Bolsonaro quase não fala com Pazuello

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Foto: Reprodução/ JC

O Brasil superou mais de 107 mil mortos por covid-19, número que não para de crescer, mas a agenda oficial do presidente Jair Bolsonaro revela que o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, é um dos cinco ministros que menos têm frequentado o gabinete presidencial.

O militar completou no fim de semana 90 dias no cargo, que assumiu interinamente com a saída do médico Nelson Teich, quando eram 15 mil mortos pela doença. Apesar dos elogios do chefe, que o efetivou, o novo ministro reuniu-se com Bolsonaro apenas seis vezes e participou de uma cerimônia. Dessas, duas foram reuniões ministeriais, com todos da Esplanada, e outra em que o acompanhou num encontro virtual com presidentes do Mercosul. Não há registro de reunião privada entre os dois.

Procurados, o ministro da Saúde e a Presidência da República não quiseram se manifestar.

Dos 23 ministros, Pazuello só foi mais recebido que três de seus colegas (os da Agricultura, Banco Central e Direitos Humanos). E isso inclusive se considerados os que saíram nesses 90 dias, como Abraham Weintraub, demitido do Ministério da Educação há dois meses, mas que teve em 30 dias as mesmas seis reuniões que o titular da Saúde em três meses.

O presidente tem negado que prioriza a economia no lugar das vidas, mas o ministro da Economia, Paulo Guedes, teve oito vezes mais a sua atenção – foi recebido 49 vezes. Ernesto Araújo (Itamaraty), Marcelo Álvaro Antônio (Turismo), José Levi (Advocacia-Geral da União), Fábio Faria (Comunicações), Bento Albuquerque (Minas e Energia), Onyx Lorenzoni (Cidadania), Fernando Azevedo (Defesa), Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia), Tarcísio Freitas (Infraestrutura) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) também tiveram mais reuniões com o presidente nesses três meses em que a crise sanitária se agravou.

Os mais assíduos no gabinete presidencial são Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, Jorge de Oliveira, da Secretaria-Geral, Braga Netto, da Casa Civil, e Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Isso, contudo, é comum aos governos: os ministros que despacham no Palácio do Planalto estão fisicamente mais próximos do presidente e costumam participar de reuniões que envolvem múltiplas áreas, atuando como conselheiros.

Na semana passada, após o país registrar mais de 100 mil mortos, Bolsonaro não teve reuniões com o responsável por planejar, coordenar e executar as ações de saúde pública. O presidente viajou a São Paulo, Rio de Janeiro e Belém para inaugurar obras, onde apoiadores se aglomeraram para vê-lo. As visitas, em tom eleitoral, ocorrem desde que se recuperou da covid-19.

A ausência de reuniões destoa até dos outros dois ministros da Saúde que antecederam Pazuello e com os quais Bolsonaro não nutria boa relação. Luiz Henrique Mandetta, que saiu brigado por discordar dos ataques ao isolamento social e da pressão pela retomada das atividades econômicas, encontrou o presidente 13 vezes entre 20 de março, quando foi decretada a calamidade pública em razão da covid-19, e 16 de abril, quando foi demitido.

Teich, que saiu por discordar da liberação da cloroquina como tratamento (o que depois se comprovou cientificamente ineficaz), também permaneceu menos de um mês no cargo, mas teve dez encontros com o presidente. Na época, auxiliares argumentavam que Bolsonaro teve problemas com ambos e, por isso, pouco os recebia. Guedes esteve em 50% mais reuniões, já demonstrando a preferência pela economia.

O atual ministro está mais alinhado com o presidente. Ele autorizou o uso da cloroquina como protocolo para tratamento, modificou a sistemática de divulgação dos dados da covid-19 e participou da live semanal com Bolsonaro para falar sobre a compra da possível vacina.

Parlamentares se dividem sobre a falta de reuniões. Ex-ministro da Saúde, o deputado Alexandre Padilha (PT-SP) ironizou que “só falta alegar distanciamento social” para não se encontrar com Pazuello. “O tempo que Bolsonaro gasta reunindo-se com quem ocupa o Ministério da Saúde, passeando de jet ski, indo comer churrasquinho, em cerimônias militares ou inauguração de obras feitas pelos outros mostra a prioridade com a qual trata a saúde.”

Já o deputado Luiz Antonio Teixeira Jr (PP-RJ), coordenador da comissão da Câmara sobre a covid-19, afirmou que Pazuello melhorou muito a logística da área e tem a confiança de Bolsonaro, o que não ocorria com Mandetta. “Como não tem conhecimento técnico, Bolsonaro dá liberdade de trabalho para o ministro. Está deixando as coisas nas mãos de quem tem confiança. É um pouco de como ele fez com o Paulo Guedes, que tem autonomia”, disse. Guedes, porém, esteve com ele uma vez a cada dois dias.

A cientista política Ana Junqueira, da E-Relgov Consultoria, concorda que a falta de reuniões não significa afastamento. “60% das reuniões do presidente são com ministros e Pazuello se mantém mais distante, mas isso não é indício de troca ministerial e nem mesmo de insatisfação de Bolsonaro com ele”, disse.

O levantamento, feito pela E-Relgov a pedido do Valor, considerou as reuniões divulgadas nas agendas oficiais do presidente e de Pazuello. No caso dos outros ministros, foi checada a participação nas duas reuniões ministeriais, para saber quem de fato esteve presente, porque o Palácio do Planalto não informa. Não foram incluídas cerimônias e viagens em que não há registro dos participantes na agenda presidencial.

Valor Econômico