Ricupero: Banco Mundial não é para “militante”

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Foto: FAAP/Divulgação

A repercussão negativa da indicação do agora ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, para a direção do Banco Mundial levou representantes da sociedade civil a assinarem uma carta na qual pedem que a instituição e os embaixadores dos países responsáveis por referendar a escolha rejeitem o nome escolhido pelo governo do presidente Jair Bolsonaro.

No documento, intelectuais, economistas e entidades afirmam que Weintraub “não possui as qualificações éticas, profissionais e morais mínimas para ocupar o assento da 15ª Diretoria Executiva do Banco Mundial”. O nome de Weintraub precisa ser aprovado por países como Colômbia, Filipinas, Equador, República Dominicana, Haiti, Panamá, Suriname e Trinidad e Tobago. Se aceito, o mandato do ex-ministro na instituição irá até 31 de outubro deste ano, quando nova indicação terá de ser feita.

Entre os mais de cinquenta signatários da carta estão entidades como a Conectas Direitos Humanos e a US Network for Democracy in Brazil e pessoas como a historiadora e antropóloga Lília Moritz Schwarcz, o economista Ricardo Henriques, o empresário Philip Yang e o diplomata Rubens Ricupero.

Rícupero foi ministro do Meio Ambiente no governo Itamar Franco e da Fazenda na gestão FHC, embaixador em Roma e secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento). Em entrevista a VEJA, ele afirmou que o cargo de diretor do Banco Mundial “não é destinado a um militante de extrema-direita” como Weintraub e que a ida do ex-ministro da chamada ala ideológica do governo Bolsonaro “pode piorar ainda mais a imagem do Brasil, que já está na lama, na comunidade internacional”.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Como o senhor avalia a indicação do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub para uma diretoria do Banco Mundial?

É inacreditável e lamentável que o governo mande para lá gente como esse Weintraub. Este posto sempre foi ocupado por gente de valor, economistas muito qualificados, como Pedro Malan [ex-ministro da Fazenda no governo FHC]. Com essa nomeação, se destrói pouco do que tinha sobrado da credibilidade externa do Brasil. A credibilidade relacionada à parte política, de meio ambiente, direitos humanos, não existe mais por conta da atuação olavista (que segue as ideias do escritor e filósofo Olavo de Carvalho) do Itamaraty, que votou a favor das sanções impostas pelos Estados Unidos contra Cuba, por exemplo. Mas ainda restava um pouco de prestígio nessas organizações mais técnicas, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Com a nomeação deste indivíduo, até isso vai por água abaixo.

“É inacreditável e lamentável que o governo mande para lá gente como esse Weintraub. Este posto sempre foi ocupado por gente de valor, economistas muito qualificados”

Que tipo de consequências esta nomeação pode trazer?

Cria-se um cenário grave, porque o Banco Mundial é um grande financiador. Embora o Brasil já não dependa muito, como no passado, para estados e municípios, o Banco Mundial é uma fonte extremamente importante de recursos. Em 1993, por exemplo, quando fui ministro Meio Ambiente, quase todo dinheiro que tínhamos era proveniente de um crédito com o Banco Mundial. Ou seja, governadores e prefeitos ficarão na mão de um sujeito incompetente.

A relação do governo federal com estados e municípios já não é das mais amistosas…

Exatamente. Quando fui embaixador nos Estados Unidos, parte do meu cotidiano era discutir empréstimos com governadores, acompanha e dava apoio nas tratativas. Como disse, para muitos governos estaduais e municipais, o Banco Mundial é absolutamente essencial. Que canal de interlocução terão com Weintraub estando lá? Imagine, por exemplo, um governador do Nordeste, como Flávio Dino, do Maranhão. Ele vai esperar ser atendido pelo diretor do banco? Este é o perigo de se ter um militante no cargo. Nestes postos, é vital que haja alguém objetivo e neutro. O representante do Banco Mundial é do Brasil e não do governo federal. Quando se coloca ali um fanático de extrema-direita, teremos muitos problemas. E a tendência é tratar isso como um cabide de empregos.

Por que isso ocorre?

Ao meu ver, isto ocorre por conta de uma lacuna na legislação brasileira. Quando você indica alguém para uma embaixada, essa indicação precisa ser aprovada pelo Senado. Mas isso não ocorre no caso do Banco Mundial, por exemplo. Mas ser diretor do FMI, do Banco Mundial, é incomparavelmente mais importante do que 90% das embaixadas brasileiras no exterior. Não são muitas as embaixadas que são mais vitais que o posto no banco. Você pensa na embaixada em Washington, em Buenos Aires, mas não são muitas. Ou seja, o embaixador do Brasil em Burundi, em Trinidad, precisa da chancela do Senado, mas o diretor do Banco Mundial não?

Historicamente, as indicações brasileiras para o posto não encontraram resistência. Isso pode ocorrer com Weintraub?

De fato, os países responsáveis pela aceitação, ou não, são pequenos, como Haiti, Trinidad e Tobago, por exemplo. Por isso, acabam não criando caso. A não ser que se crie problema por causa das posições de Weintraub. Em anos recentes, o Banco Mundial abriu muitos canais com ONGs, com a sociedade civil, em temas como direitos humanos, povos indígenas. Isso é muito presente nos Estados Unidos. Esse elemento é mais um fator contra o ex-ministro. Na verdade, o presidente do banco, David Malpass, indicado pelo presidente Donald Trump, também denunciava a globalização, as organizações internacionais, mas o Brasil não tem o mesmo poder dos EUA.

“Se Weintraub se comportar no Banco Mundial como se comportou aqui, dizendo que tem ódio da expressão povos indígenas, não há outro caminho que não seja a deterioração da imagem do Brasil”

Na avaliação do senhor, como está a imagem do Brasil no exterior?

Embora a imagem esteja na lama, sempre pode piorar. E provavelmente vai piorar. Se Weintraub se comportar lá como se comportou aqui, dizendo que tem ódio da expressão povos indígenas, não há outro caminho que não seja a deterioração da imagem. Aqui ele diz isso e não acontece muita coisa, mas, se disser numa reunião do Banco Mundial, a repercussão será imensa. Nos EUA, isso tem um peso muito grande pela enorme quantidade de entidades que existem em Washington que acompanham esses temas. Ou ele vai se calar e passar despercebido, ou, se resolver defender suas teses, se aproveitando do fato de estar próximo de seu guru [em alusão a Olavo de Carvalho, que mora na Virgínia, nos Estados Unidos], vai contribuir para agravar ainda mais a imagem do Brasil. Já é ruim, mas sobravam dois ou três lugares. O Brasil sempre defendeu ter peso maior nas decisões do banco, mas para isso ocorrer, tem que haver competência. O prestígio é fruto direto da competência pessoal e técnica. Sabemos, porém que esse homem [Weintraub] não tem competência em coisa alguma. Isso ele mesmo disse na reunião do dia 22 de abril. Ele é da militância, é um sujeito da militância da extrema-direita. O Banco Mundial não é lugar para isso. Mas também não sou capaz de dizer para onde ele deveria ser mandado.

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