Lava Jato põe em xeque futuro do PSDB

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Foto: Fátima Meira/Futura Press

Há pouco mais de vinte anos, em 1999, Fernando Henrique Cardoso assumia o seu segundo mandato na Presidência da República. Era o ápice do PSDB, nascido em 1988 na esteira da redemocratização do país, processo que ajudou a conduzir sob a liderança de pesos-pesados como o próprio FHC, Franco Montoro e Mário Covas. Àquela altura, o partido somava 99 deputados federais, treze senadores, sete governadores e 933 prefeitos. O futuro parecia brilhante, porque a sigla tinha nomes promissores como José Serra, ministro da Saúde, Geraldo Alckmin, vice de Covas, e Aécio Neves, neto de Tancredo, que dois anos depois seria presidente da Câmara. A força deles se confirmou nas urnas. Serra foi prefeito, governador de São Paulo e senador; Alckmin obteve três mandatos para o Palácio dos Bandeirantes; Aécio governou Minas Gerais duas vezes e foi senador. Mas o trio no qual os sociais-democratas depositavam as suas esperanças sucumbiu nas cinco eleições presidenciais seguintes. Serra perdeu em 2002 e 2010, Alckmin em 2006 e 2018 e Aécio em 2014. Pior: com o avanço da Operação Lava-Jato, os três grão-tucanos entraram na mira da Justiça e, com isso, coroaram a atual fase de ocaso do PSDB.

Os casos de Serra e Alckmin engrossaram em julho. O primeiro foi alvo de duas operações da Polícia Federal e de uma denúncia por lavagem de dinheiro, aceita pela Justiça na quarta-feira 29, o que o colocou no banco dos réus. O Ministério Público afirma que o senador recebeu 4,5 milhões de reais da Odebrecht em contas na Suíça, controladas por um operador, e que o dinheiro foi remetido à sua filha, Verônica, que também virou ré. Além disso, o braço eleitoral da Lava-Jato o investiga pelo suposto recebimento de 5 milhões de reais em caixa dois em 2014. Já Alckmin foi denunciado por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica eleitoral. Os promotores o acusam de receber 11,3 milhões de reais da Odebrecht em 2010 e 2014. Segundo a denúncia, Alckmin tinha o codinome “Belém” no sistema de pagamentos da empreiteira e os valores foram entregues a emissários dele mediante senhas como “pastel”, “pudim” e “chocolate”. Aécio vive seu inferno desde 2017, quando Joesley Batista, dono da JBS, o gravou pedindo 2 milhões de reais. A situação ficou ainda mais constrangedora com imagens de malas de dinheiro entregues a um primo de Aécio. Hoje deputado federal, também é réu na Justiça Federal. Nos últimos dias, lideranças do partido saíram timidamente em defesa de Serra e Alckmin. As vozes costumam se calar em relação a Aécio, tido como o caso mais problemático do trio.

Ainda que esteja longe dos seus tempos de glória, a sigla ostenta os seus trunfos, como o Estado de São Paulo, que governa desde 1995, e a capilaridade municipal: controla 702 prefeitos, incluindo os de oito capitais. “Temos ambição de crescer não só em número de prefeituras, mas em número de habitantes em cidades com prefeitos tucanos. Nesse sentido, manter São Paulo e outras capitais acaba sendo mais representativo”, diz o deputado Beto Pereira (MS), secretário-geral do PSDB. Já com vistas a 2022, o grupo de Doria aposta em uma aproximação com o MDB e o DEM e ficou animado nesta semana, quando os dois partidos romperam com o bloco do Centrão. O movimento foi visto como senha para uma aproximação não apenas no Legislativo mas também para a convergência em uma candidatura presidencial única daqui a dois anos.

Doria, de fato, é a grande e maior liderança do PSDB atualmente. Ele não assume publicamente o desejo de se mudar para o Palácio do Planalto, mas de todos os nomes é o que demonstra maior potencial (e cada passo seu hoje é calculado nessa direção). O problema, até aqui, é seu tímido desempenho em pesquisas para 2022 (não passa de 5%). Nem mesmo a atuação durante a pandemia, talvez a melhor de um político brasileiro, foi capaz de catapultar sua performance. “O campo político em que Doria atua depende de uma tragédia da gestão Bolsonaro. Se o governo mantiver 30% de aprovação, não terá espaço”, avalia um deputado tucano. “O mais racional é que alternativas de centro tentem negociar em torno de uma candidatura comum. Eu não descartaria Doria e Moro juntos”, afirma o cientista político Carlos Pereira, da FGV, referindo-se ao ex-juiz e ex-ministro, outro que ainda não assumiu suas pretensões eleitorais para a sucessão de Jair Bolsonaro.

A missão do governador paulista é difícil por vários motivos, inclusive porque existem resistências a ele dentro da própria sigla. Se for ungido candidato ao Planalto, terá de carregar ainda o fardo das acusações contra três ex-presidenciáveis da legenda. Além disso, precisa superar o fiasco de 2018, quando Alckmin teve o pior desempenho de um presidenciável tucano — 4,76% dos votos — e o PSDB se tornou uma sigla média no Congresso, com 31 deputados e sete senadores. O resultado levou o partido ao divã, com direito a uma pesquisa para apurar se deveria mudar até de nome. O levantamento concluiu que a sigla será mantida, mas o tucano, visto como um símbolo da indecisão que caracteriza a legenda, foi eliminado das redes sociais do PSDB. Diante da demanda por nacionalizar a legenda, a nova marca incorporou o verde e o branco ao azul e amarelo. “Um olhar imediato mostra que a marca PSDB, assim como a do PT, está chamuscada, mas os partidos devem pensar estrategicamente, que o nome tem um peso e que não valeria a pena jogá-lo fora, mesmo machucado”, diz o cientista político Rui Tavares Maluf.

Outra questão a ser definida é qual discurso o PSDB pretende apresentar em 2022. Por suas pautas, trajetória e posicionamento, o governador de São Paulo leva o partido para a centro-direita do espectro político (hoje ocupada por Bolsonaro). Ele até vem adaptando algumas dessas ideias, mas não será tarefa fácil atrair contingentes da esquerda com seu figurino. “Se quiser se fortalecer, se revigorar para disputar eleições com condições, o PSDB terá que se aproximar muito dos mais pobres, dos desvalidos, dos desempregados, das mulheres e dos jovens”, afirma. Na sigla, há quem sonhe em rejuvenescer o velho ideário social-democrata que embasou a criação da legenda, como o governador Eduardo Leite (RS), uma liderança crescente. “Sempre fomos de um centro progressista, mas, com a ausência de posições e a polarização, fomos sendo empurrados para a direita”, diz um aliado do prefeito paulistano Bruno Covas, outro identificado com as origens. O problema é que hoje esse ideário não encontra tanto eco no eleitorado. Espremidos entre Bolsonaro e a esquerda, divididos entre tantas alas divergentes, com um passivo de imagem em relação à corrupção, os tucanos terão muita dificuldade para voar bonito novamente.

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