Se manifestações contra Bolsonaro começarem ninguém segura

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Foto: Joédson Alves/EFE

Ao longo do domingo, 31, à tarde, com o compartilhamento das imagens dos confrontos entre policiais militares e torcedores de clubes de futebol que protestavam pela democracia e contra Bolsonaro em São Paulo, assessores do Palácio do Planalto começaram a discutir a possibilidade do envio das Forças Armadas, através do mecanismo da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), para reprimir novos protestos. A hipótese foi descartada no final do dia quando ficou óbvio que o incidente havia se encerrado, mas o fato de a hipótese estar na mesa é preocupante.

Desde o início da pandemia do coronavírus, as ruas são território exclusivo dos bolsonaristas. Apesar de desde março a rejeição ao presidente ter subido de 36% para 50% (segundo a pesquisa XP/Ipespe), os antibolsonaristas permanecem em suas casas. Muitos por medo do contágio do coronavírus, outros por picuinhas sobre quem vai liderar o movimento. No domingo, torcidas organizadas do Corinthians, Palmeiras e Santos foram à Avenida Paulista no primeiro ato contra o presidente do ano. Pode ser só o início de um movimento maior, especialmente quando a pandemia arrefecer.

Um eixo na formação militar é a missão das Forças Armadas de impedir a “convulsão social”. Parte fundamental da ojeriza da oficialidade com o PT está na condução considerada “leniente” do governo Dilma Rousseff com as marchas de 2013. As centenas de milhares de pessoas que protestaram então tinham dúzias de motivos para irem às ruas, mas na visão geral dos militares o rastro foi de desordem, saques e depredações.

Por isso o Alto Comando ligou os alertas quando os protestos de rua no Chile quase derrubaram o governo Sebastian Piñera temendo que algo semelhante se repetisse no Brasil. Por isso também muitos olham com atenção redobrada a decisão do presidente Donald Trump de ameaçar usar o Exército para reprimir os protestos antirracistas nos EUA.

Num período em que o governo adota um tom cada semana mais bélico, o risco do uso político da missão de manutenção da lei e da ordem aumenta. As GLO são ações necessariamente episódicas, com área e tempo limitado, com o objetivo explícito de preservar a ordem pública, a integridade da população e garantir o funcionamento regular das instituições. Nessas ações, as Forças Armadas recebem provisoriamente a faculdade de atuar com poder de polícia até o restabelecimento da normalidade, como aconteceu dezenas de vezes no Rio de Janeiro e, recentemente, no Ceará no motim dos policiais militares. Nesses casos, automaticamente as Polícias Militares passam a funcionar como forças auxiliares do Exército. Foi assim de 1992 até agora.

Só que a legislação autoriza o presidente a decretar situação de GLO mesmo sem um pedido formal dos governadores. Em tese, portanto, Bolsonaro poderia enviar legalmente tropas do Exército a São Paulo ou Rio de Janeiro sem ter de informar os governadores João Doria e Wilson Witzel, apenas justificando um descontrole da ordem pública. É uma brecha da legislação que permite ao presidente usar as Forças Armadas para intimidar adversários políticos. Nas circunstâncias atuais, não é algo que se possa descartar.

Democracias são barulhentas. Centenas de milhares de brasileiros foram às ruas pela deposição de Fernando Collor em 1992 e Dilma Rousseff em 2015 e 16. Brasília foi ocupada por 100 mil militantes sem terra em 1997, no governo FHC, e dos sem teto em 2017, no governo Temer. A democracia seguiu.

Eventualmente, a pandemia do coronavírus irá arrefecer e as pessoas voltarão às ruas. Muitas se organizarão contra o governo Bolsonaro. As ruas não podem ter donos e o Exército não pode ser usado para intervir em conflitos por motivação política do presidente. A manutenção da lei e da ordem implica em também preservar a integridade de quem discorda.

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