Voto de Fachin sinaliza continuidade do inquérito das fake news

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FOTO: Rosinei Coutinho/SCO/STF

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) começou a analisar, na quarta-feira, 10, a constitucionalidade do chamado ‘inquérito das fake news‘. A investigação tem sofrido forte oposição de apoiadores bolsonaristas e membros do próprio governo após fechar o cerco contra aliados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

O inquérito sigiloso foi iniciado em março do ano passado para apurar notícias falsas, ofensas e ameaças dirigidas aos ministros do Supremo e seus familiares. Desde o início, sofreu forte oposição do Ministério Público Federal (MPF), então chefiado por Raquel Dodge, por ter sido iniciado de ofício (sem provocação de outro órgão). O caso é atípico, porque a Justiça brasileira preserva o princípio acusatório, ou seja, um órgão apresenta a denúncia e outro julga. No inquérito das fake news, contudo, o próprio Supremo, que foi alvo dos ataques e notícias falsas, determinou a abertura das investigações e vai julgar os crimes.

Até o momento, apenas o ministro Edson Fachin votou. Ele avaliou como legal a investigação, desde que seja acompanhada pelo Ministério Público e que se limite às ‘manifestações que denotam risco efetivo ao poder Judiciário, atentando contra poderes constituídos, à democracia e ao Estado Democrático de Direito’. O julgamento será reiniciado na próxima quarta-feira, 17.

O criminalista João Manssur, que representa o empresário Otávio Fakhoury no inquérito, ressalta a defesa de Fachin pelo integral cumprimento da Súmula Vinculante nº 14, o que não estaria ocorrendo, segundo o advogado.

De acordo com a súmula, ‘é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa’.

Manssur também destaca o fato de Fachin ser favorável à retirada do escopo do inquérito de matérias jornalísticas e postagens compartilhadas ou outras manifestações, inclusive pessoais da internet, ‘feitas anonimamente ou não desde que não integrem esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais’.

André Damiani, criminalista especializado em Direito Penal Econômico e sócio fundador do Damiani Sociedade de Advogados, esclarece que todo e qualquer vício verificado na fase investigativa não contamina a ação penal nem se transmite automaticamente à fase judicial.

“O voto do ministro Fachin afastou a nulidade das investigações, estabelecendo balizas e delimitando objeto e objetivos do inquérito, bem como reconhecendo a necessária atuação do Ministério Público e dos defensores — como aliás, requerido pelo próprio procurador-geral da República, que não se opôs à continuidade das investigações. No mesmo sentido, o ministro relator, Alexandre de Moraes, esclareceu que a PGR tem participado regularmente no feito. Por conta disso, as provas coletadas na fase investigativa poderão, sim, ser utilizadas contra os criminosos, mesmo que apoiadores ou integrantes do assim chamado gabinete do ódio”, destaca.

Claudio Bidino, sócio do Bidino & Tórtima Advogados e mestre em Criminologia e Justiça Criminal pela Universidade de Oxford, também elogia o posicionamento de Fachin.

“Ao estabelecer os limites para tramitação do inquérito no STF, ele nos faz lembrar de uma lição basilar que vem sendo esquecida ultimamente: a de que nenhum Poder da República está acima da Constituição Federal”, diz Bidino.

Ainda segundo o advogado, o ministro ‘materializou as exigências constitucionais’ ao defender que o inquérito seja acompanhado pelo Ministério Público, que se respeite o direito dos investigados de acesso aos autos, que se delimite o objeto da investigação e que se observe a liberdade de expressão e de imprensa. “Confere ainda mais força ao STF, para que siga vigilante na proteção dos poderes constituídos e do Estado Democrático de Direito”, conclui.

Adib Abdouni, advogado criminalista e constitucionalista, entende que a maioria da Corte se posicionará pela legalidade da instauração do inquérito a fim de ‘fortalecer a instituição e o próprio Poder Judiciário’.

Contudo, do ponto de vista formal, Abdouni diz que não deixa de ser inusitado o STF instaurar, presidir e dar curso ao inquérito policial em foco, por representar ‘evidente ruptura do sistema acusatório brasileiro’.

“Não compete ao órgão julgador se imiscuir na atividade investigatória, tendo em vista resultar em prejuízo à imparcialidade constitucional que lhe cabe, ao deliberar sobre a formação de culpa dos envolvidos nos fatos objeto da investigação, especialmente porque não incidente a exceção prevista no artigo 43 do Regimento Interno da Corte, aplicável às hipóteses de ocorrência de infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, inocorrente na espécie”, finaliza.

Para Armando de Mesquita Neto, especialista em Direito Criminal e sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados, o voto de Fachin ‘provou que a Constituição Brasileira e a legislação penal pátria possuem todas as armas e ferramentas necessárias para afastar a indústria ilegal das notícias falsas, bem como proteger a integridade do STF, dos ministros e de seus familiares’.

“A liberdade de expressão não é um direito absoluto e não pode se transformar em armadura para malfeitores proferirem impunemente ofensas à Democracia, a qualquer um dos Poderes da República e, em última análise, a qualquer um dos cidadãos desta nação”, enfatiza.

Para o advogado constitucionalista Almino Afonso Fernandes, sócio do Almino Afonso & Lisboa Advogados Associados, o voto do ministro Fachin, ‘é irretocável e, por seus fundamentos, deve ser acompanhado pelos demais ministros, até porque conforme sustentado no seu voto, a Presidência do inquérito penal não é monopólio do Ministério Público, mas sim da polícia judiciária, no caso, da Polícia Federal, que pode realizar investigações e diligências para consecução de seu mister constitucional, sem prejuízo de futuro encaminhamento do resultado das investigações ao órgão ministerial para a instauração da competente ação, cujo monopólio, aí sim, é do Ministério Público’.

Estadão