Joice chama redes bolsonaristas de “quadrilha organizada”

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Foto: Daniel Marenco

Antiga aliada de Jair Bolsonaro e alvo de ataques virtuais de apoiadores do presidente, a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) afirmou ao Sonar que, se tiver continuidade o inquérito das fake news instaurado no Supremo Tribunal Federal (STF), a investigação invariavelmente chegará aos filhos de Bolsonaro. Para ela, a deputada federal Carla Zambelli, integrante da ala bolsonarista do PSL, “deveria estar bem preocupada” com as investigações.

Além das projeções para o inquérito, Joice fez um mea culpa pelos ataques que desferiu no passado à deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), definidos agora como “de péssimo gosto”. A parlamentar se defendeu das informações sem comprovação que disseminava durante a campanha eleitoral de 2018 e afirmou que a máquina de desinformação ficou hoje mais beligerante. Para ela, bolsonaristas estão incitando uma “guerrilha civil”.

As operações da Polícia Federal bateram na porta de pessoas que, segundo a senhora depôs na CPMI das Fake News, fazem parte dessa rede de ataques virtuais. Mas ainda não chegaram ao Eduardo Bolsonaro, que a senhora disse estar amplamente envolvido com esses ataques. Acha que a PF vai alcançá-lo?

Se a investigação for correta e seguir o trâmite da Lei, de buscar quem são as principais células (da rede de ataques), com certeza bate no Eduardo, no Carlos e no Planalto. Algumas pessoas me perguntaram por que eles não estão entre os investigados, com mandado de busca e apreensão. Toda operação policial é assim. Primeiro você pega o lambari, para depois chegar no tubarão. Pega primeiro a turma do crime paralelo para depois chegar na célula. E também por eles serem filhos do presidente da República. Você viu como ele reagiu de maneira ameaçadora quando a investigação chegou no baixo clero. Imagina na hora que chegar nos filhos.

A senhora fez suas próprias apurações dos ataques que recebeu e as mostrou na CPMI. Fora os filhos do presidente, há algum flanco dessa máquina de ataques que as investigações ainda não atacaram?

Ah, tem muita coisa ainda, porque a quadrilha se espalhou pelo Brasil inteiro. A gente tem que começar a apurar esse processo, para saber quem financia, como financia.

Os empresários Luciano Hang, Edgard Corona e Otavio Fakhoury foram alvo das operações. A senhora conviveu com eles quando o PSL ainda não tinha rachado?

Eu não conversava com o presidente sobre eles, mas eu tinha uma relação boa com o Fakhoury. O Luciano também sempre me respeitava. O Corona já encontrei na casa do Flávio Rocha. Ele disse que faria campanha para mim. Honestamente, eu relutava em acreditar que eles estivessem financiando isso. Me perguntaram na CPMI. Sei que eles são bolsonaristas roxos, mas eu nunca vi nenhuma prova (de que eles financiassem os ataques virtuais).

A senhora participava de manifestações pró-Bolsonaro. Algum desses eventos houve financiamento desses empresários que hoje são alvo da PF?

Eu participava de todos os movimentos, não oficialmente, mas quando tinha manifestação de rua eu ia em todos os caminhões de som, até para não dar ciumeira. O que eu sei é que o NasRuas (grupo ligado a Carla Zambelli) tinha financiamento do Fakhoury.

A senhora acredita que as investigações cheguem em Zambelli (PSL-SP)?

Com certeza. Ela tem que estar preocupada, principalmente se pegarem o telefone dela, toda a troca de mensagens.

A senhora hoje faz parte do diretório estadual do PSL em SP, onde o Fakhoury era tesoureiro. A atual direção identificou algum vestígio de que o diretório tivesse sido usado para a máquina de ataques?

Não sei, porque quem está tocando essa parte burocrática é o (Júnior) Bozzella. A briga pelo PSL era por questão de dinheiro. O Jair já me falou diversas vezes que a (executiva) nacional tinha obrigação de mandar dinheiro para a estaduais, que São Paulo (presidida por Eduardo Bolsonaro) e Rio (presidida por Flávio Bolsonaro) tinham que receber pelo menos R$ 10 milhões por mês. E eu pergunto: fazer o que com esse dinheiro? Eles queriam fazer esquema, mas o Luciano Bivar (presidente do PSL) não permitiu.

Desde o seu depoimento na CPMI a senhora teve acesso a outras evidências do funcionamento dessa rede?

Sim, tive mais informações. Encaminhei para o STF, e como o inquérito é sigiloso eu não posso falar. O que posso dizer é que estou me aprofundando muito nas ramificações do gabinete do ódio. Tem uma quadrilha espalhada no Brasil inteiro. Rio Grande do Sul, Ceará, São Paulo e outros estados, além de Brasília. É uma quadrilha altamente organizada. De gente que pensa ativamente e faz parte dessa máquina e de gente que mal sabe.

E como funciona? É uma rede irrigada por dinheiro de contrato público, de salário de gabinete?

Tem contratos públicos e gente que repassa salário de gabinete. O que eles fazem? O deputado contrata assessores que fazem parte dessa ramificação, então você legaliza o crime. A segunda maneira são publicações diretas, como financiamento através de Banco do Brasil, Caixa Federal. E a outra é a subcontratação, através da Secom (Secretaria de Comunicação do governo federal), que contrata uma agência para fazer publicidade. Essa agência, por sua vez, contrata quem quiser, e é nessa subcontratação, teoricamente legal, que eles escolhem parceiros dessa quadrilha. O caso mais emblemático é o do Allan dos Santos (dono do site Terça Livre). Se pedir a quebra de sigilo do Terça Livre, você encontra quem está colocando dinheiro. O governo? Não, mas CNPJs contratados pelo governo.

A senhora vê uma radicalização nesse tipo de operação desde que denunciou o esquema?

Ah eles estão cada vez mais agressivos. Já passaram e muito do limite da crítica, dos crimes contra a honra. Já foram para a incitação da guerrilha. O comportamento é realmente beligerante, mais do que agressivo. Eles estão ameaçando pessoas. Ali não é “oh, estou tirando foto com uma arma”. Eu também sou armamentista, mas não tiro foto com arma mandando recado para o STF. O que o presidente quer é dar o golpe. Isso é claro e notório. Dificilmente vai conseguir isso porque as Forças Armadas não apoiam. Então ele quer incitar uma guerrilha civil, incitado pelo Olavo de Carvalho.

Que tipo de relação a senhora enxerga entre os atos que vêm sendo convocados semanalmente em Brasília e os ataques virtuais, principalmente no Twitter?

Sim, é tudo a mesma gente. Eles fazem isso de forma organizada. É o mesmo bandinho que faz as duas coisas. Eles montam estruturas de atos de guerrilha. Se o Bolsonaro continuar insuflando a guerrilha, ela vai ser feita por meio dessa galera.

Muitas dessas pessoas que foram alvo da PF já agiam desse modo durante as eleições de 2018, apoiando Bolsonaro. O WhatsApp admitiu o envio maciço ilegal de mensagens nas eleições de 2018. A “Folha de S.Paulo” mostrou que empresários apoiadores de Bolsonaro bancaram esse disparo.

A senhora considera que foi beneficiada no passado por essa rede de ataques que a senhora hoje denuncia?

Mas não tinha essa virulência, não. Tinham uns intervencionistas, agrediam as pessoas, agrediam a gente mesmo, mas era um grupo pequeno, a gente achava que era um bando de maluquinho. O que acontece é que agora a ralé do bolsonarismo se juntou a esses malucos. Antes não tinha isso. Até porque a pauta não era do Bolsonaro. Era mais o antipetismo, e as pessoas confundiram. As manifestações eram lindas.

A senhora já fez ataques no passado a adversários, como a deputada Maria do Rosário (PT), por exemplo, e publicou vídeos e mensagens afirmando ter havido fraudes nas urnas eletrônicas em 2018. A senhora não acha que aquele tipo de desinformação questionando a credibilidade eleitoral é também grave como ataques que são feitos hoje contra ministros do STF?

Não, são coisas totalmente diferentes. Eu não publiquei que houve fraudes nas urnas. eu coloquei uma entrevista de um hacker que disse que era possível fazer uma fraude nas urnas. Quando eu era Âncora da revista “Veja”, eu entrevistei um especialista dizendo que era possível fraudar. O que eu fiz foi um trabalho jornalístico.

Tem um vídeo da senhora dizendo que houve fraude das urnas.
Eu reproduzi o que a fonte disse. Inclusive, a fonte se colocou à disposição. Na época, o PSDB fez uma investigação para saber se foi fraude ou não. Essa fonte conversou com gente de dentro do PSDB e me disse.

E sobre o vídeo que a senhora gravou num ringue de boxe, batendo na Maria do Rosário?

É muito diferente. Ali era um programa de humor. Confesso hoje que eu acho de péssimo gosto. Era com o canal Hipócritas, um canal de humor zoeira. E humor é humor. Não era uma coisa que de fato eu estivesse propagando. Mas eu não faria de novo, é de péssimo gosto. A crítica ácida dentro do humor hoje extrapolou. Realmente faço a mea culpa pelo vídeo.

Na terça-feira, a PF fez uma operação contra o governador Wilson Witzel (PSC). Carla Zambelli levantou dúvidas acerca de um vazamento da operação por ter mencionado a ação um dia antes. Acha que ela pode ter tido informações privilegiadas?

Primeiro, ela tem que se explicar. Da forma como a deputada colocou a informação, alguém está cometendo crime. Ela está sendo copartícipe desse crime.

A senhora apresentou um pedido de impeachment do presidente assim que o Sergio Moro pediu demissão do governo. Acha que esse processo deve prosperar em meio a uma pandemia?

Acho complicado prosperar, porque todos nós estamos mais preocupados com a pandemia. O impeachment é bom para o país? Não. Mas o Jair Bolsonaro é menos ainda. Melhor seria o Jair renunciar, porque ele está fazendo estelionato eleitoral. O processo de impeachment vai gerar instabilidade? Vai. Mas nada disso é pior para o Brasil do que o próprio Bolsonaro. Ele é um desastre maior do que dez processos de impeachment juntos. O Brasil não suporta o Bolsonaro até o fim. O Brasil vai falecer.

Para garantir maior governabilidade, inclusive se precavendo contra um eventual processo de impeachment, Bolsonaro se aliou ao Centrão. Como a senhora avalia esse movimento?

Ele está vendendo o governo. Prometeu não fazer isso. E agora ele escolheu não apenas o centrão, mas o pior do centrão. Ele pegou a banda podre, porque ele não tem competência nenhuma para se manter no poder.

O Globo