Com Brasil se isolando, permanência de Salles é mistério

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Jorge William / Agência O Globo

A pergunta mais intrigante sobre o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles não é quando ou se ele irá cair do governo. A questão é por que ele permanece.

Salles, que desde o início da gestão fez o que o presidente Jair Bolsonaro queria – desmontar o que fosse possível na área ambiental, retirar a voz das organizações da sociedade civil, acabar com a “indústria da multagem”- deu a si mesmo um golpe de misericórdia na reunião ministerial de abril.

Faça o que fizer, será difícil retirar de sua biografia a frase que o governo deveria aproveitar o foco da imprensa na pandemia e “passar a boiada” para afrouxar a legislação ambiental. Ele se justifica dizendo que se expressou assim porque não se imaginava que a reunião se tornaria pública. Ou seja: o conselho de aproveitar a oportunidade da distração da mídia com milhares de brasileiros mortos era para ser compartilhado apenas com o alto escalão do governo. A explicação piora o que foi dito. Mas Salles não caiu.

Some-se a isso 18 meses sem salvar uma araucária que seja, reduzir emissões de gases-estufa ou ajudar com as perdas socioambientais do derramamento de óleo na costa brasileira. Celeridade só na demissão de fiscais do Ibama que foram à Amazônia fazer o que se espera deles – conter ações ilegais.

Há nove dias, uma carta assinada por 29 instituições financeiras que gerenciam US$ 3,7 trilhões em ativos, alertou o governo que ou segura o desmatamento ou enfrenta a dúvida de investidores sobre colocar recursos no Brasil entre outros sustos. Agora já são 32 investidores com patrimônio alcançando US$ 4,5 trilhões.

Enquanto o grupo de investidores cresce, na Casa Civil e nas pastas da Agricultura e Economia, trata-se de correr para apagar o incêndio. Ontem, executivos do maior fundo de pensão da Noruega, o KLP, tiveram um encontro virtual com os pares brasileiros do Banco Central. O governo Bolsonaro prepara carta, conversas e um pacote de medidas para mostrar que não é nada disso e que está muito preocupado com o meio ambiente, os índios, os quilombolas e a mudança do clima.

Mas Salles, justiça seja feita, não tem nada com isso. Ele assumiu uma pasta que Bolsonaro queria extinta. Depois, pressionado pelo agronegócio, o mandatário pensou melhor e resolveu fundir com a Agricultura. Pensou uma terceira vez e decidiu manter, desde que, esquartejada. O Serviço Florestal Brasileiro, por exemplo, a quem cabe controlar a implementação do Código Florestal foi para a agricultura e é dirigido pelo ruralista Valdir Colatto. O ex-deputado é contra a ratificação pelo Congresso do Protocolo de Nagoya, em um retrocesso de quase dez anos na agenda da biodiversidade.

A Amazônia ficou solta à própria sorte, porque Salles logo avisou que não era sua prioridade. Tratou de desmontar o Fundo Amazônia, o maior mecanismo de compensação pelos esforços brasileiros em conter o desmatamento, com dinheiro doado.

Depois dos incêndios na floresta de 2019, Bolsonaro destinou o que representa metade do território brasileiro ao vice-presidente Hamilton Mourão, que trata, constrangido, de voltar a pedir recursos à Alemanha e Noruega.

Salles vem surfando agora na “agenda positiva”. Desenterrou a proposta de pagamento por serviços ambientais, projeto desenhado e acertado na gestão passada, e prepara um plano para que empresas paguem para preservar unidades de conservação na Amazônia. Mas com qual credibilidade?

Talvez Salles siga no governo como “boi de piranha” caso se confirme a alta no desmatamento e a intensidade no número de incêndios. Sua cabeça, então, poderá servir como um sinal de Bolsonaro à comunidade internacional.

Valor Econômico