponto de vista econômico e social, já existem estudos de que elas são efetivas para a inserção do negro”, diz.

E como conjugar isso com a meritocracia, uma pauta liberal por excelência?

“Quando a gente trata da meritocracia, a gente trata do ponto de partida. Quando o ponto de partida é diferente, isso tem de ser levado em conta”, diz. Cotas, nesse sentido, seriam importantes para tornar o ponto de partida mais igual.

Santana diz que a ideia de formar um grupo liberal para discutir a questão negra já existia há tempos, mas ganhou um impulso extra com a repercussão sobre o assassinato de George Floyd nos EUA por um policial branco.

“Essas manifestações são muito importantes, acabam atraindo a atenção da mídia para a questão. A gente precisa aproveitar esses momentos para realizar modificações estruturais”, diz.

Uma destas modificações, afirma, é quanto à violência policial nos EUA e no Brasil.

“A polícia do Rio de Janeiro matou cinco vezes mais do que a americana em 2019, e isso em números absolutos. Foram 253 negros mortos nos EUA, e 1.400 no Rio”, afirma.

Para Santana, a pauta racial sempre sofreu muito com divisões internas.

“Historicamente, o movimento negro americano passou por isso. Martin Luther King foi a única pessoa que conseguiu unir todas as orientações politicas. Essa é uma pauta suprapartidária, não pode ser capturada por um lado ou por outro”, afirma.

Folha