Abuso de poder religioso tem placar apertado no TSE

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Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADAO

Dividido, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vai retomar na próxima terça-feira (18) o julgamento sobre a possibilidade de um político ter o mandato cassado pelo chamado “abuso de poder religioso”. Até agora, dois ministros já se posicionaram contra a proposta apresentada pelo ministro Edson Fachin de ampliar a interpretação da lei e criar esse novo critério para cassar mandatos. A expectativa de integrantes da Corte Eleitoral é a de que a maioria do tribunal se posicione contra a criação da figura do abuso de poder religioso já nestas eleições. Caso seja confirmado, esse cenário representaria uma vitória para a Frente Parlamentar Evangélica e aliados do presidente Jair Bolsonaro, que temem uma “caça às bruxas” contra o conservadorismo.

O ministro Tarcísio Vieira foi o único a votar na manhã desta quinta-feira, acompanhando a divergência aberta pelo ministro Alexandre de Moraes, conforme antecipou o Estadão/Broadcast. A discussão sobre o tema começou em junho deste ano, quando foi interrompida por um pedido de vista (mais tempo para análise) de Tarcísio.

“Não vejo como ampliar a concepção do abuso de autoridade para englobar situações atinentes ao exercício da liberdade religiosa, mesmo porque, o apanhado histórico dos julgamentos do TSE demonstra, em minha ótica, a já satisfativa e equilibrada atuação desta Corte nesse árido campo, considerando, claro, o ordenamento brasileiro que embasa e permite tais posturas”, disse Tarcísio Vieira.

Segundo Tarcísio, outro “fator complicador” na questão é o elemento religioso inserido em determinados eventos públicos e políticos, com a mistura de credo e eleições, quando a liberdade de expressão é garantida.

“Como ponto de partida, o TSE assegura – e não poderia deixar de ser – a liberdade do discurso e da prática religiosa proferida durante o ato. Essa proteção, no entanto, é relativizada em situações nas quais o culto religioso transmuda-se direta ou indiretamente em propaganda eleitoral. O raciocínio teórico é bastante objetivo, mas a dificuldade reside na definição prática desse desvirtuamento ou fuga do tema da prática religiosa”, apontou o ministro.

Tarcísio observou que uma eventual prática de abuso de poder religioso – mesmo sem uma previsão legal – pode ser enquadrada na verificação de abuso de poder econômico, com a apuração de propaganda eleitoral e a utilização de recursos financeiros de fonte proibida, por exemplo.

Ainda faltam votar quatro ministros no julgamento: Og Fernandes, Luís Felipe Salomão, Sérgio Banhos e o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso.

Posição. Fachin é o relator do caso que envolve a vereadora de Luziânia (GO) Valdirene Tavares (Republicanos). Pastora da Assembleia de Deus, ela é acusada de usar sua posição na igreja para promover a candidatura, influenciando o voto de fiéis. Valdirene foi reeleita em 2016. O relator já votou contra a cassação da vereadora, por não encontrar provas suficientes no caso concreto, mas ressaltou que Estado e religião devem ser mantidos separados para garantir a livre escolha dos eleitores.

“A imposição de limites às atividades eclesiásticas representa uma medida necessária à proteção da liberdade de voto e da própria legitimidade do processo eleitoral, dada a ascendência incorporada pelos expoentes das igrejas em setores específicos da comunidade”, disse Fachin no início do julgamento, em junho, num dos trechos mais polêmicos do voto, interpretado como uma crítica severa aos neopentecostais.

Fachin também propôs, na ocasião, a inclusão do abuso de poder de autoridade religiosa em ações que podem eventualmente levar à cassação de mandato de políticos. Alexandre de Moraes discordou do colega nesse ponto. “Não se pode transformar religiões em movimentos absolutamente neutros, sem participação política e sem legítimos interesses políticos na defesa de seus interesses assim como os demais grupos que atuam nas eleições”, observou Moraes, que vai comandar o TSE nas eleições presidenciais de 2022.

Na sessão desta quinta-feira, Fachin rebateu as críticas de que o entendimento poderia acabar levando a preconceito contra pastores e padres. “Não há qualquer sinal discriminatório. Quando se cogita de colocar as autoridades religiosas dentro desse quadro de responsabilidade o que se reconhece é uma concepção universal de Justiça e liberdade para as eleições”, rebateu Fachin.

Reunião. Para tentar apaziguar os ânimos, Fachin, que é o vice-presidente do TSE, se reuniu na quarta-feira passada por videoconferência com deputados da Frente Parlamentar Evangélica. Durante o encontro os parlamentares deixaram claro que, na visão deles, é “ativismo judicial” cassar o mandato de políticos – de vereadores a presidente da República – por abuso de poder religioso. Na opinião dos deputados, qualquer ofensiva nesse sentido dependeria da aprovação de uma lei pelo Congresso Nacional com essa previsão explícita.

Estadão