Propaganda fake de Bolsonaro inventa histórias e nomes

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Foto: Reprodução

Em uma nova campanha do governo federal, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) conversa por telefone com “Dona Maria Eulina”, de Penaforte, Ceará, que lhe pergunta sobre como está o projeto de transposição do Rio São Francisco no estado nordestino.

No entanto, a foto que identifica Maria Eulina no vídeo não é dela, mas de Célia Rossin, 81, moradora de Sertãozinho (a 333 km de São Paulo).

O retrato de Célia foi tirado pelo seu neto, Mailson Pignata, 32, que mora na mesma cidade. Ele fotografa para colocar as imagens em plataformas como iStock e Shutterstock, nas quais agências de propaganda costumam pagar pelo direito de usá-las em campanhas.

Célia diz ao Painel que não se importa de aparecer na campanha e que a divulgação pode ser positiva para o neto. Ela afirma que o presidente tem deixado a desejar, especialmente na Saúde.

“Ele não é especial, não. Deixa a desejar em muita coisa. A Saúde tá feia. Se tivesse socorrido em tempo teria sido melhor”, diz, sobre a crise do novo coronavírus. Ela afirma que não vota há quatro eleições.

A campanha cita obras tocadas pelo executivo federal. “Governo federal: milhares de obras e ações por todo o país. Você fala com o governo, o governo fala com o Brasil”, diz o vídeo, que estimula o espectador a mandar vídeos pelo Whatsapp.

Célia diz que não a viu ainda, mas que qualquer mérito que exista em sua presença nela se deve ao neto. “Nunca pensei que ele fosse tirar uma foto minha e rodar mundo afora.”

Perguntada se, como na campanha, ela gostaria de receber uma ligação do presidente, ela recusou. “Não quero, não. Ah, porque não”, diz, repetindo o “não” mais três vezes.

Ela aproveita para criticar a remuneração pagas pelas plataformas para os fotógrafos. “Bom para o Mailson, mas paga muito pouco.”

No iStock, por exemplo, Mailson diz que recebe cerca de 20% do valor de uma foto quando ela é comprada por um assinante. No caso da foto de sua avó, receberia R$ 9 do total de R$ 45 (no caso de compra por um não assinante, já que para assinantes o valor é ainda mais baixo. Há vezes em que o pagamento fica abaixo de R$ 1 por foto, conta Mailson).

Mas ele não sabe, até o momento, em qual plataforma o governo federal adquiriu o direito de usar a foto. Ele só terá conhecimento em agosto, diz, quando chegarem os balanços de fotos vendidas.

Ele lida com naturalidade com o uso da fotografia de sua avó, e acrescenta que uma imagem da mesma sessão com Célia já ilustrou uma campanha da cerveja Skol.

“Todas as agências usam, tanto do governo como multinacional. Tenho muita foto de plantação industrial e eles usam bastante, por exemplo. É muito mais barato e rápido pegar em um banco do que deslocar uma equipe para fazer isso”, afirma Mailson, que diz também não ver problema no uso de suas fotografias pela gestão Bolsonaro.

“Não tenho implicância, não. Estão tentando fazer o trabalho deles e acharam uma maneira de fazer. Cada um tem a consciência do que faz”, afirma.

Sobre o fato da imagem de sua avó ter sido usada como ilustração para as falas de Maria Eulina, Mailson também vê com tranquilidade.

“Não é a primeira vez, isso acontece nas campanhas mesmo. A partir do momento que a pessoa coloca a fotografia em um banco de imagens, ela está sujeita a qualquer coisa. É como uma atriz. Aceita qualquer papel”, explica.

Na noite desta quarta, a Secom (Secretaria Especial de Comunicação)​ enviou nota em que afirma que o vídeo é uma “peça piloto inacabada que não deverá ser veiculada”. Dessa forma, argumentam, “não possui caráter oficial”.

“De todo modo, a fim de sanar qualquer tipo de distorção dos fatos, o vídeo foi retirado do ar”, conclui a nota. O vídeo foi apagado das redes de Bolsonaro na sequência.

Folha De S. Paulo