Temer diz que protestos podem derrubar Bolsonaro

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Foto: Silvia Zamboni/Valor – 22/8/2019

“Quem derruba presidente é o povo na rua”. A sentença chama atenção por quem a profere, o ex-presidente Michel Temer, em uma conversa em São Paulo, onde se mantém em isolamento social. Para um dos principais atores do processo de impeachment que acabou com o governo da sua antecessora, Dilma Rousseff, esta é a variável decisiva para se vaticinar sobre a capacidade de Jair Bolsonaro se manter na Presidência até o fim de seu mandato.

O ex-presidente foi alvo de duas denúncias feitas pelo ex-procurador geral da República, Rodrigo Janot, que poderiam ter levado ao seu afastamento, caso fossem acolhidas pelo Congresso. Ele acha que o elemento decisivo para salvá-lo foi o silêncio popular. “Eu não tive povo na rua no meu governo, exceto alguns casos pontuais, contra a reforma da Previdência”. Em relação a Bolsonaro, ele tem dúvidas. “Ele tem povo contra e povo a favor, os dois se manifestando”, comenta.

Temer sente-se honrado pelas manifestações de reconhecimento que Bolsonaro já fez em relação a seu governo e, entre os ex-presidentes, é de longe o mais comedido nas avaliações em relação ao atual chefe de Estado. Mas ficou apreensivo com a radicalização que parte dos próprios apoiadores do presidente. “Algumas manifestações pregam o fim da democracia. É útil que a sociedade faça um alerta. Toda palavra em defesa da democracia é útil nesse momento. O Brasil precisa é de unidade”, diz.

Causou espécie ao ex-presidente a teoria levantada por apoiadores de Bolsonaro de que o artigo 142 da Constituição Federal poderia justificar uma intervenção militar no jogo político. “ As Forças Armadas são um poder, mas subordinado, não autônomo. Elas não podem ser usadas contra o funcionamento de outros poderes, mas podem ser usadas para garanti-los. No caso de algum poder descumprir uma decisão judicial, caberia ao Judiciário recorrer a este artigo, por exemplo”.

Para Temer, “os militares jamais se desviarão dos termos constitucionais. Eles não querem repetir o episódio de 1964 e não vi nenhuma declaração escrita ou oral que não fosse nessa direção”, afirmou, demonstrando não se impressionar com as declarações de tom ameaçador feitas por ministros como Augusto Heleno e Luiz Eduardo Ramos.

O ex-presidente também não crê que Bolsonaro tome qualquer iniciativa de ruptura. “No caso dele a retórica é muito diferente da ação”, comentou.

Ele fala por experiência própria: logo após uma campanha em que o atual presidente repetidas vezes antagonizou China, Argentina e mencionou a transferência da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, Bolsonaro foi recebido por Temer. De forma cordata, pediu um conselho. O ex-presidente fez recomendações apenas sobre a política externa. Aconselhou a ter cuidado com a relação bilateral com a China, a não brigar com os países árabes e a não se fechar para a Argentina. “Em seu governo, ele já esteve na China e em países árabes e não levou a relação com a Argentina a um ponto de ruptura”, disse Temer.

O ex-presidente também cita o reverso da medalha. Há algumas semanas, Temer tomou a iniciativa de telefonar para Bolsonaro. Queria falar sobre pandemia. Quando foi atendido, indagou ao presidente se ele aceitava um conselho sobre o tema. Recomendou a Bolsonaro centralizar em suas mãos o combate à covid-19. Decretar um isolamento nacional rígido por 15 dias, com revisões quinzenais, em coordenação com governadores e representantes dos prefeitos. Chamar para si a liderança no enfrentamento da questão. Bolsonaro concordou com tudo. “No dia seguinte, ele foi para uma feira em Taguatinga”, disse Temer. E a centralização no combate à pandemia nunca foi feita.

A carreira parlamentar de Bolsonaro foi maior que a de Temer. O atual presidente cumpriu sete mandatos como deputado federal. Temer esteve na Câmara na condição de suplente durante duas legislaturas e foi eleito deputado cinco vezes. Ainda assim, o ex-presidente sinaliza pensar que o seu sucessor custou a se dar conta da importância do Legislativo.

“Essa coisa de velha e nova política é eleitoreira, não tem conteúdo. Você tem que trabalhar com o Congresso. O barro é esse”, diz. Neste sentido, vê como alvissareira a chegada de Fábio Faria no Ministério das Comunicações. “Essa foi uma abertura para uma boa interlocução. Se o presidente assentar essa interlocução, depois que passar a pandemia, ele vai até o fim”, acredita.

Valor Econômico