Bolsonaro aumenta gastos com espionagem

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Foto: Adriano Machado / Reuters

Na reunião ministerial de 22 de abril que precedeu a queda do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, o presidente Jair Bolsonaro deixou claro que estava insatisfeito com o sistema oficial de inteligência do Planalto. O incremento orçamentário das áreas responsáveis por esses serviço, recentes movimentos de reorganização de estruturas e ações como as de monitoramento de integrantes de movimentos antifascistas revelam a prioridade dada pelo governo ao tema desde a posse.

Em pouco mais de um ano e meio da administração Bolsonaro, a Presidência da República gastou R$ 161 milhões com ações de inteligência e a segurança institucional do presidente, do vice Hamilton Mourão e de seus familiares. Os pagamentos efetuados em 2019 pela Presidência via Gabinete de Segurança Institucional (GSI) são 68% maiores do que a média anual do que foi gasto nos três anos anteriores à chegada de Bolsonaro ao poder. O órgão, comandado pelo ministro Augusto Heleno, abriga a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que acaba de passar por uma mudança que aumentou o escopo da sua ação.

Em 31 de julho, Bolsonaro criou dentro da Abin uma unidade chamada Centro de Inteligência Nacional. Além de abrigar novos cargos, a nova estrutura terá as seguintes funções: executar atividades de inteligência destinadas “ao enfrentamento de ameaças à segurança e à estabilidade do Estado e da sociedade” e assessorar “os órgãos competentes no que se refere a atividades e políticas de segurança pública e à identificação de ameaças decorrentes de atividades criminosas”.

Foi justamente esse trecho do decreto que chamou a atenção da oposição ao governo Bolsonaro na Câmara. O deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ) propôs um decreto legislativo para tentar derrubar a medida de Bolsonaro que alterou a estrutura da Abin e pediu a convocação do ministro do GSI para explicar as mudanças.

— Na fatídica reunião ministerial, Bolsonaro já havia deixado evidente sua obsessão em ter um sistema de informações para chamar de seu. É isso que ilegalmente está fazendo por decreto, permitindo até que pessoas não concursadas sejam treinadas pela Abin — diz o deputado.

A desconfiança de parlamentares com relação aos atos do governo na área de inteligência aumentou desde a divulgação de que a Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça produziu um relatório para monitorar servidores da área de segurança e professores antifascistas. O tema vem sendo investigado pelo Ministério Público Federal (MPF) e já provocou, na semana passada, a demissão de Gilson Libório, responsável pela Seopi.

Ao GLOBO, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) nega a criação de uma “nova Abin” e qualquer perseguição a opositores. O filho do presidente defende o trabalho do delegado Alexandre Ramagem, diretor-geral da agência, que foi impedido por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de assumir o comando da Polícia Federal após a acusação feita por Moro de interferência.

— Isso (“nova Abin”) é mais uma invenção, assim como o gabinete do ódio. Também não tenho conhecimento de qualquer relatório do Ministério da Justiça contra opositores. Relatório para apurar ameaças ao presidente e sua família é uma coisa, investigação e força paralela é outra. Mas não acredito que isso tenha acontecido.

O argumento segurança presidencial é que dá o suporte para o aumento do investimento no GSI. Este ano, a pasta comandada pelo ministro Augusto Heleno passou a ter gastos com uma nova preocupação: a implantação de um sistema de proteção das instalações presidenciais, como o Palácio do Planalto, onde Bolsonaro trabalha, e o Palácio da Alvorada, onde ele mora. O GSI contratou, nos primeiros dias de 2020, uma empresa de segurança eletrônica para fornecer “analisadores de vibração de aeronave”. São, basicamente, torres para detectar e proteger os palácios de drones. O contrato tem um custo de R$ 2,5 milhões.

As leis orçamentárias de 2016, 2017 e 2018 não preveem um sistema de proteção das instalações presidenciais. A novidade aparece no orçamento de 2019, elaborado no ano anterior, o último da gestão de Michel Temer. No ano passado, conforme os dados do Portal da Transparência, a Presidência chegou a empenhar o pagamento de R$ 3,6 milhões com essa finalidade, de uma previsão de pouco mais de R$ 9 milhões com o sistema. O dinheiro só começou a ser gasto, na forma de restos a pagar, este ano: R$ 1,1 milhão, segundo o portal.

O GLOBO perguntou ao GSI se, como órgão central de coordenação do Sistema Brasileiro de Inteligência, tinha conhecimento do que se passava na Seopi. “O GSI deixa de se manifestar por se tratar de tema que está sendo conduzido diretamente pelo Ministério da Justiça”, foi a resposta. O ministério disse que não se manifesta sobre gastos relacionados com atividades de inteligência e que os valores do Portal da Transparência não procedem, sem explicar qual seria o montante das despesas.

Sobre a ampliação dos gastos com a segurança do presidente, o GSI disse que houve um aumento considerável do número de viagens feitas por Bolsonaro no Brasil e no exterior. “A partir de meados de 2016 e em 2017 e 2018, não tínhamos vice-presidente. O universo a ser apoiado pelo GSI teve aumento significativo”. O GSI também informou que a implantação de um sistema de proteção dos palácios ocorre desde 2016 e que não há “arestas” com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), mas “acertos amigáveis” sobre a localização e a dimensão das torres.

O Globo