Policiais militares adeptos do golpismo são minoria

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A celebração nas redes bolsonaristas de um possível apoio das polícias militares ao presidente Jair Bolsonaro acendeu o alerta sobre o risco de eventual adesão das corporações ao avanço do presidente nas ameaças autoritárias e em sua reação a medidas de outros Poderes. No entanto, ex-comandantes, ouvidores dos órgãos de segurança e promotores que cuidam do controle externo da atividade policial em todo país não consideram a hipótese, de acordo com levantamento feito pelo GLOBO em estados com maior número de policiais.

Foram ouvidos representantes em 16 unidades da federação com tropa superior a oito mil integrantes, e que concentram 88% do efetivo de oficiais e praças na ativa, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Os relatos dão conta de que a simpatia pelo presidente e por suas ideias desde a época da pré-campanha permanece, mas são mencionados o desgaste pela política econômica que impede reajustes, o respeito à instituição centenária da polícia e a percepção de que medidas extremas não teriam eco no corpo da sociedade.

Prestes a denunciar cerca de 300 policiais por participação em motim neste ano, no Ceará, o promotor Sebastião Brasilino vê a politização das polícias como fenômeno vinculado a demandas pessoais e locais, inclusive de candidatura em eleições. Nas investigações sobre o episódio, ele não encontrou o dedo do bolsonarismo nos atos no estado.

— Não há interlocução política maior ou algo conectado com simpatia ou antipatia ao presidente — avalia.

O ex-chefe do Estado Maior da Polícia Militar do Rio, Robson Rodrigues, vê militares mais pragmáticos e temerosos de sofrerem processos.

— Eles se importam mais com as condições materiais de seu dia a dia do que com questões ideológicas, políticas e partidárias. Na prática, quem paga o salário deles e quem pune é o governador — lembra.

Em Minas, que detém o terceiro maior efetivo do país (40 mil), o revés em aumento prometido pelo governo estadual gerou decepção na tropa, que esperava intervenção de Bolsonaro junto ao governador. Grupos de oposição ao presidente elogiam a conduta da PM em protestos.

Sem apelo
Integrante do grupo “Policiais pela Democracia” e filiado ao PT, o ex-ouvidor do Amazonas, João Victor Tayah, lamenta “a presença do bolsonarismo em profundidade nas corporações policiais”, que por isso se tornam mais violentas, em sua visão. Ainda assim, não vê risco de sedução institucional e diz não fazer “parte do histórico da polícia do Amazonas praticar ações autoritárias”.

No Maranhão, militares em folga recepcionavam o pré-candidato à Presidência no aeroporto, mas este movimento teria se desagregado, pela falta de quadros bolsonaristas na política local. Para a ouvidora do Pará, Maria Cristina Fonseca, a presença de nichos bolsonaristas não se coloca mais grave que problemas como excesso de uso da força e intervenção indevida em conflitos agrários. Na Paraíba, “há casos isolados de apoio (a Bolsonaro), que não resultam em insubordinação ou problema que possa atingir a corporação”, segundo o ouvidor-geral Mário Gomes de Araújo.

—Ainda que uma ou outra pessoa tenha mais afinidade, não vemos reflexo nas ações da polícia no dia-a-dia. Os problemas que temos são estruturais, vêm da academia, e se refletem em mais brutalidade e maior imposição da força no tratamento a comunidades carentes — diz o ouvidor de Pernambuco, Jost Paulo Reis e Silva.

Para o ex-secretário de segurança do Paraná, Luiz Fernando Lazari, a lealdade ao governador fala mais alto no estado, por isso não vê risco de policiais “pegarem em armas contra a democracia”. De acordo com o ouvidor de Goiás, Italuzy Toledo, o tema do bolsonarismo nas polícias estará presente no encontro do Fórum Nacional de Ouvidores, previsto para a próxima terça-feira.

Atos com policiais
Dois episódios recentes envolvendo o comportamento da PM em atos pró-bolsonaro foram festejados por apoiadores do presidente e alimentaram a ideia de sedução das tropas. No fim de maio, durante manifestação em São Paulo, policiais pareciam fazer continência aos manifestantes, que reproduziram o ato em redes sociais, entre eles o próprio filho do presidente, Eduardo Bolsonaro. A PM informou que se tratava de homenagem a um policial que era sepultado naquele horário, versão cuja veracidade é confirmada pelo ex-ouvidor de polícia Benedito Mariano, reconhecido por ter atuação independente.

— Os apoiadores do presidente se aproveitaram daquele ato, mas a versão da polícia é verdadeira — diz Mariano, que deixou o cargo em fevereiro deste ano.

O ouvidor relata identificar “cordialidade no trato” por parte de policiais daqueles que se manifestam a favor do governo. Admite haver apoio de policiais aos ideais do presidente, mas nega que o comando estadual — sob o qual estão subordinados 82,3 mil PMs, quase 20% do contingente do país — avalize a iniciativa.

— Não é avalizada pelos comandos, mas também não há iniciativa para mudar esta narrativa — diz.

O segundo episódio ocorreu em Brasília e teve como protagonistas um grupo de bolsonaristas que lançaram rojões contra o edifício do Supremo Tribunal Federal (STF), há duas semanas. Por entender que a PM falhou na missão de garantir a segurança do local, o governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), exonerou do cargo o subcomandante-geral da PM, Sérgio Luiz Ferreira de Souza.

Ao GLOBO, Souza alegou não ser possível controlar “uma avenida aberta”, admitiu ter havido falhas na segurança do espaço, mas disse que policiais impediram que mais fogos fossem lançados contra o prédio. Ele reagiu ao ser perguntado se os policiais simpatizavam com o grupo.

— A decisão do governador foi política, só me resta respeita-la, ele a tomou porque necessária. Mas não há comprometimento da tropa com lados. Temos muito claro qual é nosso dever constitucional, de atuar independentemente de qualquer ideologia —afirmou.

Para o ex-secretário nacional de Segurança Nacional, Ricardo Balestreri, é preocupação permanente dos comandos a necessidade de manter a credibilidade junto à sociedade, por isso não vê risco de sedução antidemocrática em defesa do projeto de um político como Bolsonaro. Favorável à criminalização de motins mas contrário à proibição de sindicalização da categoria, ele cita a existência de movimentos reivindicatórios suprimidos como razão para surgimento de lideranças que considera “oportunistas”. Para o especialista, são pouco representativas do sentimento do policial médio, que não se identifica nem com a esquerda, nem a direita.

— Não temo o risco de adesão institucional. Há risco de envolvimento individual, de segmentos que aderiram a propostas radicais e populistas. Estes precisam ser controlados pelas instituições, zelosas com a disciplina e o uso de arma de fogo — afirma.

O sociólogo e coordenador do Centro de Estudos e Pesquisa em Segurança da PUC-Minas, Luiz Flávio Sapori, vê com preocupação a adesão de praças aos movimentos, arregimentada especialmente por meio de grupos de WhatsApp. Assim como Balastreri, ele defende que governadores exijam de comandantes o redobramento do zelo para que policiais não confundam a atuação privada com a atividade pública.

O Globo