Moraes pode se declarar impedido em inquérito das fake news

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Undefined

Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) discutem delimitar o objeto do inquérito das fake news no julgamento que decidirá, na próxima quarta-feira (10), se a investigação sobre a disseminação de notícias falsas e ameaças a integrantes da corte está dentro dos parâmetros legais.

Em conversas reservadas, integrantes da corte também avaliam que seria um gesto importante o relator, ministro Alexandre de Moraes, anunciar no plenário, de antemão, seu impedimento para julgar futuras ações judiciais relacionadas ao caso, uma vez que participou diretamente da produção de provas.

A articulação em curso nos bastidores visa sanar vícios, reduzir questionamentos e criar um consenso mínimo sobre ajustes na condução do inquérito para assegurar a formação de maioria em favor da continuidade das apurações.

O acordo que está sendo costurado tem o aval do presidente do STF, Dias Toffoli. A permissão dada nesta semana por Moraes para os investigados terem acesso aos trechos dos autos que lhe dizem respeito foi vista como uma sinalização de que serão feitos ajustes na forma como vem conduzindo o caso.

Uma ala do STF tem sustentado em conversas reservadas que, com ajustes, os ministros ficariam mais confortáveis para permitir o prosseguimento das investigações.

Assim, o tribunal também daria uma demonstração de força em relação ao presidente Jair Bolsonaro, que fez duras críticas à operação desencadeada na semana passada contra blogueiros, apoiadores, empresários e parlamentares ligados ao governo.

Os questionamentos sobre o inquérito, que já foi usado para censurar uma reportagem da revista Crusoé sobre o presidente do STF, surgiram desde que Toffoli o instaurou de ofício em março do ano passado.

A então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, questionou a validade da investigação afirmando que a Constituição não atribuía à corte esse tipo de competência.

Ela defendeu à época que a atuação do Poder Judiciário em instaurar inquérito de ofício e proceder a investigação afeta sua imparcialidade para decidir sobre a materialidade e a autoria das infrações que investigou.

Esse é um dos pontos mais discutidos entre os ministros do STF nas últimas semanas e que levou à articulação para que Moraes se declare impedido de julgar qualquer um dos casos que desdobrem das investigações.

O ministro Edson Fachin, relator da ação que pedia a extinção do inquérito, já havia liberado o caso para julgamento do plenário em maio de 2019. Após a operação, o magistrado reforçou o pedido de inclusão em pauta e foi atendido pelo presidente da corte.

Outro ponto questionado é a escolha de Moraes para tocar o caso sem realização de sorteio de relatoria entre todos integrantes do Supremo, como ocorre geralmente.

Toffoli, porém, usou o artigo 43 do regimento interno da corte, que tem força de lei e trata da polícia do tribunal, para justificar a abertura das investigações. O dispositivo prevê que, caso ocorra “infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal”, o presidente pode instaurar inquérito e designar um relator.

O entendimento de Toffoli e de Moraes é o de que ataques às contas de emails dos ministros e ameaças em meios digitais validam a decisão, uma vez que membro do STF é ministro em “qualquer hora e em qualquer lugar”.

Na visão de dois ministros ouvidos em caráter reservado pela reportagem, como não há meios para sanar eventuais vícios praticados na instauração do inquérito, uma solução é consertar seu rumo enquanto está tramitando.

Um dos principais objetivo da corte é dirimir as críticas de que a apuração sigilosa é tão abrangente que admite qualquer investigação que seja conveniente ao Supremo. E uma solução seria delimitar com mais precisão o objeto do inquérito.

Apesar de a lei permitir a identificação de crimes descobertos no curso da investigação e que não estavam previstos desde o início, há um entendimento de que é necessário adequar o inquérito ao CPP (Código de Processo Penal).

Esta legislação prevê, no artigo 5°, duas formas de início: de ofício ou mediante requisição da autoridade judiciária, do Ministério Público, ou requerimento do ofendido ou seu defensor.

Em todos os casos, tanto a autoridade judicial quanto a policial delimitam objeto e temporalidade. Advogados de alvos recentes do inquérito afirmam que não há a individualização do objeto da investigação nem um marco de tempo.

Este, porém, será um desafio para Moraes. O ministro e seus assessores são os únicos que têm acesso à íntegra do inquérito e caberia a ele apontar os crimes que estão no alvo da investigação. Nem mesmo a PGR tem um olhar completo sobre os autos que já somam mais de 6.000 páginas.

Como o Brasil não tem uma legislação específica para criminalizar as fake news, o magistrado tem adaptado leis que já existem às condutas supostamente criminosas.

Na decisão em que determinou a operação da última semana, por exemplo. quando obrigou o ministro da Educação, Abraham Weintraub, a prestar depoimento à Polícia Federal, Moraes mencionou trechos da Lei de Segurança Nacional que preveem punições severas a quem atentar contra a ordem política e social do país.

Outra estratégia seria recorrer à lei que disciplina as organizações criminosas, mecanismo muito usado na Lava Jato, para tipificar ações dos apoiadores do presidente.

Ou seja, caso não encontre uma prova cabal contra os envolvidos na disseminação das mensagens falsas, o ministro alegaria a existência de um esquema organizado formado por um grupo de pessoas.

A avaliação é que suscitar apenas os crimes contra a honra dos ministros, como injúria, calúnia e difamação, não seria suficiente, uma vez que os delitos têm penas baixas, geralmente convertidas em prestação de serviços à comunidade.

Além das implicações penais, Moraes avaliou internamente que os fatos narrados também podem ter correlação com o processo eleitoral.

Uma das linhas de investigação é a de que uma estrutura montada para apoiar a eleição de Bolsonaro em 2018 foi mantida e utilizada para ataques ao Supremo e ao Congresso.

Prova disso é que o magistrado determinou a quebra dos sigilos bancário e fiscal de empresários investigados no inquérito das fake news a partir de junho de 2018, quando Bolsonaro ainda estava em campanha.

As investigações relacionadas a apoiadores e deputados bolsonaristas são parte de uma série de braços de diferentes apurações dentro do inquérito aberto para investigar ataques e ofensas à corte.

Um dos alvos, segundo as apurações, é o chamado “gabinete do ódio”, que atua no Palácio do Planalto sob a tutela do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente.

Também está sendo investigada a existência de esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar a independência do Poder Judiciário e o Estado de Direito.

Além da investigação sobre fake news, foram enviadas a outras instâncias mais de 70 pedidos de apuração ou de abertura de inquéritos para apurar crimes que vão da ameaça de incendiar o plenário do Supremo e a supostos planos para matar ministros da corte.

Em 14 meses de investigação, Alexandre de Moraes autorizou 18 ações de busca e apreensão, mais de 20 ordens para ouvir testemunhas ou suspeitos e a aplicação de duas medidas restritivas. Todas feitas de maneira sigilosa.

Nos últimos dias, Bolsonaro também tentou reestabelecer pontes com a corte. O ministro da Justiça, André Mendonça, procurou Moraes e Dias Toffoli. Na segunda, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, se encontrou com relator do inquérito.

O presidente tem sido aconselhado por ministros a distensionar o ambiente com Judiciário.

Bolsonaro não reagiu à mensagem do decano da corte, Celso de Mello, a ministros alertando que a “intervenção militar, como pretendida por bolsonaristas e outras lideranças autocráticas que desprezam a liberdade e odeiam a democracia”, nada mais é “senão a instauração, no Brasil, de uma desprezível e abjeta ditadura militar!!!!”.

Ato de ofício
Toffoli abriu o inquérito sem provocação de outro órgão, o que é incomum

Competência
Investigação foi instaurada pelo próprio STF. Críticos argumentam que o órgão que julga não pode ser o mesmo que investiga

Liberdade de expressão
O relator, ministro Alexandre de Moraes, pediu o bloqueio em redes sociais de sete pessoas consideradas “suspeitas de atacar o STF”. A decisão foi criticada por ferir o direito à liberdade de expressão. O mesmo pode ser dito sobre a censura, depois derrubada, aos sites da revista Crusoé e O Antagonista

Folha De S. Paulo