TJ-SP despreza jurisprudência

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Foto: Reprodução/ Folha De S. Paulo

O ministro Rogerio Schietti Cruz, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), acusou o Tribunal de Justiça de SP de “simplesmente ignorar, ou melhor, desconsiderar” jurisprudências do STF (Supremo Tribunal Federal) e do STJ.

Ele fez as afirmações durante webinário sobre habeas corpus realizado pelo Conjur e pelo IDP. Estavam no debate também o ministro Gilmar Mendes, do STF, a defensora pública Daniela Soliberger e o criminalista Alberto Toron.

A defensora argumentava que o grande volume de habeas corpus apresentados às cortes superiores era consequência de decisões do Tribunal de Justiça de SP irem contra entendimentos já firmados pelo STF e o STJ. E que 61% deles tinham sucesso.

Schietti então criticou o tribunal paulista, citando como exemplo penas para crimes de tráfico de menor monta e prisões preventivas que são contrárias à jurisprudência do STF e do STJ.

“As cortes superiores, que têm a missão constitucional de interpretar a Constituição e as leis, já disseram centenas de vezes” que a prisão preventiva não pode ser usada como punição, afirmou o magistrado.

“E continuam alguns tribunais a insistirem. É como se fosse uma afirmação de poder, em prejuízo de pessoas que estão perdendo a sua liberdade, e alguns até a vida”, seguiu o magistrado.

Ele afirmou que já houve diálogo com o Tribunal de Justiça de SP mas que nada mudou. “Continuamos a ver o mesmo problema.” Gilmar Mendes chamou a situação de “pandemônio”.

O Tribunal de Justiça de SP disse, em nota, que os desembargadores da corte “desempenham suas funções com liberdade e independência e prestam a jurisdição criminal com estrito respeito às leis e consequencialismo, buscando primordialmente proteger a sociedade e os cidadãos de bem”.

A nota do Tribunal de Justiça de São Paulo disse ainda que os julgamentos dos desembargadores do tribunal são “eminentemente técnicos, mediante decisões devidamente fundamentadas”.

Leia a íntegra da fala do ministro Schietti:

“Durante todo o processo, a sentença reconhece o tráfico privilegiado, impõe a pena mínima, que é de um ano e oito meses, mas mantém o regime fechado, não obstante o Supremo Tribunal Federal, na sua composição plena, há cinco, dez anos, vem dizendo que esta figura delitiva não é equiparada a crime hediondo e que permite não apenas o cumprimento da pena em regime aberto mas também a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

E nós temos centenas de pessoas condenadas cumprindo pena porque o Tribunal de Justiça de São Paulo simplesmente ignora, ou melhor, desconsidera a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do STJ.

Nós temos a partir de 2015 o sistema de precedentes. Bem ou mal, é um sistema que poderia não só dar alguma uniformidade, segurança jurídica, mas isonomia de tratamento ao jurisdicionado. O ministro Gilmar falou da loteria. É uma loteria, a depender do juiz, do desembargador ou do ministro a quem venha a ser distribuída a impetração, o resultado da prestação jurisdicional será diferente. E nós temos ai pessoas cumprindo pena. Já deveriam estar soltas desde o inicio do processo. Porque prisão provisória não é punição.

As pessoas precisam entender que a prisão processual, a prisão preventiva tem a finalidade apenas de proteger determinados interesses cautelares.

Não se pune ninguém com a prisão preventiva. E a pessoa que for condenada por uma pena que sequer vai ser cumprida em regime fechado está sendo punida por uma prisão preventiva por conta de uma interpretação, me perdoem, cruel, uma interpretação que vai contra o sistema.

As cortes superiores, o STJ e o Supremo, que têm a missão constitucional de interpretar a Constituição e as leis já disseram centenas de vezes, pela sua composição plena, o Supremo. E continuam alguns tribunais a insistirem.

É como se fosse uma afirmação de poder, em prejuízo de pessoas que estão perdendo a sua liberdade, e alguns até a vida. Porque Deus sabe o que acontece quando alguém ingressa no sistema penitenciário, por conta de uma medição de forças. Não é possível que nos continuemos com isso. Precisamos mudar.

(…) O Tribunal de Justiça de São Paulo já nos recebeu com muita cordialidade, por duas vezes. Conversamos, dialogamos, mostramos essa dificuldade. Mas não vemos nenhuma mudança. Continuamos a ver o mesmo problema. Então o que será preciso para que isso se modifique? Uma lei? Talvez não.

Não basta uma lei. É preciso mudar uma cultura. É preciso entender que há divisões de competência, que uma vez um tema jurídico definido por uma corte que a Constituição define como responsável pela interpretação da lei e da Constituição, me desculpem mas a não ser que haja uma distinção do caso concreto, por lealdade, por questão de segurança jurídica, não podem simplesmente afrontar essa jurisprudência, ignorando ou dizendo que ela não vincula. “Ah, porque o julgamento em habeas corpus não me vincular”.

Vejam, foi a Suprema corte, com seus 11 ministros que chegou a essa conclusão. Interpretou a Constituição e disse “não pode fixar o regime fechado simplesmente porque é crime de tráfico. Porque há tráficos e tráficos. Não podemos equiparar a figura do pequeno traficante à daquele que integra uma organização criminosa, responsável pela proliferação das drogas, importação, produção, etc.

O crime de tráfico de entorpecentes no STJ é responsável por 1/4 de todo o movimento criminal. E há um estigma social e judicial, precisamos dizer, muito forte em ​relação a esse crime.

Tem a palavra tráfico parece que o mundo converge para todas as piores soluções possíveis. Quem tem esse rótulo de traficante, o sistema criminal é duro. Em alguns casos precisa ser duro mesmo. Mas nem todos. E nesses casos especificamente que estou mencionando, é uma realidade muito preocupante que precisaria ser repensada.”

Folha De S. Paulo