Bolsonaro pode ter contaminado pessoas ao anunciar doença

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Reprodução

Durante o anúncio de que foi infectado pelo novo coronavírus, feito no Palácio da Alvorada, Jair Bolsonaro disse que estava tomando medidas protocolares para evitar a contaminação de terceiros, mas o presidente não manteve distanciamento dos jornalistas, que posicionaram os microfones a poucos centímetros do presidente. Mesmo com o uso de máscara, especialistas recomendam um afastamento de pelo menos 1,5 metro.

No fim da entrevista na qual fez o anúncio do diagnóstico, o presidente se afastou dos jornalistas e tirou a proteção facial. “Espera um pouco que vou afastar aqui para vocês verem minha cara. Estou bem, tranquilo, graças a deus”, disse o presidente após tirar a máscara do rosto para seguir a entrevista.

Pessoas infectadas expelem o novo coronavírus enquanto falam, espirram ou tossem. Gotículas maiores de saliva e aerossóis, partículas líquidas menores que podem ficar suspensas no ar e ser inaladas por pessoas nas proximidades, podem carregar o vírus ativo, segundo estudos publicados recentemente.

Testes têm demonstrado que máscaras caseiras feitas de diversos tipos de tecido podem funcionar como uma barreira para conter a disseminação das partículas, mas nenhuma delas é capaz de fornecer proteção completa, principalmente com relação às partículas menores que podem passar pelo tecido com maior facilidade.

Para Cristhieni Rodrigues, infectologista do Hospital Santa Paula, em São Paulo, a maneira como o anúncio do diagnóstico foi feito não é a ideal no contexto da pandemia. “A máscara diminui a emissão de partículas de saliva que contém o vírus durante a fala, mas não oferece uma proteção completa. O ideal é também ficar afastado de outras pessoas”, afirma a médica.

A máscara deveria ter permanecido no rosto durante toda a entrevista e o presidente deveria ter mantido distância de 1,5 metro dos jornalistas, usando um microfone que seria higienizado logo após a coletiva.

“O correto para ele agora é manter distanciamento, ficar em casa e evitar circular durante esse período”, completou.

“Quando há o diagnóstico, a recomendação é o isolamento. Ele poderia ter feito a entrevista por vídeo, de casa. Não havia motivos para estar presencialmente ali, com os jornalistas”, afirma Natália Pasternak, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e presidente do Instituto Questão de Ciência.

“Máscaras e distanciamento físico reduzem a probabilidade de transmissão do vírus, mas não zeram essa possibilidade. Houve risco para quem estava ali”, completa.

Segundo a pesquisadora, o fato de o presidente dizer que toma precauções, mas falhar ao seguir as recomendações médicas passa uma mensagem confusa para a população.

O infectologista e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) Leonardo Weissmann concorda que a mensagem passada pode ser negativa. “Especialistas pedem que as pessoas usem máscara para sair de casa. Foi um mau exemplo. Seria melhor se ele tivesse mantido a máscara no rosto o tempo todo”, afirmou. “Pelo menos ele se afastou quando tirou a proteção”, lembrou o médico.

“Bolsonaro comete mais um crime”, defende a ABI (Associação Brasileira de Imprensa) em nota. A organização afirma que o presidente teria infringido os artigos 131 e 132 do Código Penal. As normas penalizam quem praticar ato capaz de produzir o contágio ou colocar a saúde de outras pessoas em perigo.

“Não é possível que o país assista sem reação a sucessivos comportamentos que vão além da irresponsabilidade e configuram claros crimes contra a saúde pública”, diz a entidade. Segundo a nota, a ABI está entrando com uma notícia-crime no Supremo Tribunal Federal contra o presidente.

Bolsonaro seguiu defendendo que as medidas de distanciamento social impostas por governos locais em diversas partes do país para conter o avanço da pandemia pelo Brasil teriam efeitos piores do que os da Covid-19.

Dados do estado de São Paulo divulgadoes em maio mostraram que cerca de 26% dos mortos pela Covid-19 no estado tem menos de 60 anos de idade.

O exame que detectou a presença do vírus no presidente foi feito na noite da segunda-feira (6).

Folha