MP diz que irregularidades de Salles têm aval de Bolsonaro

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Foto: Isac Nóbrega/PR

Na ação em que acusou o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de improbidade administrativa e pediu seu afastamento do cargo, o Ministério Público Federal aponta que medidas tomadas por ele à frente da pasta foram avalizadas pelo presidente Jair Bolsonaro. Como exemplo, procuradores citam a exoneração de servidores do Ibama responsáveis por ações de fiscalização contra o garimpo ilegal.

O presidente é citado em três partes diferentes do documento, que tem 128 páginas e é assinado por 12 procuradores. Mensagens trocadas entre Bolsonaro e o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro foram anexadas à ação para reforçar a influência do presidente em decisões da pasta.

A conversa por meio de WhatsApp foi revelada pelo próprio presidente, no dia 5 de maio. Na ocasião, ao exibir a jornalistas a tela de seu celular com as mensagens trocadas com Moro, Bolsonaro divulgou, sem querer, uma cobrança feita a seu ex-ministro relacionada a queima de equipamentos em uma ação de fiscalização do Ibama em terras indígenas em Altamira (PA), ocorrida no início de março.

Na ação, fiscais flagraram um garimpo dentro de terras indígenas, atividade que é proibida por lei. Os servidores do Ibama queimaram a estrutura montada pelos garimpeiros e as máquinas usadas para a extração ilegal. A queima do maquinário é prevista na legislação para este tipo de caso. As imagens ganharam a imprensa e foram exibidas no programa Fantástico, da TV Globo.

“A insatisfação do Presidente da República com a destruição de maquinário em fiscalizações ambientais é antiga e já havia sido declarada publicamente em outras oportunidades”, afirma o Ministério Público Federal.

Após a ação, houve uma série de exonerações no órgão ambiental. O primeiro, em 14 de abril, foi o diretor de proteção do Ibama Olivaldi Azevedo. Em 30 de abril, foram demitidos Renê Luiz de Oliveira, coordenador-geral de fiscalização ambiental, e Hugo Ferreira Loss, coordenador de operações de fiscalização. Eles foram retirados dos cargos depois que o Ibama realizou uma série de operações em terras indígenas no Pará contra ação de garimpeiros.

Segundo a ação dos procuradores, “a irresignação da Presidência motivou que o requerido, ministro do Meio Ambiente, efetivamente exonerasse toda a cadeia de servidores responsável, no Ibama, pelo planejamento de atividades de fiscalização”.

Ainda de acordo com a Procuradoria, as exonerações “foram viciadas por desvio de finalidade” e assinadas por Salles com objetivo de “obstaculizar o sucesso das ações de comando e controle” implementadas pelo Ibama contra o garimpo na Amazônia. Mais que isso, a medida também buscava agradar ao Planalto – que demonstrava incômodo com a operação.

“O encadeamento temporal dos eventos – que inclui as ações de comando e controle com a destruição de maquinário, sua publicização em rede nacional, a exoneração dos agentes públicos encarregados do planejamento e execução das ações e o inconformismo do Presidente comprovam bem tal circunstância”, afirmam os procuradores.

No dia 29 de maio, dois dos servidores, Loss e Oliveira, foram ouvidos por representantes do Ministério Público Federal, por meio de videoconferência. Na ocasião, eles relataram que, desde 2019, houve uma série de medidas que fragilizaram a fiscalização, como: mudanças de chefia por pessoas com pouco conhecimento das atividades fiscalizatórias ou demora na definição dos cargos, diminuição do número de fiscais, reduções orçamentárias, inviabilização de atividades estratégicas essenciais, como a destruição de maquinário, além de limitação de horas em campo.

Os servidores exonerados também se queixaram dos discursos das autoridades contra as ações ambientais e denunciaram a utilização de remoções com desvio de finalidade. “O referido depoimento traz à luz a crescente insegurança, as incontáveis pressões e os graves obstáculos enfrentados pelos servidores públicos responsáveis pela fiscalização ambiental como consequências diretas das medidas tomadas, ao arrepio da legislação ambiental vigente, pelo acusado Ricardo Salles”, destacam os procuradores.

Como se trata de uma ação civil, a ação foi apresentada na primeira instância da Justiça Federal do Distrito Federal. Embora seja citado no documento, o presidente não é alvo da ação.

O MPF acusa Salles de cometer improbidade administrativa em uma série de atos, omissões e discursos que caracterizariam conduta intencional “com o objetivo de fragilizar a atuação estatal na proteção do meio ambiente” e favorecer “interesses que não têm qualquer relação com a finalidade da pasta”. À Justiça, doze procuradores pedem que o ministro seja afastado do cargo imediatamente.

“É possível identificar, nas medidas adotadas, o alinhamento a um conjunto de atos que atendem, sem qualquer justificativa, a uma lógica totalmente contrária ao dever estatal de implementação dos direitos ambientais, o que se faz bastante explícito, por exemplo, na exoneração de servidores logo após uma fiscalização ambiental bem sucedida em um dos pontos críticos do desmatamento na Amazônia Legal”, afirmaram os procuradores.

Em nota, Salles classificou como “tentativa de interferir em políticas públicas” o pedido de afastamento. “A ação de um grupo de procuradores traz posições com evidente viés político-ideológico em clara tentativa de interferir em políticas públicas do Governo Federal”, afirmou. “As alegações são um apanhado de diversos outros processos já apreciados e negados pelo Poder Judiciário, uma vez que seus argumentos são improcedentes.”

Ao Estadão, o ex-ministro Sérgio Moro defendeu que os agentes do Ibama, no combate ao desmatamento, “devem ter autonomia para realizar as ações necessárias na forma da lei ou do decreto”.

Sobre a mensagem encaminhada ao celular dele por Bolsonaro, e a ação do MPF que cita a conversa, Moro disse esperar que os funcionários do Ibama “não tenham sido exonerados tão somente pela destruição de equipamentos utilizados em desmatamento”. “Sei que a destruição de equipamentos gera insatisfação, mas, se há discordância quanto ao ato normativo que autoriza essa destruição, o que caberia seria a alteração do ato, mas não a exoneração do agente público.”

No período em que esteve à frente do Ministério da justiça e Segurança Pública, Moro autorizou, diversas vezes, o envio da Força Nacional para dar suporte a ações de combate ao garimpo ilegal em terras indígenas. “O Ministério da Justiça sempre apoiou pedidos de solicitação de apoio da FUNAI ou do IBAMA na proteção do meio ambiente ou da população indígena”, afirmou o ex-ministro.

Estadão