Brasil ignora direitos de mulheres estupradas

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Foto: Girl, de Egon Schiele (1890–1918) / Bequest of Scofield Thayer, 1982 / Domínio Público / Metropolitan Museum

A lei brasileira garante a vítimas de estupro: atendimento com presteza, sem necessidade de recorrer à Justiça para fazer valer um direito assegurado no Código Penal desde 1940, ter todos os seus dados preservados, não ser chamada de assassina nem ter de peregrinar em busca de um serviço público de saúde. Todos esses direitos foram negados à criança de São Mateus, no Espírito Santo, num caso que chocou o país na última semana, não só pela crueldade da violência, mas também pela incapacidade do Estado de garantir à menina um desfecho pacífico depois de ela ter sido vítima de uma barbárie.

A história da menina de 10 anos, estuprada desde os 6 por um tio, é o símbolo da degradação de um país onde os números da covardia envergonham. A cada seis horas, em média, uma criança entre 10 e 14 anos chega a um hospital com quadro de aborto, segundo dados do Ministério da Saúde. Toda menina menor de 14 anos que engravida é vítima de estupro por ser vulnerável, diz a lei. Por esse motivo, elas têm direito a um abortamento legal e seguro, uma vez que a gravidez decorrente de violência sexual é uma das possibilidades de interrupção da gestação permitidas legalmente no Brasil. As outras duas são em caso de risco de morte para a mãe e de fetos sem cérebro (anencefalia). Essa última hipótese foi consolidada por decisão do Supremo Tribunal Federal.

O direito ao aborto legal, porém, é interditado no país por diversos mecanismos. Começa pela falta de divulgação do serviço, disse Paula Sant’Anna Machado de Souza, coordenadora do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública de São Paulo. Somente no núcleo coordenado pela defensora, a cada 15 dias, em média, uma mulher ou menina chegam com a demanda do aborto legal. Seja porque não têm acesso à informação sobre o que fazer, seja porque já receberam a negativa do sistema de saúde.

Segundo Souza, boa parte dos próprios profissionais de saúde desconhece a legislação e as normas técnicas do Ministério da Saúde. Não há exigência de apresentar boletim de ocorrência ou laudo do Instituto Médico Legal (IML) atestando o estupro. Tampouco é preciso pedir autorização do Poder Judiciário. A credibilidade à palavra da vítima, no entanto, nem sempre é respeitada, afirmou a defensora. “Nossa sociedade ainda tem estereótipos de desacreditar as mulheres porque acha que elas vão querer usar o sistema supostamente de forma ilegal para obter o atendimento, o que não se sustenta na prática”, disse Souza.

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