Procuradora do MP do Rio tenta blindar Flavio

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Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

A procuradora de Justiça Soraya Taveira Gaya, do Ministério Público do Rio, emitiu um parecer em 12 de maio deste ano pedindo o restabelecimento da liminar que suspendeu a investigação sobre a suspeita de “rachadinha”, a prática de devolução de salários de assessores, no âmbito do antigo gabinete de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Gaya atua por prerrogativa de função no habeas corpus junto à segunda instância do Tribunal de Justiça do Rio e não faz parte do grupo de promotores do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc) que investiga o senador e Fabrício Queiroz por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

O pedido ainda não foi apreciado na 3ª Câmara Criminal do TJ, e os três desembargadores podem ou não acolher a manifestação da procuradora. Gaya emitiu o parecer depois que a defesa de Flávio fez um pedido semelhante em maio solicitando que o tribunal suspendesse as investigações até a análise do mérito de um habeas corpus apresentado no início de março ou então que o julgamento fosse, enfim, marcado. Neste recurso, o senador questiona a competência do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, para determinar quebra de sigilo bancário e fiscal, além da busca e apreensão nas investigações. Na HC pedido pela advogada Luciana Pires, a defesa sustenta que, como Flávio era deputado estadual no período dos fatos investigados, o juízo competente seria o Órgão Especial do TJ do Rio. Procurada, Luciana Pires disse que não se pronunciará até o julgamento. Soraya Gaya não retornou.

Uma semana depois da apresentação do pedido da defesa, a relatora do HC na 3ª Câmara, a desembargadora Suimei Cavalieri, decidiu em caráter liminar suspender as investigações até que o plenário se manifestasse sobre a questão da competência da 27ª Vara Criminal. Dias depois, Cavalieri reconsiderou sua decisão e manteve o andamento das investigações.

“A realidade é que inexiste lei em sentido formal ou material a conferir ao Paciente (Flávio Bolsonaro) foro por prerrogativa de função perante o Judiciário Fluminense, subsumindo o caso aos critérios de definição de competência do Código de Processo Penal. Não há interpretação razoável que permita forcejar a aplicação da exceção em detrimento da regra, não há lacuna a ser colmatada nas normas legais e, portanto, qualquer ilegalidade a ser sanada”, escreveu Cavalieri, ao reconsiderar sua decisão anterior.

No parecer apresentado no dia 12 de maio, a procuradora Soraya, valendo-se da independência funcional, argumentou a favor do restabelecimento da primeira decisão liminar, que suspendeu o procedimento onde atuam os promotores do Gaecc, ainda em março. Para ela, a suspensão devia valer até que fosse marcado o julgamento e afirmou que uma das alternativas viáveis seria que ele ocorresse de modo virtual.

Desse modo, o caso foi pautado na terça-feira da semana passada. No entanto, a procuradora Kátia Aguiar, que atua junto à 3ª Câmara, pediu para fazer a sustentação oral contrária ao pedido da defesa de Flávio e do parecer de Soraya Gaya, mas a tecnologia disponibilizada pelo tribunal até o momento não permite que seja feita a sustentação à distância. Desse modo, o caso saiu de pauta e o pedido de reconsideração ainda não foi analisado.

Se a 3ª Câmara Criminal decidir que o caso deve ser julgado pelo Órgão Especial, as decisões de quebra de sigilo bancário e fiscal de Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz e outras 100 pessoas podem ser tornadas nulas. O mesmo pode ocorrer com as provas obtidas durante a busca e apreensão nos endereços ligados a Queiroz e familiares de Ana Cristina Siqueira Valle que constaram como assessores de Flávio.

A procuradora Soraya Gaya já tinha se manifestado a favor de que o caso de Flávio fosse julgado no Órgão Especial do TJ em setembro do ano passado, quando a defesa apresentou a questão pela primeira vez. No primeiro parecer, ela escreveu que “existe uma tendência em extirpar o chamado fórum privilegiado, que de privilégio não tem nada, trata-se apenas de um respeito à posição ocupada pela pessoa. Assim, é muito mais aparentemente justo, ser julgado por vários do que apenas por um, fica mais democrático e transparente”, escreveu a procuradora.

No entanto, algum tempo depois, os advogados de Flávio desistiram do recurso para aguardar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a legalidade dos relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que ocorreu em novembro passado. O STF manteve a legalidade do compartilhamento de dados do Coaf e a defesa de Flávio decidiu reapresentar ao TJ do Rio a questão da competência da 27ª Vara Criminal este ano. Novamente a procuradora Soraya Gaya emitiu um parecer contrário à competência de Itabaiana no caso, ainda em março.

Já, naquela época, a colunista Bela Megale revelou que no dia 20 de março, a procuradora, Maria Aparecida Moreira de Araújo, tinha se posicionado de forma contrária à análise de Gaya no habeas corpus.

Desde setembro do ano passado, o Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc) já tinha emitido um parecer no qual os promotores disseram que “desde o cancelamento da Súmula nº 394 pelo STF, no ano de 1999, foi abolida do direito brasileiro a perpetuação do foro por prerrogativa de função após o término do mandato eleitoral”.

Eles ainda ressaltaram que “há pelo menos duas décadas os deputados estaduais não são mais julgados originariamente pelos Tribunais de Justiça depois de cessado o exercício da função”, informou o grupo de promotores na época.

O Gaecc lembrou ainda a decisão do STF, em maio de 2018, aplicou o foro “apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas”. A exceção ficou por conta dos casos nos quais “após o final da instrução processual” a competência ficou prorrogada para evitar manobras que impedissem a sentença, uma vez que o Tribunal já tivesse conhecimento das provas.

Os promotores recordaram ainda que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça julgou caso similar em maio do ano passado e mandou uma ação penal contra o governador do Piauí, Wellington Dias (PT) ser encaminhada para distribuição na primeira instância da Justiça do Piauí. Os fatos relatados na denúncia eram de 2009, em um mandato anterior de Dias no governo.

O Globo