Pesquisadora pede que jovens sejam informados sobre ditadura

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Foto: Reprodução

O projeto especial da Folha sobre o que foi a ditadura é importante não apenas para os que são novos demais para ter vivido sob o regime militar, mas para toda a população, afirma Kathryn Hochstetler, professora de desenvolvimento internacional da LSE (London School of Economics and Political Science​).

“A memória se enfraquece também nos que já têm idade suficiente para tê-la experimentado”, afirma Hochstetler, cuja pesquisa abrange o Brasil e outros países latino-americanos. “O governo militar impôs limites aos direitos políticos, sociais e econômicos dos brasileiros, e as reportagens da Folha mostram essas diversas facetas.”

No último final de semana, a Folha publicou o projeto especial “O Que Foi a Ditadura”, que disseca os fatos do regime militar de 1964-85 e é direcionado principalmente a pessoas que não o viveram diretamente.

O jornal também lançou um curso online gratuito sobre a ditadura (mais de 40 mil alunos viram a primeira aula) e uma campanha publicitária que resgata os valores da democracia —modelo de governo apoiado por 75% da população, um patamar recorde, segundo pesquisa Datafolha.

Segundo a professora Hochstetler, é importante também relembrar a campanha Diretas Já, porque foi um momento que reuniu pessoas de diversas correntes políticas e sociais protestando contra a ditadura em um momento em que isso ainda trazia risco.

“Agora que os brasileiros têm estado frequentemente divididos pela política, é fundamental olhar para trás e relembrar um momento em que praticamente todos viam que a ditadura não havia funcionado e a democracia, com todas as suas falhas, era o caminho que eles escolhiam”, disse Hochstetler. “Fico feliz de ver que, segundo a pesquisa Datafolha, eles ainda concordam com isso.”

Para Ana Luiza Morais Hannotte, da Coordenação Brasil na Anistia Internacional da Bélgica, “a reflexão a respeito da ditadura militar no Brasil merece lugar de destaque em discussões de direitos humanos”, por abordar temas que repercutem no presente.

Segudo Hannotte, que é mestre em relações internacionais pela Université Libre de Bruxelles, as reportagens especiais e o curso de história promovidos pela Folha dão “um passo importante na divulgação dos reflexos deste período, construindo uma ponte para se compreender a continuidade de práticas de corrupção e de práticas repressivas deste contexto até hoje”.

Relembrar a história e mostrar às novas gerações “as atrocidades do passado” é fundamental para garantir que as violações não se repitam, afirma o advogado e pesquisador Paulo Lugon Arantes, doutor em direito internacioal e direitos humanos pela Universidade de Leuven (Bélgica).

“Aprendemos a duras penas que os direitos humanos, a democracia e o Estado de Direito devem ser cultivados a cada dia, sob o risco perder-se todo um esforço de décadas”, afirma Arantes, que atua em causas de direitos humanos na ONU e em instituições europeias.

Ele diz que o Brasil tem um processo de justiça em relação à ditadura bastante atrasado, em comparação a outros países do Cone Sul, e que “a impunidade, ainda mais com relação aos crimes de Estado cometidos na democracia, é responsável por um clima de frustração nacional, que impede que a sociedade foque em outros processos de desenvolvimento”.

Iniciativas como a da Folha, segundo Arantes, ajudam a fortalecer a democracia no país.

Hannotte acrescenta que as reportagens da edição especial revelam estruturas que resistiram à transição e ao fim da ditadura e que, hoje, “geram entraves na defesa de direitos básicos”.

“A campanha da Folha nos convida a tomar essa posição crítica e, mais uma vez, combater o fetiche do totalitarismo”, afirma ela.

A Anistia Internacional afirma que a campanha pela democracia alinha-se à atual necessidade de apoiar as instituições brasileiras em defesa do Estado de Direito diante de um governo cujo presidente, Jair Bolsonaro, já defendeu publicamente crimes hediondos cometidos pela ditadura.

Em nota, a entidade diz que “todos têm responsabilidade de lançar luz sobre a escuridão” e que o momento é de mostrar que o futuro do Brasil é de progresso e não de repressão.

“Agora é a hora de apoiar as instituições públicas do Brasil na defesa do Estado de Direito e no apoio aos direitos humanos básicos —mostrando que o futuro do Brasil é de progresso, não de repressão.”

A entidade afirma ter sido fundada sobre a ideia de que as pessoas comuns podem criar “mudanças duradouras” desde que se importem com seus semelhantes e demonstrem solidariedade.

“É por isso que falar contra os abusos atuais contra povos indígenas, quilombolas, comunidades rurais, pessoas LGBTQI + e jovens negros é vital. Jair Bolsonaro defendeu publicamente crimes hediondos cometidos sob o antigo regime militar, incluindo o uso de tortura”, diz o texto enviado à Folha.

Folha De S. Paulo