Cristovam Buarque diz que Dilma era pior que Bolsonaro

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Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

“Onde erramos?”, questionou o ex-senador Cristovam Buarque em uma rede social nesta quarta (8). A publicação fez com que a palavra erramos figurasse nos assuntos mais comentados do Twitter. Internautas usaram a pergunta para criticar o também ex-ministro de Lula e apontar como erro o fato de ele ter apoiado o impeachment de Dilma Rousseff em 2016 .

“É ridículo achar que tirar a Dilma elegeu o Bolsonaro. Posso dizer que se ela tivesse chegado até o final, seria pior ainda o resultado”, afirma Buarque à coluna. “O impeachment [da petista] não tem nada a ver com a eleição dele [o ex-capitão reformado].”

“Se ela ficasse, resultado eleitoral seria pior para o PT, nem chegaria ao segundo turno com o Haddad, segue ele, referindo-se às eleições de 2018.

O ex-parlamentar diz que a sua postagem no Twitter foi motivada pelo vídeo em que o presidente Jair Bolsonaro engole um comprimido de hidroxicloroquina, divulgado na terça (7) após ele anunciar que foi diagnosticado com Covid-19.

 

“Perguntei, onde nós erramos para ter um presidente obscurantista e genocida como este? Em 2018 elegemos o desastre Bolsonaro”, explica Buarque. “Onde nós erramos para ele ter chegado lá [ao Palácio do Planalto] com 57 milhões de votos? Ele não chegou em cima de tanques de guerra, e sim eleito por eleitores com repúdio a nós.”

Por “nós”, ele se refere ao que chama de “democratas progressistas” que “são todos os que governaram o Brasil de Itamar [Franco] a [Michel] Temer”.

“Incluí eu, a pessoa que fala. Ficamos 26 anos no poder, e quando saímos deixamos 6 milhões sem esgoto, 35 milhões sem água encanada, 12 milhões de analfabetos –talvez 70 milhões de analfabetos funcionais. Deixamos a educação brasileira entre as piores do mundo”, segue o ex-parlamentar, que não foi reeleito em 2018. “Deixamos uma marca de corrupção. Não atendemos ao que a população esperava.”

A pergunta postada na rede social também faz referência ao seu livro “Por Que Falhamos: O Brasil de 1992 a 2018”, em que Buarque analisa o cenário político no período que dá título à obra. “Cada um lê achando que é uma crítica para si”, afirma.

“A maioria que lê [o livro], ou que não lê porque se nega [a fazê-lo], diz: ‘Nós, não! Foram vocês, os outros’. O PSDB diz foi o Lula, a Dilma. Eu acho que isso é uma visão equivocada. Nós somos os responsáveis pelos erros, omissões e incompetência”, diz ele.

Ele aponta o culto à personalidade de líderes políticos e de partidos como um dos equívocos. “Dentro do meu próprio partido tem um culto ao Roberto Freire [presidente nacional do Cidadania, sucessor do PPS]. Outro exemplo: a pessoa em quem tenho votado para presidente. Dentro da Rede tem o culto à personalidade da Marina [Silva]”, emenda.

“Existe um bloqueio da militância em contestar os líderes. Esse é um dos erros que levou à eleição do Bolsonaro.”

Buarque também afirma que “nós cooptamos as universidades e os intelectuais”.

“Os intelectuais progressistas não criticavam os nossos governos. Nossos governos colocaram dinheiros em estádios em vez de escolas. Não houve manifestação universitária contra isso”, segue. “O DF teve o estádio mais caro da Copa do Mundo, o Mané Garrincha. Custou R$ 2 bilhões. Aqui nem futebol tem direito. Não houve uma crítica da UNB [Universidade de Brasília] salvo a minha.”

“A universidade deixou de alertar para os riscos que nós, democratas progressistas, cometemos ao longo desses 26 anos. É um quarto de século. É o grupo que mais tempo ficou no poder. Os militares ficaram 21 anos. Getúlio [Vargas] ficou menos de 20 anos.”

O ex-senador diz não estar acompanhando a repercussão da sua postagem desta quarta. “Que ótimo!” foi a sua resposta ao ser informado pela reportagem que a publicação constava entre os assuntos mais comentados do Twitter.

“Eu decidi fazer uma coisa inteligente, que me evita problemas mentais: não leio comentários. É estressante ler agressões”, afirma ele. Segundo o ex-ministro, isso começou na época em que ele decidiu votar a favor do impeachment de Dilma. “Prefiro não olhar [o que falam sobre ele nas redes sociais] do que ter comprar tranquilizante e ter que ir para psicanalista”, brinca.

“Quando vi as agressões às minhas netas quando votei pelo impeachment, decidi que não vou mais olhar. Esse gabinete do ódio já existia antes do Bolsonaro. Eu fui vítima”, afirma Buarque.

“Qualquer pessoa tem o direito de dizer que o impeachment foi injusto, mas não tem o direito de dizer que foi golpe. Dizer que foi justo ou injusto é uma questão de opção. Dizer que foi golpe é uma questão de lógica”, defende o ex-senador.

“Eu fui um dos 61 [a favor] contra 20 [contrários ao impedimento], então o meu não foi determinante. Segundo: eu votei por um constrangimento moral. Zelo muito pela minha coerência. Passei dois anos dizendo, inclusive à Dilma, de que ela estava cometendo crime de responsabilidade. Fiz relatório sobre isso”, conta.

“Se eu votasse contra o impeachment, ia ser tido como incoerente. Passei a ser acusado de golpista. Mas se eu votasse contra o impeachment eu ia ser motivo de gozação. Prefiro ser chamado de golpista com seriedade do que ser ridicularizado por incoerência.”

Ele atualmente chama o voto pelo impedimento da petista de “erro emocional”. “Ver as minhas netas sendo agredidas, eu ser chamado de golpista, não poder ir mais à universidades. A UNB é a minha casa e não vou mais lá. Isso claro que me afeta”, diz.
“Por causa disso, perdi dezenas de amigos, eleitores, leitores. Mas foi um acerto moral, no sentido de votar com a minha coerência. Sempre fiquei com a moralidade na frente da emoção, da frente da política.”

“Mas quando você faz um erro emocional por um constrangimento moral, não tem como se arrepender”, segue.

“Às vezes, depois que eu vejo o preço que paguei, às vezes digo: ‘Meu Deus, ainda bem que eu tive coragem. Se fosse hoje, era capaz de eu não ter coragem’. Hoje, se o voto não fosse esse [pelo impeachment] era por falta de coragem, e não por arrependimento.”

Folha