PGR pede dados “estranhos” à Lava Jato

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Foto: Roberto Jayme/ Ascom /TSE

O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu acesso a toda base de dados que a Operação Lava Jato reuniu, no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Curitiba – berço de origem da maior investigação anticorrupção, que tem como um dos artífices o ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro. Entre os dados de interesse, citou bases eleitorais, relatórios de inteligência financeira – os RIFs, do Coaf -, informações sobre doleiros, quebras de sigilo de e-mails, entre outros.

Os ofícios enviados pela PGR, em 13 de maio, aos procuradores da República das três forças-tarefas, Aras informa que a “requisição abrange todas as bases de dados estruturados e não-estruturados utilizadas”. O pedido abrange tudo que a Lava Jato reuniu desde 2014: sobre empresas, pessoas, documentos, que entraram no radar das forças-tarefas ao longo das apurações.

Aras afirmou que é função da PGR atuar na organização e difusão desse material e que decisões passadas da Justiça tornam legal o pedido. “A medida tem respaldo em decisão judicial que determina o compartilhamento de dados sigilosos com a PGR para utilização em processos no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça”, informou Aras, em nota divulgada na sexta-feira, dia 26.

Os pedidos de acesso e compartilhamento de todos os dados da Lava Jato com a PGR provocaram uma crise no Ministério Público Federal, depois que a subprocuradora-geral da República Lindora Araújo – atual chefe da Lava Jato, para os processos no STJ e no STF – foi até Curitiba, com uma equipe do gabinete de Aras, para uma espécie de “busca informal”, de dados.

A visita de Lindora – aliada direta de Aras – provocou reação da força-tarefa da Lava Jato, de Curitiba, que enviou ofício para o PGR registrando “desentendimento” com a subprocuradora-chefe e à Corregedoria-Geral para apuração dos fatos. Os procuradores consideram o pedido abrangente demais. No mesmo dia, quatro membros da Lava Jato na PGR anunciaram a saída do grupo. Houve também forte reação de categorias.

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Fábio George Cruz da Nóbrega, afirmou que o compartilhamento de dados sigilosos é um risco. “O compartilhamento de informações, de dados que não estejam protegidos por sigilo, é importante porque acaba subsidiando a atuação do procurador-geral no STJ e no STF. Inclusive é algo que foi feito nesse tempo todo, por todos os outros procuradores-gerais.”

Segundo ele, o problema que tem gerado “intranquilidade” entre os procuradores das três forças-tarefa da Lava Jato, é sobre o risco de acesso a dados sigilosos.” O acesso de informação em sigilo, aí que parece o ponto nevrálgico da situação, é o que gera uma situação de intranquilidade para os colegas da Lava Jato.”

Segundo o presidente da ANPR, em caso de documentos sigilosos “há necessidade de se juntar justificação de compartilhamento”. “Para que não haja por parte de quem passa essas informações qualquer tipo de responsabilidade criminal ou disciplinar.”

Para Nóbrega, é preciso “cautela” em relação ao compartilhamento desses dados. “Isso pode levar à anulação quando essas provas vieram a ser utilizadas em qualquer tipo de investigação ou ação penal”. Ele defendeu a independência funcional de cada membro do Ministério Público e disse ver com preocupação os pedidos dos membros da Lava Jato na PGR.

“Vemos com muita preocupação as constante saídas de procuradores do grupo da Lava Jato, pois isso prejudica as atividades em curso. De outra ponta, é preciso resguardar a independência funcional de todos os membros do MP”, afirmou o presidente da ANPR. Em janeiro, o subprocurador-geral da República José Adonis Callou de Araújo Sá, o primeiro escolhido por Aras para chefiar a Lava Jato nos processos do STJ e STF – contra alvos com foro privilegiado – pediu para sair menos de dois meses após nomeado.

Em sete anos, são 230 denúncias criminais na Lava Jato, em Curitiba, Rio, São Paulo e no STF nesses sete anos. Só na capital paranaense, berço das apurações, são quase R$ 5 bilhões recuperados.

O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, que foi o primeiro juiz da Lava Jato, em Curitiba, afirmou ver com “estranheza” ação da PGR. “Aparentemente, pretende-se investigar a Operação Lava Jato em Curitiba. Não há nada para esconder nela, embora essa intenção cause estranheza.”

Procuradores ouvidos pela reportagem afirmam que o pedido da PGR é sem precedente e gera riscos para investigadores e para as apurações. Os pedidos de Aras nos ofícios não delimitam o uso específico nem trata sobre dados sigilosos ou não. Requer transferência de toda “base de dados” da Lava Jato, nessas três capitais.

Em ofício assinado pelos 14 procuradores da Lava Jato de Curitiba, a força-tarefa comunica estranhamento gerado na “busca informal” realizada e no uso do nome da Corregedoria do MPF, por Lindora. Na segunda, 29, a corregedora-geral, Elizeta Maria de Paiva Ramos, mandou abrir sindicância.

A PGR negou que houve uma “diligência informal” e sim uma reunião previamente agendada, dentro do processo interno de transferência das bases de dados das forças-tarefas da Lava Jato, formalmente feitos em maio. Aras informou, por meio de nota, que “a Lava Jato, com êxitos obtidos e reconhecidos pela sociedade, não é um órgão autônomo e distinto do Ministério Público Federal”. “Mas sim uma frente de investigação que deve obedecer a todos os princípios e normas internos da instituição.”

Por trás da briga, as disputas internas no MPF elevam o tom do embate jurídico. Aliada de primeira ordem de Aras, Lindora Araújo – que fez a “diligência” em Curitiba – era um dos nomes que disputavam cadeiras no Conselho Superior do MPF. Nesta terça-feira, serão eleitos dois subprocuradores-gerais para o grupo – ela era um dos que disputavam, mas desistiu.

A PGR disse que a visita de Lindora a Curitiba foi previamente agendada, há cerca de um mês, com o coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol. Em nota, informou que “não houve inspeção, mas uma visita de trabalho que visava a obtenção de informações globais sobre o atual estágio das investigações e o acervo da força-tarefa, para solucionar eventuais passivos”.

“Um dos papéis dos órgãos superiores do Ministério Público Federal (MPF) é o de organizar as forças de trabalho. Não se buscou compartilhamento informal de dados, como aventado nas notícias da imprensa, mas compartilhamento formal com acompanhamento de um funcionário da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise (Sppea), órgão vinculado à PGR, conforme ajustado previamente com a equipe da força-tarefa em Curitiba.”

Estadão