Gestos de Bolsonaro sugerem medo da lei

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Foto: Evaristo Sá/ AFP

Dois eventos distintos esperados – e temidos – por autoridades do governo Jair Bolsonaro ocorreram nos últimos dias. Por ordem cronológica, e não necessariamente de preocupação: o avanço do inquérito das “fake news” e o início de manifestações populares contra o presidente da República. A cúpula do governo sabe de onde surgiram esses riscos, mas ainda não tem a menor ideia de quando eles irão cessar e aonde irão chegar.

O inquérito das “fake news” nasceu em meados de março do ano passado. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, abriu uma sessão plenária da Corte já anunciando sua decisão. Uma nova investigação englobaria, além da disseminação de notícias falsas, ameaças, calúnias, difamações e injúrias que atingissem a honra e a segurança dos integrantes da Corte e seus familiares.

O motivo foi compreendido pelos demais Poderes, sobretudo no Parlamento. Afinal, o STF se tornava alvo de frequentes e virulentos ataques nas redes sociais e em páginas da internet. A forma, contudo, de pronto foi questionada.

O comum é que o Supremo Tribunal Federal abra inquérito quando provocado, mas desta vez a investigação não tem a participação do Ministério Público. Seus críticos também argumentam que se trata de uma iniciativa genérica em relação aos alvos e objetos de investigação. Em vez de sorteio, a relatoria foi entregue diretamente ao ministro Alexandre de Moraes. Outra prática pouco habitual. Tudo conduzido em silêncio.

No entanto, em Brasília dificilmente algo com tamanha importância é mantido sob total sigilo por muito tempo. Sabia-se, por exemplo, em alguns dos mais poderosos gabinetes do Congresso, que as investigações haviam alcançado aliados do presidente e teriam grande impacto político quando se tornassem públicas. Já se esperava que influenciadores digitais e empresários bolsonaristas estivessem entre os potenciais alvos de uma operação, quando a Polícia Federal fosse chamada a agir.

Pois foi o que aconteceu na semana passada. A ação policial ensejou uma das mais agressivas reações do presidente, segundo quem ordens “absurdas” não deveriam mais serem cumpridas.

A expectativa no governo é que o Supremo Tribunal Federal declare na semana que vem a legalidade do inquérito das “fake news”, a despeito de algumas críticas que o caso também possa enfrentar internamente na Corte. Acredita-se que a maioria dos ministros do STF queira dar uma resposta institucional aos ataques vindos da internet, de manifestações em frente à sede do tribunal e do próprio Palácio do Planalto.

O julgamento está marcado para o dia 10. Confirmado esse cenário, Moraes ganhará respaldo de seus pares. Em vez de se expor sozinho à ira bolsonarista, o ministro teria maior legitimidade para prosseguir nas investigações que tanto preocupam o governo. Principalmente porque o caso pode acabar interferindo nos processos que tramitam na Justiça Eleitoral sobre supostas irregularidades praticadas pela chapa vitoriosa na eleição presidencial de 2018. Outro fator que não deve ser desprezado é o fato de Alexandre de Moraes estar assumindo agora uma vaga como ministro titular do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Antes do julgamento previsto para ocorrer no plenário do STF, porém, as atenções das autoridades se voltarão para a Esplanada dos Ministérios e para as principais avenidas das grandes cidades brasileiras. Já há novas mobilizações contra o presidente sendo preparadas para domingo, inclusive na capital federal.

A primeira reação de Bolsonaro foi pedir que seus aliados deixassem de empreender novos atos no mesmo dia. Um raro momento de sensatez: não se pode descartar a possibilidade de a polarização que domina a política ganhar cada vez mais a forma de embate físico entre representantes dos dois polos.

Mas antes mesmo do surgimento de novos focos de movimentos de rua, o governo já temia que a pandemia provocasse um grande aumento da miséria e isso levasse a uma situação de caos social, com a ocorrência de saques e um aumento de crimes violentos.

Entre ministros e militares, sabe-se muito bem que uma fagulha qualquer pode servir de estopim e levar multidões incontroláveis às ruas. Outra característica é uma grande mobilização popular acabar em violência em determinado país e outras partes do globo serem atingidas por uma espécie de onda, na qual o movimento original é replicado, ganha força e demora a ser controlado.

É o risco observado agora. Desta vez, os Estados Unidos aparecem como epicentro da insatisfação popular. Um país governado pelo principal aliado de Bolsonaro e que têm servido de exemplo no Planalto para a condução da política externa e na resolução de algumas questões domésticas.

Aliados próximos do presidente já replicaram recentemente, por exemplo, o discurso de que seria desejável regular a atuação das redes sociais. Esses apoiadores dizem que as plataformas não estão tendo uma atuação neutra.

Não deve demorar para que o mesmo ocorra em relação às recentes declarações do presidente Donald Trump sobre a necessidade de envio de soldados americanos às ruas, caso governadores e prefeitos não coloquem um fim à violência nos protestos antirracistas que se espalharam pelo país. Nas redes sociais já há, aliás, pressão entre perfis bolsonaristas para que haja uma maior repressão a atos contrários ao presidente, sob o argumento de que governadores de oposição se beneficiariam com o crescimento desses movimentos. Tornou-se comum entre eles, também, pedidos generalizados de intervenção das Forças Armadas na segurança pública.

Isso é o que menos interessa aos militares brasileiros. A última vez que eles precisaram garantir a lei e a ordem em um Estado conflagrado e com a polícia politizada foi em fevereiro. Ninguém sairá ganhando se os acontecimentos ocorridos no Ceará, onde a disputa política envolveu a polícia e provocou uma grave crise de insegurança, se repetirem em outros Estados.

Valor Econômico