Militares em geral odeiam STF

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Foto: Leo Pinheiro/Valor – 28/3/2019

Irritados com a declaração de Gilmar Mendes, que associou as Forças Armadas a um “genocídio” em razão das mais de 75 mil mortes pela covid-19, militares passaram a repudiar com veemência o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e a Corte constitucional. Em grupos de WhatsApp, oficiais da cúpula da corporação têm dúvidas sobre a viabilidade da permanência do general Eduardo Pazuello – atacado por Gilmar – à frente do Ministério da Saúde. Mas um ponto em comum é a crítica ao STF, dentro e fora de aplicativos e redes sociais. Presidente do Clube Militar, instituição que costuma vocalizar o clima de opinião da caserna, o general Eduardo José Barbosa afirma que a fala do magistrado é criminosa – “Ele é conhecido como o ministro que mais soltou corruptos no Brasil” – e que as decisões da Corte são, em regra, politizadas e corporativas.

Se Pazuello não é médico para estar no comando da Pasta da Saúde, argumenta, tampouco a maioria dos ministros do STF é de juízes concursados. “Dos 11 que tem lá, nove nunca foram nem juízes. Gilmar Mendes é um deles. Um, inclusive, [o presidente da Corte, Dias Toffoli] era advogado de um partido político [PT]. Então, se for ver a composição do Supremo ele está muito politizado”, afirma o presidente do Clube Militar.

A posição de Eduardo Barbosa é semelhante à que o professor titular de história da UFRJ Francisco Teixeira observa entre um grupo de 11 oficiais, ex-alunos da Escola Superior de Guerra (ESG) e da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), dos quais foi orientador no mestrado e doutorado. “O traço comum é que todos são radicalmente críticos do Supremo Tribunal Federal. Todos têm um pavor ao STF”, conta Teixeira, ex-professor de generais, coronéis e um almirante, com quem se corresponde semanalmente pelo aplicativo de mensagens.

Para Teixeira, há uma dificuldade de os militares brasileiros entenderem o que é a divisão dos poderes. “Eles acham que a divisão dos poderes é um Poder Executivo que pode fazer tudo. A noção de Poder Executivo no Brasil é imperial. A ideia de ‘checks and balances’ (freios e contrapesos) não existe”, diz, lembrando que tudo isso é anterior ao caso Gilmar.

Um dos maiores flancos utilizados pelos militares é o fato de o Supremo recorrer a decisões que avançam sobre os outros Poderes, incluindo o Congresso. A chamada judicialização da política, porém, é relativizada por Teixeira, para quem a questão é mal compreendida, como no caso em que a Corte fez um paralelo com a lei do racismo para se combater a homofobia. “A ideia principal de que a Justiça odeia o vácuo e que, não tendo uma lei, procura uma mais próxima, para preencher esse vácuo, isso eles não entendem de maneira alguma”, diz.

O professor do Instituto de Economia da UFRJ, Eduardo da Costa Pinto, que realiza estudos sobre a questão militar, tem uma visão mais negativa sobre o ativismo judicial e cita medidas controversas que o STF tomou nos últimos anos. “Os militares acusam o Supremo de politização, mas eles também estão politizados! Olha a enrascada em que a gente se meteu”, aponta.

Do mesmo modo que os ministros do STF deixaram as divergências pessoais de lado e nunca se mostraram tão unidos, diante dos ataques vindos do bolsonarismo, as Forças Armadas também assinaram a dura nota conjunta contra Gilmar, apesar do dissenso interno sobre a permanência de Pazuello.

Para Costa Pinto, a crise entre as Forças Armadas e o ministro do Supremo, no entanto, longe de mostrar uma “briga de cachorro grande”, revela o contrário, um conflito de “poodles”, que se apequenam. O professor lembra que a declaração de Gilmar Mendes veio após os militares passarem muito tempo “balançando as armas” por meio de ameaças veladas de apoio a um autogolpe de Bolsonaro, o que não se concretizou. Ao perceber que “as Forças Armadas não tinham essa força”, os militares no governo passaram a ser criticados mais abertamente, a exemplo dos políticos tradicionais. “Só que eles não querem ouvir crítica nenhuma. Usam a ideologia de que são defensores de um suposto bem comum, da pátria etc, e que, por isso, não podem ser contrariados. Achavam que o problema do país era só corrupção e que dariam conta. Mas os problemas do país não se resolvem com uma varinha mágica”, afirma.

Valor Econômico