Mortes por covid19 podem estar se estabilizando

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Foto: Pilar Olivares/Reuters

Embora o conjunto de estatísticas da Covid-19 no Brasil esteja longe de autorizar alívio, na casa de 1 milhão de casos e 50 000 mortes, um olhar mais detalhado das cifras permite um ensaio de otimismo: há estabilização. Análise dos dados do Ministério da Saúde feita por VEJA mostra que desde o fim de maio o país mantém uma média de 987 vítimas diárias. Na derradeira semana do mês passado e nas duas primeiras de junho, a expansão de infecções cresceu de 2% a 8%. A título de comparação, a menor taxa, antes dessa, tinha sido de 17% — e em alguns períodos de contagem houve um salto de mais de 90% (veja o quadro). Verificou-se, ainda, queda no índice de contágio pela terceira semana consecutiva. A taxa foi a 1,05, ou seja, cada 100 pessoas contaminadas transmitem o coronavírus para outras 105. É alto ainda, o ideal seria um patamar abaixo de 1, mas em abril estava na casa de terríveis 2,8.

Evidentemente, pode haver mudanças bruscas, mas é possível afirmar, com algum grau de segurança, que o platô está próximo. Platô, na definição científica, é o momento matemático que deflagra a retomada, com direito a gradual saída da quarentena, como está ocorrendo em diversos países do mundo. Não é hora, insista-se, de celebração, mas há oxigênio. O Brasil, de dimensões continentais, exige cuidado. Há a desmontagem de hospitais de campanha em Manaus, mas há também o preocupante esgotamento do sistema público de saúde em Natal. “A epidemia ainda é bastante grave no Brasil, mas certamente o aumento já não é tão exponencial e a situação se aproxima de um ponto de equilíbrio”, disse Michael Ryan, diretor de emergências da OMS, na quarta-feira 17.

O que poderia estar por trás dessa estabilização? Não há um único fator. Sabe-se, contudo, que o distanciamento social, mesmo parcial, foi fundamental. O uso de máscaras também contribuiu. A adequação aos distintos ritmos das diferentes regiões, e mesmo de cidades, colaborou, com a ampliação de leitos para os casos mais graves e o controle minucioso das autoridades de saúde de municípios e estados. A capilaridade do SUS desponta como ferramenta crucial. “Assim como a epidemia não atingiu todo o país ao mesmo tempo, a resposta a ela também não foi uniforme”, diz o epidemiologista Pedro Hallal, reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no Rio Grande do Sul, e coordenador de uma pesquisa sobre o avanço do surto no país.

Um dos resultados do achatamento da curva é o crescente número de recuperados (eram mais de 460 000 na quinta-feira 18). Busca-se entender, agora, se pessoas com atestado positivo para exames de anticorpos estarão realmente imunes. Em tese, sim. Um estudo nacional amplamente divulgado, conduzido pela UFPel, mostrou que a taxa de brasileiros com anticorpos no país é de 2,6% — há regiões com mais, como Rio (7,5%) e Maceió (12,2%). Tal índice é baixo, mas representa alta de 53% em relação aos quinze dias anteriores. Convém, também nesse quesito, entender o que ocorre no exterior. Na Espanha, apenas 5% da população apresenta anticorpos, e as portas se abriram. Em Estocolmo, capital da Suécia, onde o governo evitou tomar medidas drásticas de distanciamento para alcançar a chamada imunidade de rebanho, o índice da população que possui anticorpos é de 7,3% , e lá também há calma à espera do verão.

Para que houvesse certeza da existência de um cinturão coletivo de imunidade, pelo menos 70% da população precisaria ter as defesas deflagradas, depois de contato com o Sars-CoV-2. Chega-se a esse patamar apenas com a vacina. E, ressalve-se, o fato de um cidadão ter anticorpos contra a Covid-19 não é sinônimo de imunidade, ao menos por enquanto. Para conferir imunidade protetora, o corpo precisa produzir um tipo específico de imunoglobulina, chamado anticorpo neutralizante, que impede o vírus de entrar nas células. Ainda não está claro se pessoas recuperadas da doença desenvolvem esses anticorpos. Experiências com animais, contudo, sugerem que os recuperados da infecção não devem ser infectados novamente.

No esforço de tentar reverter a catástrofe econômica provocada pela pandemia, ao menos até a chegada de uma vacina, alguns países estudam adotar uma espécie de “passaporte de imunidade”. Na prática, funcionaria do seguinte modo: pessoas que se recuperaram e testarem positivo para anticorpos contra a doença poderiam voltar ao trabalho, socializar e viajar. Estados Unidos, Alemanha, Itália, China, Chile e Reino Unido estão entre os países que avaliam a adoção da estratégia. Mas especialistas alertam para os riscos associados à ideia. Além, repita-se, de não estar claro se a presença de anticorpos equivale a carimbo de segurança, há sérias preocupações de que esses passaportes possam criar duas classes de cidadãos e fornecer um incentivo perverso para que uns e outros queiram contrair o vírus deliberadamente, por mais inconcebível que pareça. Mas já aconteceu antes. Durante a maior parte do século XIX, a imunidade contra a febre amarela dividiu as pessoas em Nova Orleans, Louisiana, entre as que sobreviveram à doença e as saudáveis. A falta de imunidade era termômetro para liberar casamentos, agilizar empregos e, aos forçados à escravidão, definia o valor dos subjugados. Resume o infectologista e epidemiologista Bruno Scarpellini, pesquisador da PUC do Rio: “A vida voltará totalmente ao normal em duas situações: quando tivermos a confirmação de que a presença de anticorpos na sociedade equivale à ampla imunidade ou com a chegada da vacina”. Enquanto isso, associado aos ventos de liberdade, será compulsório um novo estilo de vida, com distanciamento físico, uso de máscara, o permanente lavar de mãos e, como sugeriu a OMS, “testes, testes e testes”. Além de trabalho duro e boa gestão para garantir a capacidade do sistema de saúde. Há indícios de o Brasil ter tomado a boa estrada.

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