Voz da Lava Jato, ex-procurador agora acusa Moro

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Foto: Rodolfo Buhrer – 27.jul.2018 /Folhapress

Carlos Fernando dos Santos Lima se aposentou em março passado, após 25 anos no Ministério Público Federal. Desde então, o ex-procurador da República tem se ocupado da reforma no escritório de 100 metros quadrados que pretende inaugurar em Curitiba.

“Estava começando a buscar clientes na área de compliance [medidas anticorrupção], mas infelizmente veio a pandemia”.

Carlos Fernando esteve na origem da Operação Lava Jato, em 2014, e foi um dos líderes da força-tarefa de Curitiba até 2018. Por causa desse passado como investigador, diz que não atuará na área criminal. “Não posso ser um criminalista para desdizer aquilo que eu sempre disse. Procurei uma área que não ofenda o meu passado.”

A preocupação com a reputação da investigação que atuava na linha de frente transparece ao falar do ex-juiz federal Sergio Moro, que abandonou a magistratura e a Lava Jato para integrar o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) como ministro da Justiça.

“Pessoalmente eu manifestei a ele minha dúvida sobre se seria uma decisão correta”, diz. “Eu vejo que num certo momento ela custou muito caro para a Lava Jato, obviamente, como movimento, porque contaminou uma discussão política desnecessária.”

Carlos Fernando considera Bolsonaro a pior pessoa para presidir o país neste momento e só vê um remédio para a situação atual. “Acho que a solução em relação a Bolsonaro é o impeachment. Para mim ele já cometeu crimes de responsabilidade muito maiores e mais graves que a Dilma.”

Como o senhor vê a atual situação do país, enfrentando pandemia e crises econômica e política simultaneamente? Eu acho que a pandemia veio para exacerbar os problemas que nós já tínhamos. O problema político ele já existe, ele é inerente a certos erros da Constituição de 88, que levou ao presidencialismo de coalizão e a um excesso de partidos. Infelizmente hoje não é o momento para discutir isso.

Segundo, nós tivemos o azar de ter a pior pessoa possível neste momento na Presidência da República. Bolsonaro é incapaz de assumir o preço de governar. Nesse atual momento de pandemia, governar é tentar salvar vidas humanas. Ele quer transformar esse fato da natureza numa questão política, jogar o custo dela em cima de governadores e prefeitos. Falta para ele qualquer capacidade mínima para liderar um país num momento difícil.

Como o senhor vê os atos do presidente de desrespeitar orientações de organismos de saúde? Ele não segue as orientações do seu próprio governo e sabota a tentativa de outros que estão tentando fazer o mínimo para diminuir o custo dessa pandemia.

Ele também incentiva atitudes como armar a população. Imagine nessa situação em que temos dificuldade de controlar pessoas que se acham no direito de fazer valer as suas opiniões de forma violenta, se nós armássemos a população? Nós teríamos milícias enfrentando milícias. O que também viola qualquer pacto constitucional.

Bolsonaro está numa política que é genocida e contraria a Constituição Federal. Eu acho que a solução em relação a Bolsonaro é o impeachment. Para mim ele já cometeu crimes de responsabilidade muito maiores e mais graves que a Dilma.

O presidente Bolsonaro foi eleito dizendo que iria por em prática uma nova política. Agora, porém, ele se aliou ao centrão. Como o senhor vê investigados da Lava Jato participando deste governo? O problema do discurso da nova política é que ele é populista em certos termos, porque nosso problema não é uma vontade pessoal de um governante. O nosso problema é o presidencialismo de coalizão, a ausência de partidos democráticos e transparentes em número mínimo que permita que se forme maiorias estáveis, sem precisar daquele toma lá dá cá que o centrão faz.

O Bolsonaro fez um discurso que ele mesmo sabia que ele não iria cumprir. Eu creio que Bolsonaro é essencialmente um mentiroso, mas um mentiroso que mente de forma tão convictamente que ele acredita na própria mentira até o momento em que a desdiz.

A Lava Jato teve papel atuante durante o impeachment da presidente Dilma, sobretudo quando do impedimento da nomeação do ex-presidente Lula para Casa Civil. Durante as eleições, foi divulgada a delação do Antonio Palocci, que atingia o candidato petista à Presidência. As investigações da Lava Jato de alguma forma contribuíram para a eleição do atual presidente? Essa é uma questão interessante. Eu vejo ela de uma maneira muito mais complexa. Quando você tem um fato —e eu pergunto assim para o jornalista— você tem uma investigação jornalística completa, que não é definitiva porque vai se submeter a outras investigações, mas você tem fatos que vão influenciar um determinado episódio, por exemplo a eleição, agir ou não agir é uma decisão política. Muito difícil, porque agir ou não agir vai influenciar a situação.

Dar conhecimento ou não para a população determina resultados diferentes. Você não tem o que fazer, por isso eu digo que a posição do Ministério Público Federal sempre foi de revelar tudo no momento em que aquilo deixe de ser útil para as investigações, porque a população tem que saber.

Agora, Bolsonaro evidentemente surfou na onda anticorrupção. A onda não é responsável pelo surfista. Se há alguém responsável pelo fenômeno Bolsonaro, chama-se Luiz Inácio Lula da Silva. Por dois motivos. Porque vendeu a esperança que o povo depositou no Partido dos Trabalhadores em troca da manutenção do poder através da utilização sistêmica da corrupção política. E elegeu o Bolsonaro quando o escolheu como adversário ideal. Uma polarização que eliminou o centro democrático.

A Lava Jato teve resultados muito mais tímidos durante o governo Bolsonaro do que nos governos do PT e de Michel Temer. Por quê? Eu sempre falei internamento que operação é como um avião. Precisa ter um plano de voo. Tem um momento em que ela vai arrancar, ganhar velocidade, vai alçar voo, se não for abatida ganha altura, atinge voo de cruzeiro, mas toda operação tem que descer, tem que saber como descer. Porque se você não sabe como aterrissar o seu destino é cair. Toda operação vai minguar, porque os assuntos investigados não são eternos.

Moro deixou a magistratura para integrar o governo Bolsonaro. Como o senhor viu essa decisão? Pessoalmente eu manifestei a ele minha dúvida sobre se seria uma decisão correta. Eu manifestei que eu tinha dificuldade com esse governo. Eu vejo que, num certo momento, ela [decisão de Moro] custou muito caro para a Lava Jato, obviamente, como movimento, porque contaminou uma discussão política desnecessária.

Mas eu acho que a esperança de mudança passa por uma mudança legislativa. Nós da Lava Jato sempre soubemos disso. O Sergio Moro acreditou nesta mudança. Mas desde o episódio da ‘rachadinha’ me pareceu claro que o Bolsonaro não tinha compromisso com essa mudança.

Como o senhor esta vendo o papel de Augusto Aras na Procuradoria-Geral da República? Eu sou crítico ao papel dele. Eu creio que existe uma corrida pelo STF [Supremo Tribunal Federal] e nós estamos numa crise das nossas instituições democráticas tão grande que as coisas estão sendo usadas.

Antigamente existia isso de uma forma velada, mas hoje é absurda a corrida para agradar Bolsonaro. O que está havendo é um verdadeiro aparelhamento da Procuradoria-Geral da República em relação ao interesse dessas pessoas em atingir a cadeira do ministro Celso de Mello [que se aposenta neste ano] e as outras cadeiras que vão abrir no futuro.

O presidente Bolsonaro se escora num suposto apoio dos militares para o enfrentamento com outros poderes. O senhor considera a possibilidade de um golpe militar? Eu acreditava que não. Eu não consigo entender que uma instituição que deveria ter aprendido muito com o que aconteceu durante a ditadura, que fosse liderada num momento histórico tão grave por uma pessoa que não representa os valores básicos das Forças Armadas. Entretanto, de repente, por conta dessa polarização política, por conta de movimentos equivocados e até por conta dessa posição ideológica da hierarquia, ‘mesmo que eu caminhe para o meio do inferno eu vou junto porque ele é o meu chefe hierárquico’. Infelizmente está levando os militares para um caminho e manifestações equivocados.

CARLOS FERNANDO DOS SANTOS LIMA, 56
Em 1991 ingressou no Ministério Público do Paraná
Entrou no Ministério Público Federal em 1995
Entre 2003 e 2006 atuou na Operação Banestado, que combateu crimes financeiros
Foi um dos líderes da força-tarefa da Operação Lava Jato, entre 2014 e 2018
Aposentou-se em março de 2019

Folha De S. Paulo