Europa convive com fantasma da 2a onda de covid19

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Foto: Glyn Kirk/AFP

A Europa precisava de uma folga. Ou, pelo menos, era esse o slogan de um programa da Comissão Europeia para estimular o turismo, setor que representa 3,9% do PIB do continente e que foi duramente afetado pela pandemia do novo coronavírus.

Após uma semana do início do verão no hemisfério norte, o saldo é de fronteiras abertas para viajantes de países europeus e agenda de eventos e atrações turísticas dando as caras novamente, além de praias cheias de banhistas que querem exorcizar a sensação de isolamento em decorrência das rígidas medidas que duraram mais de três meses.

Para parte da população, entretanto, o otimismo e os sonhos de verão dão lugar à preocupação com uma segunda onda de contágios pelo coronavírus.

Na quinta (25), a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou sobre o “ressurgimento muito significativo” da Covid-19 na Europa em decorrência da flexibilização progressiva nos países do continente.

Os números da entidade apontam que a região registra, diariamente, quase 20 mil novos casos e 700 mortes pela Covid-19.

No Reino Unido, país europeu mais afetado pela pandemia, multidões lotam as praias para desfrutar a onda de calor que chegou a beirar os 40ºC nesta semana, ignorando as orientações de segurança e as restrições que só devem ser relaxadas a partir de 4 de julho.

Em Bournemouth, no litoral sul, autoridades se disseram chocadas com o que chamaram de “comportamento irresponsável” dos turistas.

Além dos riscos para a saúde pública, os milhares de visitantes obstruíram as estradas, montaram acampamentos ilegais e deixaram toneladas de lixo na areia. A polícia registrou diversos casos de comportamento antissocial e brigas regadas a álcool.

“Aconselhamos fortemente que o público pense duas vezes antes de ir para a área”, disse Sam de Reya, chefe da força policial local.

Na Espanha, o primeiro-ministro Pedro Sánchez disse que o país deve evitar uma segunda onda de contágios “a qualquer custo” e que esta é uma responsabilidade individual e coletiva.

O país registrou um pico de quase mil mortes diárias no início de abril. Desde então, conseguiu achatar a curva de contágios, e autoridades espanholas dizem que o avanço do coronavírus está sob controle.

Com o cancelamento de festas que reúnem milhares de pessoas, como as touradas de São Firmino, em Pamplona, e a parada do orgulho LGBT, em Madri, os espanhóis recorreram às praias quando o governo suspendeu o estado de emergência.

As regiões litorâneas são a aposta da Espanha para reaquecer o turismo. Os preços para hospedagem nos hotéis, porém, são proibitivos para muitos espanhóis, conta Esther Sanz, 36, moradora de Madri.

“Um hotel duas estrelas, por dez dias em julho, por 1.700 euros [R$ 10,4 mil] é uma loucura!”, diz. “É impossível para a classe média espanhola. São preços para ingleses, alemães ou escandinavos.”

Esther ainda pesquisa preços em regiões onde as praias sejam extensas e possibilitem o distanciamento entre os banhistas, mas já pensa em alternativas. “Minhas festas foram todas canceladas. Provavelmente vou acabar indo para casas de amigos ‘Covid-free’.”

Em alguns casos, porém, o cancelamento de eventos não foi suficiente para impedir aglomerações.

Embora as tradicionais festas de São João, por exemplo, tenham sido suspensas, centenas de pessoas se reuniram em cidades espanholas, como Lanjarón, onde até o prefeito foi visto distribuindo beijos e abraços.

Autoridades de Portugal temem que situações semelhantes ocorram em Lisboa durante eventos esportivos programados para as próximas semanas. A capital portuguesa sediará as fases finais da Champions League, a partir de 7 de agosto.

O protocolo sanitário para as partidas, no entanto, ainda não foi informado pela Uefa. A decisão deve caber ao governo, de acordo com o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa.

“Se existir uma situação que indique não haver público, não haverá. Quem manda é o país onde acontece”, disse ele. “Para a economia do país, significa uma promoção que não tem preço.”

Em comparação a outros países europeus, Portugal havia apresentado bons resultados na resposta à pandemia. Na última semana, entretanto, precisou recuar em ao menos três flexibilizações de medidas impostas no combate ao vírus diante do crescimento dos novos casos da Covid-19 em Lisboa.

A partir desta segunda-feira (29), moradores de 19 regiões da capital portuguesa terão que voltar ao confinamento, com permissão para sair de casa apenas para trabalhar e comprar bens essenciais, como alimentos e remédios. Reuniões públicas estão limitadas a 5 pessoas nas áreas mais afetadas, 10 para as demais regiões da capital portuguesa, e 20 no restante do país.

Não se sabe, porém, como as regras serão aplicadas durante os jogos da Champions League.

Para o epidemiologista Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública de Portugal, independentemente dos eventos realizados, os países precisam se certificar de sua capacidade de resposta a um possível aumento de novas infecções.

“Não há nenhum país neste momento que esteja em condições de eliminar a doença. O que precisamos assegurar é que tenhamos um número de casos com o qual nosso sistema de saúde é capaz de lidar”, diz.

Segundo o médico, o problema de Portugal é que houve pouco planejamento. “Não se criaram recursos para uma série de funções, entre as quais, por exemplo, na área da saúde pública, a de profissionais que possam ajudar com os inquéritos epidemiológicos e o rastreamento de contatos”.

Nesse cenário, para o médico, sediar um evento do porte da Champions League não é uma “opção particularmente positiva”.

Grandes eventos também foram cancelados ou adiados na França. O torneio de tênis Roland Garros, por exemplo, aconteceria em maio, mas será disputado de 21 de setembro a 11 de outubro.

O Tour de France, maior evento de ciclismo do mundo, teria início neste sábado (27), mas foi adiado e deve começar em 29 de agosto. A festa tradicional de 14 de julho, feriado francês que comemora o aniversário da Queda da Bastilha, foi mantido, mas com alterações.

Pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra Mundial, não vai haver o desfile militar que começa no Arco do Triunfo e percorre a avenida Champs Elysées, em Paris.

Em substituição, o governo francês fará uma cerimônia na praça da Concórdia com cerca de 4.500 convidados, que devem manter as regras de distanciamento social. Embora o evento deste ano restrinja a participação do público, o Dia da Bastilha tradicionalmente atrai dezenas de milhares de pessoas às ruas.

Autoridades locais estudam formas de garantir a segurança contra o coronavírus, que já matou mais de 29 mil franceses.

Também em Paris, a Torre Eiffel, ícone do turismo e monumento mais visitado da França, reabriu para visitantes na quinta-feira (25), depois de mais de três meses fechada.

Até o final do mês, entretanto, os visitantes deverão subir 674 degraus de escada se quiserem ter acesso a dois dos três andares da torre.

A expectativa é que os elevadores sejam reativados em julho, se a situação de saúde permitir. Enquanto isso, o uso de máscaras é obrigatório, e marcas no chão delimitam distâncias seguras entre os turistas.

Folha