STF já rastreou financiamento bolsonarista

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Marcos Correa/PR

A Polícia Federal, o Ministério Público Federal (MPF) e o Supremo Tribunal Federal (STF) começaram a fechar o cerco contra os suspeitos de organizar e financiar movimentos antidemocráticos no país. Nesta terça-feira (16/6), o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou a quebra de sigilo bancário de 10 deputados federais e de um senador bolsonaristas, além do cumprimento de 21 mandados de busca e apreensão como parte da Operação Lume (leia reportagem na página ao lado). O pedido de quebra do sigilo partiu da Procuradoria-Geral da República (PGR).

A investigação foi aberta em 20 de abril, a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, e está em andamento no STF por causa da suspeita de envolvimento de parlamentares. O inquérito apura quem organiza e financia grupos que promovem manifestações pedindo o fechamento do Congresso e do STF e a volta do AI-5, medida mais dura da ditadura militar. O presidente Jair Bolsonaro chegou a discursar em um desses atos, em 19 de abril, em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília.

Uma das deputadas que teve o sigilo bancário quebrado, Carla Zambelli (PSL-SP) disse não ter sido notificada oficialmente. “Se alguém espera encontrar algo que me comprometa terá uma grande decepção”, pontuou. Colega de partido, a catarinense Caroline de Toni, por sua vez, disse que tomou conhecimento do fato pela imprensa. “Não há nenhum fato ou fundamento jurídico que a justifique. Não tenho mais dúvida de que estamos vivendo num estado de exceção”, escreveu (veja quadro).

Os outros parlamentares alvo da quebra de sigilo são Bia Kicis (PSL-DF), General Girão (PSL-RN), Daniel Silveira (PSL-RJ), Alê Silva (PSL-MG), Guiga Peixoto (PSL-SP) e Aline Sleutjes (PSL-PR), todos da ala bolsonarista da legenda, além do deputado Otoni de Paula (PSC-RJ), Cabo Junio do Amaral (PSD-MG) e o senador Arolde de Oliveira (PSD-RJ).

Na última segunda-feira, a PF prendeu a extremista Sara Giromini, que se intitula Sara Winter, também no âmbito do mesmo inquérito que atingiu os parlamentares. O pedido de detenção temporária dela e de outras cinco pessoas indicadas como líderes do movimento 300 do Brasil foi expedido por Alexandre de Moraes, em atendimento à PGR. Em depoimento à PF, Sara negou que o grupo tenha conexão com qualquer dos três poderes e disse que o movimento não recebe “nenhum tipo de apoio financeiro ou de outra espécie do governo”.

Em nota, o MPF informou que tem indícios de que o grupo “continua organizando e captando recursos financeiros para ações que se enquadram na Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1983)” e que o objetivo das prisões temporárias é “ouvir os investigados e reunir informações de como funciona o esquema criminoso”.

Os ministros do STF demonstraram preocupação com os movimentos antidemocráticos e a atuação de terceiros para financiar, organizar e impulsionar manifestações do tipo no país. Os magistrados se posicionaram, ontem, na abertura da sessão da Segunda Turma da Corte. O decano Celso de Mello foi enfático ao afirmar que “é preciso resistir com as armas legítimas da Constituição e das leis da República”. “É inconcebível e surpreendente que ainda subsista, na intimidade do aparelho de Estado, um inaceitável resíduo autoritário que insiste, de modo atrevido, em dizer que poderá desrespeitar o cumprimento de ordens judiciais, independentemente de valer-se, como cabe a qualquer cidadão, do sistema recursal previsto pela legislação processual”, afirmou.

Celso de Mello também disse ser essencial “relembrar as lições da história cuja advertência é implacável, como assinalava o saudoso ministro Aliomar Baleeiro em manifestação que, em livre reprodução, lembrava ao nosso país que, enquanto houver cidadãos dispostos a submeter-se ao arbítrio, sempre haverá vocação de ditadores”. “Sem juízes independentes, jamais haverá cidadãos livres.”

A presidente da Segunda Turma, ministra Cármen Lúcia, alertou que os movimentos antidemocráticos são contra o Brasil. “Atentados contra instituições, contra juízes e contra cidadãos que pensam diferente se voltam contra todos, contra o país”, ressaltou. “Que não se cogite que a ação de uns poucos conduzirá a resultado diferente do que é a convivência democrática; que não se cogite que se instalará algum temor ou fraqueza nos integrantes da magistratura brasileira.” Na mesma linha, o ministro Edson Fachin destacou que é preciso “sair da crise sem sair da democracia”.

O STF tem tomado uma série de decisões que contrariaram os interesses do Planalto, como a suspensão da nomeação do delegado Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal, a proibição da expulsão de diplomatas venezuelanos, a limitação do alcance do salvo-conduto a gestores públicos e o entendimento de que prefeitos e governadores têm autonomia para tomar medidas contra o coronavírus. As relações também ficaram estremecidas após a declaração do ministro da Educação, Abraham Weintraub, na reunião ministerial de 22 de abril. O titular da pasta disse que, por ele “botava esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF”. No último domingo, Weintraub furou o bloqueio na Esplanada dos Ministérios e se encontrou com manifestantes em frente ao Ministério da Agricultura. Ao conversar com o grupo, o ministro disse: “Eu já falei a minha opinião, o que faria com esses vagabundos”. No sábado, um grupo de 20 manifestantes bolsonaristas soltou fogos de artifício em direção à sede do STF, enquanto xingavam ministros do tribunal.

PARLAMENTARES

Deputada

Carla Zambelli (PSL-SP)

“Já adianto aqui o estado atual dele (saldo bancário), Alexandre de Moraes. Como pode ver, não sou uma deputada corrupta. Não deveria ser atrás destes que o senhor deveria usar toda esta agilidade?” (a parlamentar postou cópia do saldo, negativo em R$ 5.868,27)

> Deputados

Beatriz Kicis (PSL-DF)
“Mesmo c/ dengue e recomendação médica de repouso, estou, há horas, recebendo ligações de jornalistas pedindo minha manifestação sobre uma quebra de sigilo bancária por ordem do min. Alexandre da qual não fui notificada. Se é real, como a imprensa sabe, e eu e meus advogados, não? Das duas uma: ou a decisão não existe e estou sendo vítima de fake news com prejuízo, inclusive p/ minha saúde; ou existe e houve vazamento p/a imprensa, sem acesso a mim e meus advogados, o que é uma violência.”

Daniel Silveira (PSL-RJ)
“E ainda dizem que a independência e harmonia entre os poderes permanecem… Você acredita? Eu teria de ser milionário para patrocinar uma manifestação. Me linkaram porque eu estive em algumas manifestações como parlamentar, me convidaram, como representante do povo, com poder de fala. Não sei por que classificaram os atos como antidemocráticos.”

Otoni de Paula (PSC-RJ)
“Estou sabendo pela imprensa que o sr. Alexandre de Moraes mandou quebrar meu sigilo bancário. Não fui comunicado. Era só me pedir, que dava a senha. Desafio o ministro Alexandre: caso vocês não encontrem nenhuma irregularidade nas minhas contas, e não irão, desafio o senhor a abrir suas contas pessoais para o conhecimento da Polícia Federal.”

Cabo Junio Amaral (PSL-MG)
“Eu pouco importo para o que verão lá, mas chegamos no extremo. Direitos e garantias fundamentais garantidos, salvo se apoiador do presidente. Inadmitem manifestações espontâneas, sem financiamentos de políticos corruptos (têm muito dinheiro pra doar) e empresas que superfaturam junto ao poder público. Estão mal-acostumados e usam isso pra quebrar nosso sigilo bancário. Reafirmo: a intenção é intimidar e fritar, apenas.”

Alê Silva (PSL-MG)
“Dizem que eu tive o sigilo bancário quebrado. Não precisariam ter esse trabalho, eu mesma forneceria todo o meu Bacen-Jud. Em tempos de covid e com tantas entidades sociais para eu ajudar, quem viu a minha conta deve ter ficado com pena e deixado um cadin de dinheiro lá.”

Guiga Peixoto (PSL-SP)
“A pedido do ministro Alexandre de Moraes o meu sigilo bancário foi quebrado por parte do inquérito que investiga financiamentos de atos antidemocráticos: foram 10 deputados e um senador bolsonaristas. Continuarei trabalhando tranquilo, pois nada devo à Justiça.

Caroline de Toni (PSL-SC)
“Tive conhecimento pela imprensa da quebra do meu sigilo bancário e de mais 10 deputados. Não há nenhum fato ou fundamento jurídico que a justifique. Não tenho mais dúvida de que estamos vivendo num estado de exceção.”

Aline Sleutjes (PSL-PR)
“Não fui notificada em relação a minha quebra de sigilo, inclusive, fiquei sabendo por meio de notícias na imprensa. Reitero meu compromisso com o trabalho sério e transparente, respeitando, acima de tudo, a democracia e a Constituição. Nunca apoiei ou participei de movimentos antidemocráticos e não financiei nenhuma organização que fomenta tais atitudes.”

General Girão (PSL-RN)
“O deputado (…) buscará todas as medidas cabíveis para se contrapor a um ato que configura mais uma atitude de arbitrariedade e totalitarismo — inconcebível e incompatível com o Estado democrático de direito — que agride frontalmente o art. 53 da Constituição Federal: “Os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. O deputado reafirma que tem a sua vida pautada pela lei e pela ética”

Senador
Arolde de Oliveira (PSD-RJ)
“O Partido Social Democrático recebe com surpresa a informação de que o senador Arolde de Oliveira (PSD-RJ) teve seu sigilo quebrado (…). O partido está absolutamente tranquilo sobre a lisura e correção dos atos do senador, acompanhará os desdobramentos e prestará a assistência cabível para que sejam prestados os esclarecimentos necessários. Arolde de Oliveira é um democrata que dedica grande parte de sua vida à política e à defesa dos interesses dos brasileiros,
especialmente dos fluminenses.”

Correio Braziliense